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Eis aqui uma receita no contrafluxo do nosso tempo
Estamos na era do “mais é mais”. Tudo que é maior, mais complexo e mais caro é melhor; se tiver em maior quantidade e for de mais longe então, nem se fala. Mais do que um mote, eu encaro como um lema, uma atitude moderna, uma noção que começa a ser passada aos nossos filhos cada vez mais cedo.
Começa no ventre, com a viagem para Miami para comprar coisas de bebê, porque com o mesmo dinheiro a gente compra mais e de melhor qualidade. Depois vêm as festas de um ano, que hoje chegam a custar mais de R$30.000,00 (saiu até em jornais e revistas), e assim progressivamente, até as festas de 15 anos, que atualmente têm 5 vezes o tamanho do meu casamento – sem brincadeira. Por falar em casamento, hoje em dia não é raro passar mais tempo planejando a festa do que o que se fica casado. Até as pessoas nós substituímos facilmente pelo que consideramos mais.
No que tange a culinária, também não é diferente. A gastronomia molecular, que foi tecnicamente “criada” em 1992, demorou até que bastante tempo pra entrar na moda por aqui, e hoje tem gente cozinhando sous-vide até em casa. Aposto que já fazem caviar de brigadeiro em algum lugar – era só o que faltava, porque até em tubo de pasta de dente já colocaram o pobre docinho.
Se eu acho tudo isso ruim? Claro que não. Saber como funcionam as reações para manipular de forma inusitada o alimento é fascinante, e as ferramentas criadas para executar essas interferências são incríveis.
De verdade, a única coisa que me pega nisso tudo é constatar que hoje em dia é comum alguém saber de várias dessas técnicas avançadas de cozinha, mas no dia que o chantilly passou do ponto, joga todo o creme talhado fora, sem saber que aquilo ali poderia virar manteiga. Cozinha básica, do tempo das nossas avós e bisavós.
O problema da filosofia do “mais é mais” é que eu não a acho agregadora. Se alguma coisa é simples, muita gente não dá valor. Se não é importada, é ruim. Se não é cara, não é de boa qualidade. E por aí vai.
Cadê os presentes feitos à mão? As festinhas de criança decoradas pelas mães, tias, madrinhas e avós? Cadê a valorização do que é cultivado localmente? Nacionalmente! Por que não exigir frutas nordestinas frescas nos supermercados e exigir framboesa importada? Pra que ter um bilhão de livros de receita de bolos fenomenais e cupcakes decorados, se mal fazemos um bolo simples em casa que não seja de caixinha?
Num apelo pelo “às vezes, menos é mais”, hoje eu vou de bolo simples.
Bolo de Laranja (da minha amada avó Heloisa)
Levemente adaptado para seu melhor entendimento.
Ingredientes:
– 4 ovos, separados
– 1 ¼ xícara de açúcar
– 2 xícaras de suco de laranja espremido na hora
– Raspas de 3 laranjas (opcional)
– 2 xícaras de farinha de trigo
– 1 colher (sopa) de fermento em pó
Modo de preparo:
Pré-aqueça o forno a 180o C e unte uma forma com furo no centro.
Separe metade do suco de laranja e guarde o restante para mais tarde. Peneire a farinha com o fermento em uma vasilha e reserve.
Separe os ovos. Bata as gemas com o açúcar. Em uma vasilha separada, bata as claras em neve até que esteja bem firme, mas ainda com brilho. Em seguida, misture delicadamente às gemas. Junte uma das partes do suco e a farinha. Misture bem até que esteja tudo homogêneo.
Coloque a massa na forma untada e asse por 30 a 35 minutos ou até que, ao inserir uma faca no centro do bolo, ela saia limpa. Cuidado para não assar demais: como tem pouquíssima gordura (só da gema), esse bolo resseca facilmente.
Com o bolo ainda quente, faça furos com um garfo e despeje, aos poucos, o restante do suco de laranja. Espere esfriar e desenforme.
Esse bolo é melhor no dia em que é feito, mas, se conservado em recipiente hermético, deve durar uns 2 ou 3 dias antes de ressecar demais.
mensagem enviada
Amei ! Menos é muito mais mesmo … (quanto “m”) …rs
Beijos
Que bom, Denise! Fico feliz que não sou a única que pensa assim 🙂
O bolo de laranja da minha vida era feito por uma bela negra que tinha muitos cabelos brancos. Quando saía da casa da patroa, às vezes, passava na casa do meu pai onde era uma visita; como uma forma de carinho, apoiava a barriga na pia e batia um bolo para todos. Tudo era mágico. Mágicas eram as mãos carinhosas dessa nobre senhora. Ela já foi para o céu, e, magicamente, vive um pouco em mim…
amei a receita da sua vo e sua forma de falar tao gentil e amorosa, amo o simples e o descomplicado muito obrigada por compartilhar bjos
Olá Ronilda. Muito obrigado pelo carinho! =)
Filha, querida!
Sua homenagem é de encher os olhos… e a boca d’água…
Mas devo dizer que esta receita (e a caligrafia da foto) é da sua bisavó Alice (a Oliveira)… Você sabe, esses cadernos passavam de mãe pra filha, pra neta, pra bisneta…
Beijo!
Parabéns pela belíssima atitude: colocar receitas antigas, aqui, para nosso deleite!… Concordo, plenamente com o que você disse no seu artigo; comentei, outro dia com meu marido e meus filhos: as festa, ultimamente têm muita ostentação e poucos (ou de qualidade baixa) salgadinhos e docinhos; e os bolos, então: muitos com gosto de plástico!… Sou apaixonada por receitas antigas (aliás, por fotos, roupas, móveis etc, mas só paixão, mesmo, porque não tenho dinheiro para ser colecionadora!). Como amo fazer bolos, vou, amanhã mesmo, fazer este Bolo de Laranja. Depois conto pra você(s) como ficou! Continue postando coisas gostosas! SUCESSO! Abraço.