
Novidades
Pesquisa Clínica em pediatria
548 —ENTREVISTA
Fátima Rodrigues Fernandes Diretora executiva do Instituto PENSI“É importante que a sociedade se conscientize cada vez mais da importância da pesquisa clínica”
Notícias da Saúde Infantil — Em geral, para as pessoas leigas, muitos aspectos da pesquisa clínica parecem ser assuntos técnicos e de difícil compreensão. O que é essencial que as pessoas não especialistas saibam? Fátima Rodrigues Fernandes — O termo “pesquisa clínica” é muito amplo e genérico. Apenas indica que você está fazendo uma pesquisa, uma investigação, utilizando seres humanos. É claro que, para chegar à pesquisa clínica, a gente parte da premissa de ter desenvolvido alguma técnica que você vai testar, que pode ser um medicamento, pode ser um teste para diagnóstico, pode ser um equipamento, pode ser um dispositivo ou um procedimento que vai implicar uma terapêutica. Com a UTI do Sabará Hospital Infantil, por exemplo, participamos de pesquisas tanto com novos medicamentos quanto com novos procedimentos. É importante também enfatizar que há todo um desenvolvimento pré-clínico, de pesquisa básica, que começa lá na bancada, no laboratório e em animais e antecede a pesquisa com humanos. Notícias da Saúde Infantil — Como funciona a pesquisa pré-clínica? Fátima Rodrigues Fernandes — Quando ouvimos falar que um instituto de pesquisa básica descobriu uma molécula “x”, ou a possibilidade de um procedimento que interfira na evolução desta ou daquela doença, esse processo antes de chegar ao ser humano é o que a gente chama de pesquisa pré-clínica. Se for da alçada de desenvolvimento de medicamentos, por exemplo, ele se situa dentro de um laboratório de pesquisa básica que vai estudar desde o funcionamento das células, a interação entre as células e os tecidos até o teste pré-clínico de uma molécula nova. Digamos que o objetivo é estudar um antibiótico para uma infecção por fungos, por exemplo. Eu começaria a exemplificar estudando como é a resposta de defesa de um organismo humano ou animal... Você vai, estuda as células, estuda o que a célula libera para matar o fungo, como isso se dá, qual é a sequência, que moléculas estão envolvidas e tal. E aí, vamos dizer que você tem uma molécula que quer testar, se interrompe essa sequência de agressão... São estudos de bancada, in vitro, no tubo de ensaio, no microscópio… Quando se expõe uma célula a esse fungo, como ela se defende? É importante saber que, de um modo geral, são feitos muitos experimentos antes de chegar ao ser humano. Boa parte dos estudos passa por um experimento animal, que também é considerado pesquisa pré-clínica. Notícias da Saúde Infantil — O que é necessário para iniciar uma pesquisa em humanos? Fátima Rodrigues Fernandes — Quando se trata de pesquisa clínica, qualquer que seja a fase, o estudo tem que ser extremamente detalhado e cuidadoso, tem-se que produzir um material com todo o conhecimento que existe sobre esse assunto. E desde o início o estudo tem que ser submetido a um comitê de ética em pesquisa em seres humanos. O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Fundação José Luiz Egydio Setúbal foi constituído e aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) em 2012 e tem como meta a avaliação dos aspectos éticos que permeiam as pesquisas em crianças e adolescentes. Sua formação passa por uma seleção criteriosa dos integrantes, que têm origens profissionais bem diversas. O comitê apresenta caráter multi- e transdisciplinar e presta serviço à comunidade analisando os projetos de pesquisa encaminhados por pesquisadores da instituição e também por profissionais de outras instituições que não possuem CEP próprio. O nosso CEP possui 15 membros e realiza reuniões mensais garantindo agilidade na análise e aprovação dos projetos. Incluindo os integrantes da coordenação e membros suplentes, o CEP tem, entre suas especialidades de atuação, pediatras (entre eles, intensivista, pneumologista, imunologista e nutrólogo), enfermeiras, psicopedagogo, cientista social, advogadas, incluindo duas mães, que representam os pacientes. A principal função do Comitê de Ética é avaliar o risco da pesquisa para o paciente. Com o conhecimento da fase 1 e da fase 2 — que muitas vezes acontecem em diferentes locais do mundo —, a gente chega à fase 3, que é quando aumenta o número de pessoas envolvidas naquela pesquisa. Daí é o último passo antes de se solicitar o registro na agência reguladora de cada país: no Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária); nos Estados Unidos, a FDA (Food and Drug Administration); na União Europeia, a EMA (European Medicines Agency). Notícias da Saúde Infantil — Antes de ser submetida ao Comitê de Ética, a proposta de pesquisa passa por algum filtro? Fátima Rodrigues Fernandes — Cada instituição tem um fluxo interno de aprovação da pesquisa. Desde laboratório farmacêutico até institutos de pesquisa do tipo Fiocruz, Butantan e os hospitais que fazem pesquisa também. No Instituto PENSI, a gente tem um comitê científico, que precede o Comitê de Ética. Esse comitê científico, aí sim, é um grupo de experts, de pessoas experientes em pesquisa, profissionais relacionados à saúde, é multiprofissional, mas que avalia a pertinência de fazer aquela pesquisa naquela instituição. Avalia-se a relevância da pesquisa proposta, evitando-se, por exemplo, desperdício de tempo e de energia quando o assunto já é bem determinado, sedimentado e estudado na literatura médica. Sempre fazemos um esforço para ter pesquisas que acrescentem novo conhecimento. Também há uma criteriosa avaliação da metodologia proposta. E para isso contamos com o apoio de uma metodologista científica, um estatístico e de toda a nossa equipe de pesquisa, que inclui profissionais de várias especialidades. Notícias da Saúde Infantil — Quantas pesquisas o PENSI realiza a cada ano? Fátima Rodrigues Fernandes — Nossa meta é sempre estar acima de 24 novas pesquisas por ano. É uma série histórica que a gente tem, de aprovar duas pesquisas por mês. E isso se refere apenas às pesquisas feitas na instituição, porque muitas vezes a gente avalia pesquisas de intercâmbio. Em 2020 e 2021 tivemos um número bem superior à nossa média histórica. Em decorrência da covid, surgiram muitas novas ideias de pesquisa. Mais importante do que a quantidade é a qualidade. Além disso, a complexidade da pesquisa é muito variável. Um estudo de um caso pode ser considerado uma pesquisa relevante! Foi assim que se chegou à constatação da existência de novas infecções virais pandêmicas, como a aids e a covid-19. Outras vezes é um estudo que envolve a análise de milhares de casos, como um levantamento realizado sobre a prevalência de casos de anafilaxia, reação alérgica grave, que foram atendidos no pronto-socorro do Sabará, motivo de tese de mestrado de uma aluna da Unifesp. Notícias da Saúde Infantil — No caso de estudos de comparação entre medicamentos já tradicionais e novas drogas, ainda há uma compreensão do público leigo de que um participante receberá um medicamento e o outro receberá apenas algum preparado inócuo. É correta essa ideia que as pessoas têm do uso do placebo? Fátima Rodrigues Fernandes — Quando o participante da pesquisa é definido como elegível, aí ele vai para o processo de inclusão. E é na inclusão que acontece o que a gente chama de “randomização”, ou seja, ele vai ser incluído em algum braço da pesquisa, que pode ser o medicamento novo, em teste, ou pode ser o comparador, que popularmente ficou conhecido como placebo. E a visão que muitas pessoas ainda têm de placebo é a de que se trata de um comprimidinho de farinha. É que por muito tempo o placebo foi usado dessa maneira. Mas hoje em dia isso é regulado pelas normativas, determinando que esse comparador seja o melhor produto, o melhor tratamento disponível até aquele momento na literatura científica. Vamos pegar o exemplo do antifúngico, que foi real. Tinha um antifúngico que estava sendo testado, mas a gente tem o outro antifúngico que é o remédio padronizado para todos os pacientes até aquele momento. Ninguém fica em um grupo sem tratamento. Notícias da Saúde Infantil — Quem participa da pesquisa não sabe se o paciente está usando um medicamento tradicional ou o medicamento em teste? Fátima Rodrigues Fernandes — Quando dividimos o grupo randomizado para o produto-teste e para o produto tradicional, isso geralmente é cegado. Tem vários tipos de cegamento. Tem o cegamento simples, em que só a família e o paciente no caso não sabem, para tirar aquele fator emocional, psicológico, de achar que melhora porque já está com algum remédio e tal. Aí a gente chama de simples cego. Tem o cegamento duplo cego, que é quando os profissionais da pesquisa também não sabem em qual grupo está o paciente. Esse é um tipo mais complexo, porque você tem que ter dois times de pesquisa, um que sabe e outro que não sabe, porque alguém tem que saber, para poder administrar a droga. Existem ainda os estudos abertos, onde todos sabem o que estão recebendo. O desenho do estudo depende de vários fatores metodológicos. Enfim, é importante saber que existem todos esses cuidados, métodos e práticas. Junto com isso — e para além disso —, é importante que a sociedade se conscientize cada vez mais da importância da pesquisa clínica e de tudo que ela tem tornado possível em termos de evitar mortes e melhorar a qualidade de vida de pacientes no mundo inteiro. E é com a soma do conhecimento originado pelas pesquisas clínicas que chegamos ao que hoje se chama “nível de evidência científica”, que é tanto mais alto e melhor quanto mais pesquisas de qualidade tenhamos sobre aquele tema. E isso permite tomarmos decisões mais assertivas, indicando as melhores condutas para cada situação. Por Rede Galápagos Leia mais: Mais qualidade, menos fila “É preciso não ter medo de abraçar o novo” Da casa de barro aos laboratórios do mundo Unidos pela ciência Criança não é adulto pequeno Sabará e PENSI produzem ciência sobre terapia intensiva A importância da pesquisa clínica em pediatria Instituto PENSI publica artigo científico na revista Pediatric Allergy and Immunology Para onde nos levarão as pesquisas médicas em pediatria? Pesquisa clínica: como um medicamento é desenvolvido? Vídeo com Gustavo Mendes, gerente-geral de medicamentos da Anvisa.[ Papo Expresso/Anvisa] Sobre o Centro de Pesquisa do Instituto PENSI Comitê de Ética — Instituto PENSI Cartilha dos Direitos dos Participantes de Pesquisa em PDF, produzida pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa — Conep Cartilha dos Direitos dos Participantes de Pesquisa em formato de audiolivro, produzida pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa — Conep 4º Prêmio de Pesquisa em Saúde Infantil do Instituto PENSI: INSCRIÇÕES ABERTAS! [ Cadastre-se AQUI para receber a newsletter do Instituto PENSI]