Confira abaixo a entrevista exclusiva do pediatra e fundador do Instituto PENSI, Dr. José Luiz Egydio Setúbal, para o livro: “O SABER PARA A SAÚDE INFANTIL – OS PRIMEIROS DEZ ANOS DO INSTITUTO PENSI”
Quem conhece o pediatra José Luiz Setúbal sabe que ele acredita verdadeiramente que investir numa infância e numa juventude saudáveis é a forma de criar adultos saudáveis e melhores, tornando a sociedade mais justa e gerando, assim, um ciclo virtuoso e um país melhor no longo prazo. Não se trata de achismo ou intuição. Ele compartilha dos estudos e pensamentos do prêmio Nobel de Economia (2000) James Heckman, que criou métodos científicos para avaliar a eficácia de programas sociais sobre a primeira infância. A conclusão, de maneira resumida, é de que de cada dólar investido nessa fase da vida retornam até oito dólares para a sociedade. “Não existe programa social mais rentável do que esse”, diz José Luiz.
Há cerca de 20 anos, José Luiz transformou a crença em realizações: comprou o Sabará Hospital Infantil, instituiu a fundação que leva o seu nome e criou o PENSI, instituto do qual tem especial orgulho. “O que eu mais gosto do PENSI é a sua trajetória consistente de crescimento em todas as áreas de atuação”, afirma. Com experiência em gestão de saúde, em saúde e em pediatria, passou a se dedicar também ao terceiro setor, atuando em várias instituições importantes, sempre com o foco na criança.
Nos primeiros dez anos do PENSI muita coisa foi estruturada e construída nas áreas de ensino, educação e pesquisa. A segunda década promete ser de novas conquistas e consolidação. A construção do novo hospital Sabará e a atuação no advocacy têm foco nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. “Vejo a fundação e o PENSI como meus legados, não só das realizações que consegui durante a minha vida com as pessoas que estavam ao meu lado, mas também com os valores e toda a formação que recebi dos meus pais e avós.”
A ideia de criar o PENSI nasceu de sua visão sobre a necessidade de produzir e disseminar conhecimento sobre saúde infantil. Como essa ideia surgiu?
José Luiz Setúbal — Desde a criação da fundação, em 2010, o objetivo era que o impacto social se desse pela educação e pela pesquisa. A ideia de separar o centro de ensino e pesquisa do Sabará e criar o PENSI surgiu pela necessidade de ter uma oscip (organização da sociedade civil de interesse público). Só com essa qualificação é que poderíamos nos credenciar a projetos de incentivos fiscais como Pronon (Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica), PRONAS/CPD (Programa Nacional de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência), Fumcad (Fundo Municipal da Criança e do Adolescente), entre outros. Vejo a fundação e o PENSI como legados, não só de realizações que consegui durante a vida com as pessoas que estavam ao meu lado, mas também com os valores e toda a formação que recebi dos meus pais e avós.
Quais são as principais realizações nesses dez anos?
José Luiz Setúbal — O PENSI é motivo de muito orgulho. Difícil pinçar um fato ou um projeto. Acho que o que eu mais gosto do PENSI é a sua trajetória consistente de crescimento em todas as áreas de atuação. Na área de ensino, por exemplo, gosto muito do projeto de receber os acadêmicos de medicina. O mais importante, entretanto, é o programa de residência médica, que vai crescer em 2023. Na educação continuada, acho muito importantes os simpósios e congressos, mas o que me deixou orgulhoso foram os webinários realizados durante a pandemia. A equipe mostrou capacidade de se adaptar rapidamente a uma nova situação, apresentou webinários com pessoas super-relevantes, com temas muito interessantes, levando informações diferentes do que havia, pois mostrava o olhar pela lógica da pediatria, pouco importante na doença. Na pesquisa tenho muito orgulho dos reconhecimentos pelo Adolfo Lutz e pela FAPESP, e muito orgulho de nossos pesquisadores.
Quais desafios para a saúde infantil no Brasil podem ser superados nos próximos 10 ou 20 anos?
José Luiz Setúbal — Acredito que o mais fácil de alcançar em pouco tempo seja a recuperação das taxas vacinais que tínhamos em 2015. Mas o que me preocupa mais é a fome ou a insegurança alimentar, sobretudo na primeira infância, pelos danos permanentes que elas causam no sistema nervoso do indivíduo. Outra preocupação são as violências contra crianças e a apatia com a qual a sociedade as tem enfrentado. São milhares de estupros, mortes e maus-tratos sem que se tomem medidas efetivas.
Como o instituto pode atuar de forma relevante diante desses desafios?
José Luiz Setúbal — Na governança da FJLES, o PENSI entraria com o papel de geração e difusão de conhecimento para embasar o advocacy da fundação. Então seria produzido material sobre a importância de vacinar as crianças, fazer cursos e orientar pais e profissionais de saúde. Nos outros itens, o PENSI tem o CENDA, que atua com nutrição e pode dar contribuição nessa área de insegurança alimentar. Já em relação ao tema de violência, foge um pouco das temáticas prioritárias do PENSI, ficando mais com a FJLES. Mas, no final das contas, somos todos a mesma instituição e trabalhamos muito próximos na geração, difusão e advocacy de todos os temas.
Como a pesquisa pode influenciar e resultar em políticas públicas?
José Luiz Setúbal — As pesquisas são essenciais para dar bases científicas às propostas de políticas públicas. Sejam elas pesquisas nas áreas de saúde ou nas outras áreas humanas, como economia, sociologia, antropologia etc. Com dados científicos é possível tomar decisões mais assertivas e não desperdiçar dinheiro.
Quais os benefícios para pacientes/sociedade da relação entre o PENSI e o Sabará Hospital Infantil?
José Luiz Setúbal — O Sabará é um hospital de ponta em nível global, não ficando atrás dos melhores centros médicos pediátricos do mundo. Nossos indicadores mostram isso. Com o novo hospital a ser inaugurado no final de 2025 ou início de 2026, passaremos a ter dois hospitais, sendo um deles equipado ainda mais sofisticadamente, com o que haverá de mais moderno para atendimento de crianças e adolescentes. Isso acaba ajudando o PENSI, que, além de ter acesso a todo esse equipamento, tem acesso a casos muito raros, que acabam favorecendo pesquisas multicêntricas internacionais, a ser atraente como campo de estágio, de residência, entre outras coisas. Ou seja, atrair profissionais altamente qualificados. Além disso, com o aumento de leitos, certamente poderemos aumentar nossa residência para outras especialidades pediátricas e também abrir para estágios e pós-graduações em especialidades. Teremos mais chances de sermos escolhidos para trials internacionais multicêntricos.
O PENSI criou um novo ambulatório para atender ao SUS, um projeto muito relevante para São Paulo, uma vez que promete diminuir em 24% a fila de espera por uma consulta em especialidades pediátricas na capital. Qual o futuro de um projeto assim?
José Luiz Setúbal — Será nossa primeira experiência maior de assistência médica no SUS ou gratuita, na realidade. Acho muito importante, pois estaremos realizando todo o ciclo de atendimento médico, pesquisa e educação na FJLES realmente para a população mais carente. Não era essencial na minha cabeça, mas era importante e era um desejo.
Um instituto de pesquisa com dez anos é um instituto jovem, novato. Ele começou com duas cuidadoras e hoje são 45, sem contar os colaboradores externos e pesquisadores associados. Como imagina o PENSI na próxima década, do ponto de vista de estrutura e estratégia?
José Luiz Setúbal — Essa é uma pergunta que faço muito ultimamente. Não tenho uma resposta, mas vislumbro duas possibilidades, e tudo vai depender da minha sucessão. Nos próximos meses devo discutir isso com meus filhos. Como pretendo me aposentar como diretor executivo da FJLES em 2026, quando completar 70 anos, essa decisão é um direcionamento que vai ajudar tanto a fundação quanto o PENSI a se prepararem para o futuro.
O senhor é um grande filantropo e incentivador da filantropia. O terceiro setor é sua causa de vida?
José Luiz Setúbal — Não. A primeira causa da minha vida é a minha família. Mas talvez, pensando bem, a família não seja uma causa, mas sim uma razão prioritária para viver. Como causa da minha vida eu não teria dúvida em dizer que é a criança. Foi a elas que me dediquei profissionalmente e, depois, como filantropo, foi onde pus a energia para ajudar a resolver problemas sociais. Acho que o terceiro setor, a mobilização da sociedade civil organizada, é a ferramenta que as pessoas em seus diferentes níveis sociais possuem para ajudar suas causas a se tornarem realidade, a lutar por elas, a mobilizar a sociedade por elas. É uma maneira de diminuir a desigualdade, pois dá chances para as minorias reivindicarem seus direitos e lutar por eles. Acho isso tudo fascinante, mas minha causa é a criança.
Por Rede Galápagos