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O momento trouxe uma pausa reflexiva do filhote, especialmente com relação à vida
A dentista do Isaac é uma pessoa incrível.
Ao mesmo tempo, ela é brava e bem-humorada e conquistou meu filhote ainda bem novinho.
Cuidou, brincou e fez dele uma criança de dentes saudáveis e lindos.
Mas acontece que a Querida Dentista não é lá tão mocinha.
E esta semana nos comunicou que está se aposentando.
Eu tentei antecipar o assunto, explicar um pouco sobre o fator previdenciário (mentira da braba).
Ele entendeu o quanto quis e lá fomos nós.
Ela realizou a última consulta e, com lágrimas nos olhos, disse dos seus planos de descanso, paz e menos bocas abertas.
Chorei. De uma maneira um tanto disfarçada, confesso, ao ver Isaac abraçar a dentista e se segurar, firme, na despedida.
No caminho do carro, ele soltou um suspiro, derrubou os ombros e começou a chorar.
Sentido, tadinho.
Questionava o tempo, a mãe, a dentista e essa loucura de vida.
Deixei que ele colocasse pra fora.
Assisti mais um aprendizado.
E logo ele começou com suas perguntas.
– Mamãe, porque a Tia Dentista não quer mais ser a minha dentista?
– Ela quer filho, mas ela vai parar de trabalhar. Não será mais a dentista de ninguém.
– Nunca mais?
– Acho que sim, filho.
– Por quê?
– Isso se chama aposentadoria Isaac.
– Por quê?
– Aposentadoria é quando as pessoas já trabalharam muito e agora merecem um descanso.
– Ela fica cansada de ser minha dentista?
– A Tia Dentista ficou cansada, pois já trabalhou muuuuuitos anos, sendo dentista de muuuuuuitas crianças. E sua também.
Ele ouviu tudo atentamente até a tolinha aqui cair numa armadilha sem volta:
– E ela está velhinha, precisa ter uma vida mais tranquila.
Olhos arregalados mode on.
– Então, mamãe (bico de choro e medo), a Tia Dentista Querida vai morrer?
– Não filho. Não vai morrer.
– Mas você disse que todo mundo morre. E morre quando fica velhinho.
Respira, respira, respira.
– Sim filho. É bem isso. Mas a Dentista não vai morrer agora. Ela só parou de trabalhar.
Isaac entrou no carro em silêncio.
E quieto ficou pensando na vida. Ou no fim dela.
Por um bom tempo ficou triste.
Eu fiquei na minha. Dando espaço praquilo tudo.
De noite, ele tocou no assunto novamente:
– Quando você ficar velhinha e morrer eu vou ficar sem mamãe…
E ao ouvir a própria voz percebeu ali outra coisa:
– E quando EU ficar velhinho, um dia EU não vou existir mais.
Eu, tão pequena diante dessa verdade toda, só contribuí com o meu otimismo característico:
– É filho, mas isso vai demorar muito. Muito, muito, muito mesmo.
Amém, né?