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“É preciso não ter medo de abraçar o novo”
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Ao longo das três edições já realizadas, o prêmio publicou iniciativas de destaque, como o artigo citado no primeiro parágrafo deste texto: “Uso da telemedicina como instrumento de redução do tempo de permanência no pronto-socorro”, de Thales Araújo de Oliveira, que conquistou o segundo lugar em 2020. Thales é médico pediatra há dez anos. Desde 2017, trabalha no pronto-socorro do Sabará Hospital Infantil, em São Paulo. “Entrei como plantonista, virei supervisor e atualmente sou gerente do pronto-socorro”, conta o pediatra e autor do trabalho premiado, produzido com orientação e apoio do Instituto Pensi. Pesquisador em gestão de saúde, ele foi um dos responsáveis pela implantação de consultas via telemedicina no hospital, iniciativa que teve resultados positivos durante a pandemia. Notícias da Saúde Infantil conversou com o médico sobre a experiência.
Notícias da Saúde Infantil — Por que você escolheu a pediatria?
Thales de Oliveira — A faculdade em que estudei era muito focada na pediatria. O meu primeiro estágio foi na área e acabei me familiarizando. Eu e os meus colegas brincávamos dizendo que ou se amava ou se odiava a pediatria. Fui mais pela linha de amar. Percebi que eu tinha uma excelente relação médico-paciente com as crianças e isso me atraiu. Quando falamos de criança, geralmente falamos de prevenção, e não necessariamente de doença. Sempre tive uma maior empatia em cuidar de crianças e de todo o contexto familiar. Na pediatria, não cuidamos apenas da criança, mas de toda a família. Desde o estágio, não larguei a pediatria e não consigo nem me enxergar fora dela.
Notícias da Saúde Infantil — Para você, qual a importância de iniciativas como o Prêmio de Pesquisa em Saúde Infantil do Instituto PENSI para o incentivo à pesquisa?
Thales de Oliveira — É um reconhecimento de que estou no caminho certo e um indicativo para não ficar parado nem me contentar com o que já está funcionando. Sempre dá para melhorar. Na gestão do pronto-socorro, estamos constantemente procurando por novos fluxos. Não somos um hospital geral, em que a pediatria é um setor. Somos um hospital exclusivamente pediátrico, então estamos pensando em pediatria o tempo todo. O propósito da Fundação José Luiz Egydio Setúbal é uma infância mais saudável. Tenho isso dentro de mim. Foi muito gratificante ser reconhecido com um prêmio. Reconheço toda a autonomia que tenho no hospital, o que me permite ter ideias e aplicar essas inovações.
“A tecnologia torna a área da saúde mais eficiente, prática e segura. A telemedicina é um bom exemplo que veio para somar. Temos a possibilidade de estabelecer contato com uma família de uma cidade onde não há pediatra. Isso é muito bonito.”
Notícias da Saúde Infantil — Quais as suas fontes de pesquisa na busca por inovações? Thales de Oliveira — Estamos sempre atentos a todos os tipos de inovações e melhorias. A internet permite que acompanhemos o que está acontecendo. Eu trabalho com um gerente de inovação que está sempre trazendo ideias, o que facilita bastante esse processo. O hospital preza por inovação, tecnologia e eficiência, e esses novos conceitos e práticas estão sempre chegando até nós. O LinkedIn é uma fonte de informação útil e fidedigna, por exemplo, em que fazemos benchmarking com outros hospitais e eventualmente adaptamos algumas realidades do adulto para a nossa. Em alguns casos, as empresas de tecnologia nos procuram e apresentam as novidades, como ocorreu recentemente com o receituário digital. Notícias da Saúde Infantil — Na sua avaliação, quais foram as maiores contribuições do avanço tecnológico para a saúde nos últimos dez anos? Thales de Oliveira — Segurança e eficiência. Sou formado há dez anos e aprendi a fazer o prontuário a mão. Hoje é tudo digital e eu até tenho alguma dificuldade em fazer uma receita a mão. No pronto-socorro, não há rasura porque não tem mais papel. Acho que a tecnologia torna a área da saúde mais eficiente, prática e segura. A telemedicina é um bom exemplo que veio para somar. Temos a possibilidade de estabelecer contato com uma família de uma cidade onde não há pediatra. Isso é muito bonito. Caminhamos agora para o receituário digital, que proporciona maior segurança ao evitar o erro em relação à medicação ou à sua posologia. Notícias da Saúde Infantil — A desigualdade é um grande problema do Brasil. Tecnologia, segurança e eficiência chegam primeiro aos hospitais privados e por último às populações que dependem exclusivamente do sistema público de saúde. Como você enxerga essa discrepância? Thales de Oliveira — Vivemos numa bolha. São Paulo e o Sudeste são uma bolha diante de toda a realidade do nosso país. Em geral, cidades do interior não têm acesso a um bom hospital pediátrico. Se o poder público entendesse quanto a telemedicina pode ser resolutiva para um atendimento pediátrico, por exemplo… Venho de uma cidade pobre e carente do interior de Minas Gerais. Lá, não tem pediatra todos os dias. Seria excelente se aquele posto de saúde tivesse uma ferramenta de interconsulta e incentivo da prefeitura para facilitar o acesso das famílias aos grandes centros de pediatria. Obviamente, requer investimento, mas considero a telemedicina uma tecnologia barata. Em vez de precisar levar um médico para uma cidade do interior, o profissional poderá prestar o atendimento de um grande centro, e não será preciso arcar com a sua moradia, por exemplo. Tenho receio de falar de política pública porque não é o que eu estudo e pratico, mas entendo que seria muito mais barato do que manter um profissional dedicado ali na cidade. Notícias da Saúde Infantil — A ideia de consultas médicas à distância não é nova. Por que só agora a telemedicina está se popularizando? Thales de Oliveira — A pandemia permitiu que o uso da telemedicina fosse legalizado. Aqui, desenvolvemos todo o projeto de forma muito rápida. Era o auge da pandemia e os pacientes que precisavam do hospital não apareciam. Ficamos preocupados e pensamos na telemedicina para que as famílias que estavam com medo de sair de casa tivessem acesso ao pediatra. Com a formalização do uso da telemedicina no país, houve um grande desenvolvimento da tecnologia de receituários digitais. Hoje, a maioria dos médicos sabe do que se trata e procura ter um certificado digital, e fazer um receituário digital faz parte da nossa realidade. As farmácias não aceitavam, mas agora aceitam. Tudo isso tornou a telemedicina mais eficiente. Antes, não adiantava realizar o atendimento ao paciente via telemedicina se a receita não funcionava. [ caption id="attachment_20340" align="aligncenter" width="902"]
A primeira página do site do Sabará Hospital Infantil destaca o agendamento de teleconsulta. Foto: Reprodução/site do hospital.[ /caption]
“As famílias começaram a perceber que ficariam menos tempo no pronto-socorro e concluiriam o atendimento em casa. Entenderam o propósito, assim como a sua segurança e utilidade.”
Notícias da Saúde Infantil — A telemedicina é o futuro da medicina? Thales de Oliveira — Ela não é o futuro, mas vem para complementar o atendimento presencial. O nosso projeto é o exemplo perfeito de que a telemedicina está para somar, não para substituir. Incorporamos o recurso ao atendimento presencial. É muito útil e prático para alguns diagnósticos, não para todos. Mas torna o atendimento mais eficiente e interessante.
Notícias da Saúde Infantil — Na prática, como se deu o projeto que resultou na queda de 72% no tempo médio de permanência (TMP) após o uso do follow-up via telemedicina?
Thales de Oliveira — A primeira demanda foi a teleconsulta de urgência. Depois, passamos a monitorar os pacientes que saíram daqui com diagnóstico de Covid. Então, entendemos que dava para trazer o recurso para o pronto-socorro como um todo. Em média, um paciente que coletava exame de urina no hospital permanecia aqui por 157 minutos, o que é muito tempo dentro de um ambiente hospitalar. Entendemos que se o liberássemos, com a telemedicina agendada para informar o resultado do exame, reduziríamos o tempo que a família passava no hospital, melhorando a sua experiência e diminuindo a aglomeração no ambiente. Com a conclusão do atendimento via telemedicina, reduzimos o TMP para 44 minutos, desde a retirada da senha até a alta do paciente. Aquelas famílias que tinham receio de sair de casa para vir ao hospital acabaram perdendo o medo e vieram.
Notícias da Saúde Infantil — Qual foi a relação das famílias e dos pacientes com a novidade?
Thales de Oliveira — Havia um receio por parte das famílias. Era uma novidade para todo mundo e a própria equipe médica tinha dúvida de quão útil e fidedigno seria aquele atendimento. Com a experiência, todos entenderam que era resolutivo e que era possível concluir os atendimentos via telemedicina. As famílias começaram a perceber que ficariam menos tempo no pronto-socorro e concluiriam o atendimento em casa. Entenderam o propósito, assim como a sua segurança e utilidade. As crianças gostam da novidade, acham graça e querem dar oi para o médico ali do outro lado. Hoje, as famílias que passaram pela experiência já pedem para aguardar os resultados em casa e concluir o atendimento por meio da telemedicina.
Notícias da Saúde Infantil — Qual a grande lição trazida pelo uso da telemedicina durante o período da pandemia?
Thales de Oliveira — A de não ter medo do desconhecido. Tínhamos muito receio. Pensávamos: “a telemedicina já causa estranhamento no adulto, imagina na criança”. Precisamos da prática, do uso no dia a dia, para entender que o recurso consegue ser resolutivo em muitos quadros. É preciso testar, não ter medo da mudança e entrar de cabeça na nova tecnologia. O desenvolvimento da telemedicina foi muito rápido. Vamos ver como funciona, aonde queremos chegar e quão útil ela será. No início, monitoramos todos os atendimentos de perto, até entendermos que poderíamos caminhar por esse trajeto e ter sucesso. Então, acredito que não ter medo de abraçar o novo é a lição que adquiri nesse período.
Veja o pôster com os dados da pesquisa “Uso da telemedicina como instrumento de redução do tempo de permanência no pronto-socorro”
Por Rede Galápagos
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