Instituto PENSI – Estudos Clínicos em Pediatria e Saúde Infantil

O nascimento de pais especiais

Recentemente pensava sobre quantas histórias já vivi e conheci, tanto como mãe de um jovem com autismo como atuando como Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo e de que maneira tudo isso poderia contribuir para a disseminação do conhecimento e experiências para outras famílias. Até que, repentinamente, fui contemplada com o honroso convite de escrever para o site Autismo e Realidade.

Começo este novo e interessante trabalho da mesma maneira que iniciei a minha jornada no mundo do autismo: quando me tornei mãe.

Todos os que esperam um filho imaginam como ele será, com quem se parecerá, será torcedor do time de futebol do pai ou terá os mesmos gostos da mãe, enfim, tudo é planejado no íntimo de nossas expectativas.

O filho ou filha nascem, começam a crescer, mas mostram comportamentos diferentes de outras crianças: não falam nada, parecem não ouvir, choram muito, não atendem quando são chamados, por vezes parecem distantes, têm sono difícil, brincam de maneira peculiar, não brincam com outras crianças (lembrando que esses são comportamentos apenas exemplificativos). Sem saber o que fazer, mas já tendo lido de tudo no Dr. Google, os pais procuram um neuropediatra que joga uma bomba: “seu filho está no espectro do autismo!”. De repente, a segunda bomba: “mas ele pode sair dele!”.

Explico porque chamo de segunda bomba. Com essa perspectiva, os pais movem mundos e fundos, além de se culparem o tempo todo, atrás de todo tipo de terapia possível e imaginável para “tirar o filho do espectro”.

Bem, daí nascem os pais especiais.

São os pais guerreiros e incansáveis que saem atrás dos direitos e dos melhores tratamentos para seus filhos.

O diagnóstico precoce e o estímulo à pesquisa para dimensionar as características e a abrangência do espectro são diretrizes contempladas pela Lei 12.764 de 27 de dezembro de 2012, chamada de Lei de Proteção aos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (nomenclatura imprópria pois não é o espectro que é autista, o espectro é um conjunto de comportamentos ou características e dentre eles o Autismo).

O artigo 2º da Lei 12.764 de 2012 prevê diretrizes que devem nortear a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA. Ou seja, há vários eixos previstos na Lei que devem ser observados quando se fala em Política Pública de atendimento a essa população. Dentre elas, as pesquisas para a identificação precoce e o correto diagnóstico devem ser financiadas pelo Poder Público como medida de saúde pública.

No artigo 3º da mesma lei, vislumbramos como direito subjetivo da pessoa com TEA (dentre outros): o diagnóstico precoce e o atendimento multiprofissional. São direitos que podem ser cobrados dos próprios sistemas de saúde.

Aquelas consultas mensais nas quais o pediatra se contenta em fazer perguntas simples aos pais inexperientes, tais como se a criança olha nos olhos ou se sorri, é uma maneira muito ultrapassada de se suspeitar da ocorrência de autismo.

Isso significa que todos os médicos, principalmente os pediatras, deveriam conhecer o transtorno e identificá-lo logo nos primeiros anos de vida da criança.

Quanto mais cedo começarem as intervenções e os pais e familiares se apropriarem da maneira como cuidar da criança com autismo, menos investimentos em saúde terão no futuro. Inclusive na própria saúde dos pais especiais.

Sim, porque os pais especiais são, por vezes, tratados como “culpados” pela não aplicação deste ou daquele tratamento julgado “salvador”, bem como supõe-se que são feitos de ferro para suportarem sozinhos tudo o que se impõe hoje como necessário para “socializar” o seu filho.

Por tudo isso e pelo infinito amor pelos seus filhos foi que, movimentando o mundo, muito do que se conquistou até hoje deve-se à garra e à perseverança dos “pais especiais”.

Um abraço!

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