Instituto PENSI – Estudos Clínicos em Pediatria e Saúde Infantil

[ENTREVISTA] Razão na decisão – Edina Mariko Koga da Silva

Confira abaixo a entrevista exclusiva da professora da Unifesp-EPM, doutora em pediatria e ciências aplicadas à pediatria, pesquisadora da Colaboração Cochrane e assessora científica do Instituto PENSI, Dra. Edina Mariko Koga da Silva, para o livro: “O SABER PARA A SAÚDE INFANTIL – OS PRIMEIROS DEZ ANOS DO INSTITUTO PENSI”

 

Jogar video game de estratégia seria simplesmente uma forma de entretenimento ou uma prática para adiar o envelhecimento cerebral? É difícil sair de uma conversa com a pediatra Edina Mariko Koga da Silva sem ter aprendido mais alguma coisa durante o processo, seja obtendo uma resposta, ou tendo despertada a curiosidade para uma nova pergunta. Certamente isso tem algo a ver com sua longa experiência de professora e o entusiasmado interesse que demonstra para falar sobre conhecimento em saúde ou para defender que as decisões de médicos e de seus pacientes sejam feitas à luz do método científico. Professora associada da disciplina Medicina Baseada em Evidências da Unifesp-EPM, ela é doutora em pediatria e ciências aplicadas à pediatria, além de pesquisadora da Colaboração Cochrane — instituição pioneira em realizar e disseminar revisão sistemática de terapia em saúde. A dra. Edina Koga é também assessora científica do Instituto PENSI, onde orienta médicos e equipes multiprofissionais de saúde na organização e realização de suas pesquisas, avalia os trabalhos finais dos residentes e integra o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e o comitê científico do Congresso Internacional Sabará-Pensi de Saúde Infantil.

E quanto ao video game e o cérebro? “É o mesmo processo de quando a gente faz Sudoku ou palavras cruzadas”, diz Edina, que dedica uma hora por dia jogando num console portátil. “Quando você pensa estratégias, está deixando o cérebro mais ativo. Quem sabe assim eu consigo adiar um pouco mais a minha velhice.” Na entrevista a seguir ela fala sobre a importância de manter a prática de saúde como uma ação instruída pelo estado da arte do conhecimento científico.

 

Por que a medicina baseada em evidências é importante para a sociedade?

Edina Koga — A medicina baseada em evidências é a utilização de resultados de pesquisa científica de qualidade para a tomada de decisão. A evidência científica se soma à experiência do médico e à preferência do paciente para adotar a melhor conduta. Ela não decide, mas oferece subsídios para o médico e o paciente tomarem a melhor decisão. E isso é muito necessário porque vivemos atualmente sob uma avalanche de informação que nem sempre é de qualidade. Muitas vezes o que é realmente importante está escondido lá no fundo. Dentre as diversas possibilidades de cuidar da saúde, existem aquelas que não têm comprovação científica alguma. A sociedade deve ser informada de que existem várias terapias que são propagadas, principalmente na internet, que não têm nenhuma evidência de efetividade. É uma perda de tempo, perda de saúde e perda de dinheiro, um gasto inútil. O que a evidência faz é trazer mais racionalidade à tomada de decisão na área da saúde. Pode ser em qualquer área: profilaxia, tratamento, terapia… há evidência para todas as áreas.

O uso do método científico e das referências mais atualizadas ainda não é suficientemente reconhecido pelo público leigo como o caminho mais seguro e eficaz nas decisões em saúde?

Edina Koga — Infelizmente não; muitos acreditam no que é divulgado principalmente na internet. Nós acabamos de ter essa discussão no país inteiro, quando houve a indicação de vários tratamentos sem efetividade alguma, como o tratamento-padrão para a covid-19. E ocorreram críticas às vacinas, que têm uma comprovação científica sólida de efetividade, tanto que se controlou a pandemia só depois da vacinação. Vivemos uma época em que há um movimento anticiência e por isso é muito importante informar a população da importância dos resultados de pesquisas de qualidade científica. Por exemplo, a proporção de crianças adequadamente vacinadas está perigosamente baixa no Brasil, o que pode causar o retorno de doenças graves, como a poliomielite.

Em termos de efetividade, a última novidade de tecnologia em saúde é sempre a melhor escolha?

Edina Koga — Nem sempre. A tecnologia em saúde, que é como definimos tudo que é utilizado para promover saúde — medicamentos, procedimentos, cirurgias, programas de saúde —, é um mercado que movimenta bilhões de dólares pelo mundo. Há um grande investimento para o lançamento de tecnologias novas e quase sempre estas são mais caras do que as já existentes. A pergunta é: o novo e mais caro é melhor do que o que já existe? As pessoas acreditam que sim. Mas nem sempre isso é verdade e as novas tecnologias são equivalentes ao que já existe. Os grandes avanços hoje são raros. Então é preciso também racionalizar custos e investir apenas no que traz maior benefício em termos de saúde. Na verdade, o medicamento mais antigo tem maior segurança. Ele está há mais tempo no mercado e você conhece os efeitos colaterais. Para o novo às vezes você ainda não detectou um efeito colateral que pode ser potencialmente importante.

Como surgiu o conceito de medicina baseada em evidências? Qual tem sido o trabalho do doutor Álvaro Nagib Atallah e do Centro Cochrane do Brasil na difusão dessa abordagem?

Edina Koga — Tudo começou com a epidemiologia clínica, nos anos 1980, que trouxe os conceitos da epidemiologia clássica para a beira do leito, e dentro dessa questão surgiu o conceito de medicina baseada em evidências, a partir da década de 1990 na Universidade de Oxford e da McMaster no Canadá. O doutor Álvaro Nagib Atallah foi treinado em epidemiologia clínica na Universidade da Pensilvânia e estabeleceu contato com as pessoas que começaram esse movimento da medicina baseada em evidências, participando desde o início da formação da Colaboração Cochrane, que surgiu, primeiro, em Oxford. A Colaboração Cochrane é uma organização independente sem fins lucrativos, com a participação de vários países, que organiza de forma sistemática os resultados de pesquisas em saúde de modo a facilitar a tomada de decisões. No início dos anos 1990 fiz o treinamento em epidemiologia clínica na Escola Paulista de Medicina e o dr. Álvaro foi um dos meus professores. Nessa época ele iniciou a tratativa para fundar o Centro Cochrane do Brasil, e eu o auxiliei nesse processo. Atualmente, cada vez mais os profissionais de saúde passaram a usar evidências para tomar decisões, para definir protocolo clínico de hospitais. Hoje todos usam evidências — ou deveriam usar.

Qual é a abordagem do ensino de metodologia e medicina baseada em evidências?

Edina Koga — Procuramos ensinar como aplicar a medicina baseada em evidências abordando a questão de tipos de estudos, porque para cada pergunta clínica há um tipo de estudo a ser consultado. Exemplo: quando o paciente vai a uma consulta, o médico faz perguntas sobre antecedentes pessoais e familiares, querendo identificar fatores de risco de doenças. Depois, ele deve decidir se vai pedir exames adicionais e qual é o mais adequado. Em seguida, o médico precisa indicar qual é o melhor tratamento para o paciente no momento. Essa é a terceira pergunta clínica: terapia. Enfim, o paciente perguntará ao médico: “Eu vou melhorar? Vou me curar?”. É a quarta pergunta clínica: prognóstico. Para cada pergunta clínica, fatores de risco, exames, tratamento e prognóstico, existe um tipo de estudo adequado para ser consultado. Na medicina baseada em evidências procuramos responder às perguntas clínicas por meio de estudos específicos e de qualidade para cada uma delas.

Qual é o papel das revisões sistemáticas da pesquisa científica para a prática clínica?

Edina Koga — A pesquisa científica evoluiu tanto que são mais de 1 milhão de novos artigos por ano, só que a qualidade deles é muito heterogênea. Existe muita informação de qualidade e também existe muita pesquisa inadequada publicada. Metodologia errada em um estudo pode levar a uma conclusão equivocada. Então é muito difícil um profissional de saúde ou alguém que vai determinar uma política de saúde ficarem atualizados em tudo. A revisão sistemática veio para facilitar a aplicação de evidências em saúde. A partir de uma pergunta muito clara e da busca dos resultados de pesquisas adequados, é realizada uma síntese, que representa o estado da arte sobre aquele conhecimento. É nisso que a Colaboração Cochrane foi pioneira, pois tem como missão realizar e disseminar resultados de revisão sistemática de terapia em saúde.

Como tem sido a experiência de trabalhar como consultora científica do Instituto PENSI e com o corpo clínico do Sabará?

Edina Koga — O Sabará tem um potencial de pesquisa muito grande, porque é o único hospital pediátrico privado no município de São Paulo, que é o mais populoso do Brasil. Mas para o profissional que atua no Sabará às vezes é difícil realizar uma pesquisa, pois a metodologia para isso não faz parte do seu dia a dia. Assim, o nosso papel é auxiliar a estruturar a pesquisa de uma maneira metodologicamente adequada. Na prática, recebo projetos já feitos para avaliar, assim como também recebo solicitações de ajuda para fazer o projeto a partir de uma pergunta. No Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) o papel é semelhante, avaliando a correção e adequação quanto à ética da pesquisa.

O que é importante que as famílias e a sociedade saibam sobre todo esse esforço pelas pesquisas clínicas?

Edina Koga — Quando você tem mais estudos clínicos, a possibilidade de erro é menor. A pediatria é uma área que infelizmente possui menos pesquisas clínicas, o que causa mais incertezas, pois existe maior dificuldade de realizar pesquisa em criança. Temos de incentivar as pesquisas na pediatria, porque todas as áreas da saúde merecem evidências de qualidade para melhorar o desfecho. Por isso que o PENSI é tão importante, porque está empenhado em promover pesquisas na área de pediatria.

O conhecimento científico sobre saúde exige a confluência de vários saberes, de muitas áreas, a multidisciplinaridade. Há um desafio para a organização desse conhecimento múltiplo? Todos os profissionais de saúde adotam essa mentalidade?

Edina Koga — Na verdade, quanto à aplicação dessa tradução do conhecimento científico para a prática, vemos que ela não está presente em todos os profissionais. Não são todos que têm esse conceito incorporado. Assim, muitos profissionais ainda utilizam “na minha opinião”, “na minha experiência”, não embasados em resultados de pesquisas. Por isso que você vê tanta heterogeneidade nas condutas. A aceitação da medicina baseada em evidências por todos continua sendo um desafio. Quanto à multidisciplinaridade, esta deve ser enfatizada. A disciplina da Escola Paulista de Medicina se chama Medicina Baseada em Evidências, mas a pós-graduação se chama Saúde Baseada em Evidências, porque não existe só medicina baseada em evidências, existe enfermagem, nutrição, fisioterapia… é multidisciplinar.

Qual foi a principal mudança com relação aos métodos de ensino e aprendizagem do período em que você era estudante até os dias de hoje?

Edina Koga — Até a década de 1990 o ensino e aprendizagem eram passivos, com o conteúdo teórico oferecido em aulas expositivas. Desde então foi introduzido o ensino baseado em problemas, que é um método ativo de aprendizagem. Desde o primeiro ano, passou-se a oferecer aos alunos problemas de saúde que eles devem resolver, procurando o conhecimento por conta própria, e posteriormente discutindo o resultado com um tutor. É lógico que para isso são necessários um treinamento específico e infraestrutura apropriada para o aluno procurar a informação adequadamente. Muitas das faculdades de medicina mais recentemente criadas já utilizam esse método de aprendizagem ativa e assim formam um profissional com maior autonomia de atualização do conhecimento, porque ele aprende a buscar informação.

Como você vê o futuro da pesquisa clínica em geral e da pesquisa clínica em pediatria em particular?

Edina Koga — A pesquisa avançou muito nas últimas décadas, com aprimoramento tanto na parte metodológica como na parte ética. A produção de conhecimento vem diminuindo as incertezas de uma maneira muito favorável à saúde em geral. No entanto, temos ainda o desafio do financiamento das pesquisas. Atualmente grande parte delas é financiada pelas indústrias de tecnologias em saúde, o que envolve o conflito de interesses. No mundo ideal o financiamento deveria não envolver o fabricante e ser priorizado conforme os problemas de saúde pública mais importantes para cada região. No Brasil, por exemplo, temos um conjunto das denominadas doenças negligenciadas — como leptospirose, esquistossomose, leishmaniose, malária, hanseníase —, que contam com poucas pesquisas e avanços, apesar de serem problemas importantes no nosso meio. Na pediatria tenho a esperança de que as pesquisas evoluam com maior velocidade e de que cada vez menos seja necessário utilizar resultados de pesquisas em adultos para ter opções de tratamento. A pandemia da covid-19 contribuiu para a ampliação do debate da importância das pesquisas clínicas de qualidade, inclusive para crianças, quando se discutiu tão amplamente a questão da vacinação nessa faixa etária.

Como você imagina que será o trabalho que o Instituto PENSI estará realizando daqui a dez anos?

Edina Koga — Acredito que o Instituto PENSI dará continuidade e ainda ampliará o apoio e incentivo à pesquisa na área de pediatria. Nesses anos de colaboração pude conhecer a qualidade e a motivação da equipe do instituto. Seria excelente que mais organizações como o PENSI, sem fins lucrativos e sem conflitos de interesses, atuassem da mesma maneira e com a mesma dedicação.

Por Rede Galápagos

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