Saúde mental, alimentação e mobilização médica são algumas das faces menos visíveis da emergência climática sobre a infância no Brasil. “Ainda faltam dados, mas já sabemos que essa angústia ambiental agrava a saúde mental global”, diz a psiquiatra Camila Magalhães Silveira. Foto: Rudah Poran/Galápagos
Em meio à multiplicação de alertas extremos, desastres naturais e instabilidades ambientais cada vez mais frequentes, uma dimensão ainda pouco compreendida da emergência climática começa a emergir com força: o impacto silencioso, mas profundo, sobre a saúde mental e emocional de crianças e adolescentes. Ao lado disso, a insegurança alimentar agrava-se em territórios vulneráveis, comprometendo o direito à nutrição adequada. O que essas duas crises têm em comum? Ambas colocam em risco o futuro de toda uma geração e exigem respostas urgentes que articulem ciência, políticas públicas e cuidado ampliado.
Durante o Congresso Sabará-PENSI, a psiquiatra Camila Magalhães Silveira alertou que a ecoansiedade já se manifesta de maneira preocupante entre crianças e adolescentes brasileiros. “Ainda faltam dados, mas já sabemos que essa angústia ambiental agrava a saúde mental global”, afirmou. “Cada país precisa desenvolver suas próprias métricas e compreender o funcionamento emocional das crianças em seu contexto. Não adianta colocar a expectativa somente no nível governamental. Precisamos atuar na escola, na família, na comunidade.”
A pesquisadora Maria Paula Albuquerque do grupo Nutrição e pobreza do IEA-USP: “Segurança alimentar é um conceito amplo: envolve disponibilidade, acesso, uso, estabilidade, adequação e governança E tudo isso está sendo afetado pelas mudanças climáticas” Foto: Rudah Poran/Galápagos
Segundo a especialista, os efeitos da crise ambiental sobre a saúde emocional das crianças podem se manifestar como insônia, irritabilidade, dificuldades de concentração, alterações alimentares ou retraimento. “É essencial reconhecer a multifatorialidade do sofrimento para que possamos agir em todas as frentes”, disse.
Paralelamente, a insegurança alimentar segue como ameaça concreta à saúde física e mental de milhões de crianças no país. Eventos climáticos extremos — como a seca prolongada na Amazônia ou as enchentes em áreas urbanas periféricas — afetam diretamente a produção, a distribuição e o preço de alimentos. A cadeia de impactos chega às casas: faltam frutas, hortaliças, proteínas. Cresce o consumo de produtos ultraprocessados.
A pesquisadora Maria Paula Albuquerque destacou que é preciso retomar com clareza o conceito de segurança alimentar e diferenciá-lo de termos como fome ou desnutrição. “Segurança alimentar é um conceito amplo: envolve disponibilidade, acesso, uso, estabilidade, adequação e governança. E tudo isso está sendo afetado pelas mudanças climáticas.” Em sua fala, ela enfatizou que o impacto do colapso ambiental nos sistemas alimentares atinge, antes de tudo, as infâncias — sobretudo nos territórios mais pobres e desassistidos.
Diante desse cenário, cresce a mobilização de profissionais da saúde. A rede Médicos por um Clima Saudável foi criada justamente com esse objetivo: formar, informar e engajar médicas e médicos no enfrentamento da emergência climática e da poluição do ar. Em parceria com o Instituto Alana, o coletivo tem produzido cartilhas e realizado oficinas, participado de audiências públicas e produzido materiais voltados à proteção da saúde infantil.
O engajamento profissional não se limita à clínica. Implica pressionar por políticas públicas, apoiar legislações protetivas, contribuir com evidências e comunicar os riscos com clareza. Como disse um dos porta-vozes da iniciativa durante o congresso: “O médico é, por excelência, um defensor da vida. E hoje isso significa ser um defensor do clima”.
Proteger a saúde mental e alimentar das crianças diante da emergência climática é tarefa coletiva. E, como reforçaram os especialistas, requer mais do que boa vontade: exige escuta ativa, redes de apoio, compromisso intergeracional — e coragem para enfrentar as causas estruturais da crise.
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