Instituto PENSI – Estudos Clínicos em Pediatria e Saúde Infantil

[ENTREVISTA] Bons ventos – Gustavo Falbo Wandalsen

Confira abaixo a entrevista exclusiva do assessor científico do Instituto PENSI e professor adjunto da Unifesp, Dr. Gustavo Falbo Wandalsen, para o livro: “O SABER PARA A SAÚDE INFANTIL – OS PRIMEIROS DEZ ANOS DO INSTITUTO PENSI”

 

A família Falbo Wandalsen é um desses casos típicos em que os filhos seguem a mesma profissão do pai ou da mãe. O mais curioso de tudo é que aqui a coisa se deu em pares: Gustavo formou-se médico pediatra e alergista, exatamente como sua mãe, Neusa. Dividiram um consultório por mais de dez anos. Já o irmão dele foi trabalhar no mercado financeiro — como o pai, que é economista.

“Até o ano passado minha mãe era professora na Faculdade de Medicina do ABC. Sempre convivi com o seu trabalho, lembro do mestrado e do doutorado dela, fomos a muitos congressos juntos, demos muitas aulas em eventos. Era uma coisa gostosa”, ele diz. Inclusive no PENSI, durante o VII Encontro Multidisciplinar sobre Doenças das Vias Aéreas, em 2015. Ele falou sobre os desafios diagnósticos do lactente sibilante (bebês com um chiado no peito que em alguns casos pode evoluir para a asma), e Neusa abordou as diferentes formas de tratamento da asma.

Aos poucos Gustavo Falbo Wandalsen foi deixando de atender pacientes e se dedicando mais ao ensino e à pesquisa. Publica muito: artigos de assuntos que vão da rinite alérgica à anemia falciforme. Hoje é professor adjunto do Departamento de Pediatria na Unifesp na área de alergia, imunologia clínica e reumatologia, onde também coordena a pós-graduação em pediatria. E também é assessor científico do PENSI. O instituto trouxe bons ventos a ele: a possibilidade de fazer muito mais pesquisas do que na universidade pública. “Temos muito material para estudar.”

Gustavo gosta de trabalhar com crianças. “É alegre e prazeroso.” Então, reserva um dia por semana para atender, como alergista, crianças e também adultos numa unidade do SUS de Santana do Parnaíba, cidade junto de São Paulo.

 

O que mais mobiliza você no PENSI? A possibilidade de trabalhar com um grande banco de dados?

Gustavo Falbo Wandalsen — Eu gosto de pesquisa, de pensar, de extrair informações. Talvez na minha atuação o que mais me instiga seja descobrir coisas novas, principalmente dados nossos, do Brasil; esse é o meu maior estímulo. O resto vem por consequência. Muitas vezes a gente acaba assumindo coisas que são estudadas nos Estados Unidos ou na Europa, mas nem sempre são válidas para o Brasil. São outras etnias e características ambientais, é outra condição socioeconômica. Tudo isso é diferente nos dados internacionais e as doenças são diferentes. Por exemplo, a bronquiolite não é comum nos Estados Unidos e na Europa como é no Brasil. E o Sabará é uma grande fonte de dados.

A bronquiolite é uma doença mais frequente entre as crianças mais pobres, mais vulneráveis? E a asma, tem a ver também com o contrário, crianças superprotegidas que desenvolvem reações alérgicas?

Gustavo Falbo Wandalsen — Não é bem assim. Vários vírus causam bronquiolite. É um resfriado que a maioria das crianças até dois anos têm. Uma parte evolui para uma situação mais grave, internação; tem criança que vai para a UTI. É a principal causa de internação do hospital e tem sazonalidade: acomete muito mais a partir de março e abril, nos meses de outono, e também no inverno. É um problema de saúde pública, tem a ver com a poluição e até pode ficar mais grave entre os mais pobres, mas tem muito mais a ver com a idade da criança. A asma pode começar com uma bronquiolite, quando o peito está chiando. E muitas crianças pobres têm asma; é outra doença que lota os PS. A asma é a doença mais comum dos Estados Unidos e lá se faz muita pesquisa. O Brasil é o oitavo país do mundo em casos de asma, principalmente no Sul e na Bahia. Agora, nas nossas pesquisas a gente conseguiu achar indicadores socioeconômicos em relação direta com os casos de covid-19. Isso ficou bem claro: quanto pior o nível socioeconômico da família, mais graves as manifestações da doença.

Como você vê a sua atuação em um instituto que tem um hospital privado?

Gustavo Falbo Wandalsen — Pensando em pesquisa no Brasil, cada vez mais a gente precisa de organizações que não dependem de verbas governamentais. O PENSI tem uma série de possibilidades que a gente pena bastante na universidade pública para conseguir. Venho de uma universidade federal e estamos num momento de corte de verbas; a situação está complicada para as áreas de saúde, ensino, ciência e tecnologia. E o Sabará é um hospital de excelência com os registros de absolutamente tudo o que se faz ali. Quando você vai utilizar esses dados para a pesquisa, facilita demais. Por outro lado, o hospital tem uma função principal na assistência. A função de ensino e pesquisa é mais nova. O grande desafio é essa coexistência. Na universidade isso já é mais consolidado. Aqui no PENSI eu tento estimular as pesquisas, aproveitar que o carro-chefe do Sabará são as doenças respiratórias, pois temos muito material para estudar.

E a importância de orientar residentes?

Gustavo Falbo Wandalsen — Orientar residentes nem sempre é algo tão fácil de fazer, mas eu gosto. Os residentes de pediatria do Sabará têm de fazer um trabalho de conclusão de curso que é uma pesquisa. Isso é uma chance tanto de o hospital coletar seus dados e gerar resultados quanto de os residentes terem contato com a formação científica. Eles aprendem a formular hipóteses, desenvolver projetos, colher e analisar dados e escrever um trabalho. E nessa orientação surgem estudos importantes, assim como a parceria com a universidade é importante. Duas pesquisas publicadas do PENSI foram feitas por alunas que orientei na pós-graduação da Unifesp: a da Fabiana, sobre anafilaxia, e a da Anna Clara, sobre covid-19. O levantamento sobre covid-19 foi feito pela Anna Clara e está sendo complementado por duas residentes do Sabará que estão fazendo seu TCC. Um levantamento de 2 mil casos de covid-19, de 0 a 18 anos.

Gostaria que você comentasse sobre a influência das pesquisas nas políticas públicas, uma das bandeiras do PENSI.

Gustavo Falbo Wandalsen — É muito importante a aplicação prática das pesquisas que impactam a sociedade e talvez ajudem a sensibilizar gestores públicos. Por exemplo, estamos fazendo um estudo de asma para avaliar os efeitos tardios do uso excessivo de cortisona, o que pode acontecer na fase adulta das crianças que se medicaram muitas vezes com corticoides. Sabemos que pode causar osteoporose, glaucoma, catarata, aumento do colesterol. E cortisona se compra livremente no Brasil, as famílias se automedicam, os médicos prescrevem muito. Nesse estudo estamos mais ou menos em linha com iniciativas da Sociedade Brasileira de Pediatria para regulamentar de forma mais rígida a prescrição e a venda da cortisona. Outro caso é a nossa pesquisa da anafilaxia. Quem tem anafilaxia deve ter um dispositivo, uma caneta autoinjetora de adrenalina. Ele não existe no Brasil, tem de ser importado, e um dos passos para a gente sensibilizar a sociedade é mostrar que a doença existe, causa repercussão na saúde etc. Todas as doenças têm em comum necessidades de melhoria na legislação e no acesso a medicações. As pesquisas servem para mostrar isso.

O PENSI sempre promove encontros multidisciplinares sobre doenças das vias aéreas. Qual a importância desse olhar múltiplo?

Gustavo Falbo Wandalsen — Essa é uma das características do PENSI. Nutricionistas, fisioterapeutas, a área de autismo, tudo tem uma pegada multidisciplinar, e isso se alinha a um pensamento mais de vanguarda no tratamento das doenças. Uma abordagem do impacto não apenas médico, mas também de questões sociais, familiares, de vários segmentos da saúde. Nas doenças respiratórias, quanto mais integrado for o atendimento, melhor ele é. Nos encontros trazemos pessoas de áreas diferentes, como otorrinolaringologistas, pediatras, alergistas, acabamos contemplando todas as áreas que têm em comum as doenças respiratórias. Vêm pessoas de diversos lugares, de outros países, com muitas informações. A gente já trouxe, para o congresso do Sabará, professores da Espanha (o professor de pediatria Luis Garcia-Marcos, da Universidade de Murcia), dos Estados Unidos (dr. Melvin Berger, professor de pediatria, patologia e alergia-imunologia de Cleveland). E gente da USP, da Unifesp e da UFPR (Paraná).

Você também seguiu uma carreira passando por várias especialidades. Começou na pediatria, hoje atende adultos como alergista.

Gustavo Falbo Wandalsen — Sem dúvida, o fato de minha mãe ser pediatra e alergista me estimulou, mas eu gostava de muitas coisas e principalmente de crianças. Sempre gostei de trabalhar com criança; é mais prazeroso, mais leve, eu me identifiquei mais com a pediatria. Gostava também de muita coisa, de hematologia, pneumologia, UTI infantil, fiquei variando de opções de especialidades por muito tempo. Mas o que eu mais gostava eram as doenças respiratórias, por isso fui fazer alergia, e um dos caminhos para estudar alergia é pela pediatria ou pela clínica médica. Você se forma alergista, mas é um curso geral, para crianças e adultos, mesmo que tenha entrado na especialidade dentro do Departamento de Pediatria. Sou formado e fiz residência em pediatria pela Unicamp. Fiquei oito anos lá. E depois, de 2000 a 2001, fiquei um ano e meio no Chile fazendo uma residência em pneumologia pediátrica na Universidade de Santiago do Chile. Santiago é uma cidade muito bonita e também muito poluída, com um número muito grande de doenças respiratórias. Nessa época eu já trabalhava no consultório com a minha mãe, em Santo André. Fiquei lá por uns 13 anos. Aí, quando entrei no PENSI, não tinha tempo disponível para trabalhar tão longe, no ABC, e o trabalho de consultório tem uma característica: ou você tem muita disponibilidade ou não funciona; não existe meio-termo. Hoje atendo só uma vez por semana como alergista num serviço do SUS em Santana do Parnaíba.

Como você imagina o futuro do PENSI nos próximos dez anos?

Gustavo Falbo Wandalsen — Acho que o PENSI tem um caminho muito promissor pela frente. Se não acontecer nenhuma mudança brusca, se continuar assim, só vai se solidificando como um importante instituto formador de pesquisa, de ensino. O congresso que o PENSI organiza é um evento que ganha corpo a cada ano, vai tendo novas edições. Esse tipo de instituição como o PENSI, que não depende de verbas governamentais para fomentar pesquisa e ensino, tende a crescer em importância nos próximos anos. Nos países europeus e americanos, as organizações da sociedade também assumem esse papel.

E o PENSI é um exemplo muito legal, com objetivo definido na saúde infantil, estrutura muito organizada, que tem um patrono como o dr. Zé Luiz; isso vai ganhar cada vez mais importância. E é muito bom que isso aconteça; são poucos os institutos com essa missão. Muito necessário no Brasil, que, além de no momento a verba para financiamento de pesquisa ter caído muito, também não tem muitas fontes de financiamento, só CNPq. São Paulo ainda tem a Fapesp, mas o resto do Brasil precisa de mais organizações que invistam em ensino e pesquisa.

E como você imagina o futuro da área de doenças respiratórias e alergias daqui a dez anos?

Gustavo Falbo Wandalsen — Aí tem muitos aspectos para a gente pensar. A pandemia mudou muitos comportamentos, trouxe bastante atenção para as infecções respiratórias. A gente via essas doenças de forma diferente, ia trabalhar gripado, nunca imaginava usar máscara. O uso de máscara veio para ficar. Mudou a educação das pessoas para não espalhar os vírus. Antes, também, fazer pesquisa de vírus parecia coisa de outro mundo, e hoje há uma atenção maior para as questões respiratórias; a gente não sabe o que vai vir no lugar do coronavírus. Só tendem a crescer as pesquisas de novas vacinas, novos vírus, bem como para entender as repercussões do que a gente teve. As sequelas da covid-19, por exemplo, como serão a longo prazo? As pessoas que ainda sofrem com os efeitos terão limitação respiratória crônica? Um assunto bem complexo e desconhecido. Os medicamentos também mudaram, existem novas categorias, e vão mudar ainda mais. Hoje há um grande número de imunobiológicos, medicamentos específicos contra alvos bem pontuais; temos diversos medicamentos desse tipo para asma, para dermatite atópica. Olhando historicamente, nos últimos 20 anos houve um aumento muito grande de alergias respiratórias e principalmente a alimentos.

Aumentaram as alergias ou hoje são mais diagnosticadas?

Gustavo Falbo Wandalsen — Estamos comendo muitos alimentos industrializados e com muitos aditivos, nos afastando da vida ao ar livre, tomando do menos sol; há mudanças no estilo de vida de um modo geral. Isso muda muito a saúde: mudam-se as doenças psiquiátricas, aumentam os casos de câncer; nas doenças respiratórias e nas alergias isso se reflete também. Já estamos vivendo mudanças mais pontuais: o trabalho e home office, a gente aprendeu a usar coisas que não sabíamos e estamos comendo coisas que não comíamos. Aumentaram os diagnósticos, mas o número de alergias também. Por exemplo: alergia a castanhas, a gente quase não via isso no Brasil uns anos atrás. Agora as pessoas comem muito mais castanhas do que antes. Tem algumas doenças que cresceram em número, como a esofagite eosinofílica, que não existia 20 anos atrás. É uma inflamação do esôfago que causa refluxos e muita dificuldade de engolir, uma doença crônica que fica meio entre a gastroenterologia e a alergia. Quando eu fazia a especialização em alergia, em 1998-99, a gente quase não via alergia alimentar, nem casos graves de dermatite atópica, uma alergia de pele, por exemplo. Por alguma razão ela piorou, não era tão comum. Hoje muita gente tem quadros graves. Podemos especular: mudanças epigenéticas, estilo de vida, estresse, hábitos alimentares.

E a gente vai ter de mudar nosso estilo de vida também.

Gustavo Falbo Wandalsen — Espero que a gente mude, senão não vai dar certo.

 

Por Rede Galápagos

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