Instituto PENSI – Estudos Clínicos em Pediatria e Saúde Infantil

A história que cada um carrega ou deixa

A história que cada um carrega ou deixa

A história que cada um carrega ou deixa

Hoje vou descrever uma série de acontecimentos, para contar uma história que vivemos no Hospital Infantil Sabará.

Estávamos em mais um dia de trabalho dentro da UTI, entrando em portas que nos levavam para histórias diferentes e encontros singulares. Caminhando pelo corredor, vimos uma certa porta que estava com uma fresta aberta e que nos permitia espiar quem estava ali dentro. Para a nossa surpresa, era uma menina-moça que aparentava ter os seus 16 ou 17 anos, já mais velha do que as crianças que costumávamos conhecer no hospital.

Entramos com a suavidade que aquele encontro merecia, pois a comunicação se dava através de coisas muito sutis, como: um olhar, um tom de voz, uma respiração, um arrepio na pele, um sorriso passageiro, um piscar de olhos.

Foi um encontro intrigante e enigmático, por conta disso fomos procurar saber mais daquela menina-moça. Fomos informados que ela estava no hospital desde que nasceu, que nunca tinha estado fora daquele edifício, e que poucas vezes recebia visitas, que aconteciam em datas comemorativas como Natal e aniversário, e que adorava a hora do banho e, principalmente, de lavar os cabelos e receber a massagem de um enfermeiro que a conhecia muito bem.

Juntos com a equipe de humanização e psicologia do Hospital Infantil Sabará fomos mais a fundo em histórias de residentes do hospital e descobrimos mais duas meninas com um caso parecido ao da Menina-Moça.

Fomos nos aprofundando nessa relação, criando rituais para esse encontro, por exemplo: o toque era muito importante para marcar a nossa chegada no quarto, isso nos conectava e dava contorno para ela e para aquele encontro, o toque trazia presença para o aqui e agora. Também cantávamos uma música que ela demostrava gostar, pois seu corpo se animava e um sorriso aparecia no canto do lábio: “Xote das Meninas”, de Luiz Gonzaga. Nossas conversas eram sobre ela, seu estado naquele dia, novidades que trazíamos da terra encantada, e para ir embora fazíamos uma chuva de beijos com sons bem estalados. Com a repetição desses gestos e a criação de uma rotina para nosso encontro, nós acabamos criando um laço de afeto que lhe dava segurança, confiança e previsibilidade, pois ela sabia que voltaríamos em alguns dias, que aquilo era importante e que aquelas pessoas não sumiriam da sua vida.

A partir desse encontro e das trocas com a equipe de Humanização, criamos um Livro para a Menina-Moça, que era um caderno com desenhos, escritos, recados e etc que ficava em seu quarto e estava disponível para quem tinha algo para contar da história dela.

Esse livro guardaria sua história de vida, registraria acontecimentos importantes que eram a história dela. E assim não acabariam no esquecimento ou na dúvida, estariam concretizadas em páginas de um livro. Um livro feito por relações verdadeiras, feito por muitas mãos, pessoas que faziam parte da vida dessa Menina-Moça, personagens importantes que trilharam juntos um caminho e que ajudaram a construir uma história de vida.

Quando a Menina-Moça partiu, o seu Livro ficou. O seu pai pode entrar em contato com uma história muito viva e cheia de detalhes, pois ela tinha preferências, humores, relações e tudo isso ele pode resgatar com aquele livro. E isso foi motivo de muita emoção para ele e para nós, que pudemos ajudar a perpetuar a trajetória da Menina-Moça que não conhecia o céu, mas que já tinha ouvido falar dele por outros olhos.

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Atualizado em 8 de novembro de 2024

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