Instituto PENSI – Estudos Clínicos em Pediatria e Saúde Infantil

Importância do diálogo ao desenvolvimento saudável na infância e adolescência

Desenvolvimento saudável refere-se ao direito e à necessidade de as crianças, quaisquer que sejam suas condições de vida, de receberem oportunidades, no ótimo de suas possibilidades, de crescerem, de aprender e de interagirem visando a um presente com significado e gosto para elas, bem como a um futuro em que poderão, mais e mais, cuidarem de si mesmas e realizar práticas sociais úteis a todos e a tudo. Desenvolvimento saudável significa desfrutar de bem estar, de as crianças se sentirem bem cuidadas naquilo que elas não podem fazer por si mesmas, e de se sentirem livres e autônomas para experimentar e explorarem as coisas do mundo, segundo podem e querem, nos limites do desejável para elas e os outros.

Humberto Maturana e Gerda Verden-Zöller, no livro — Amar e brincar: Fundamentos esquecidos do humano —  refletem e relatam experiências sobre a importância do diálogo, que eles chamam de “conversação”, entre crianças e adultos, sobretudo aqueles que cuidam e se importam com a vida delas. Mas, dialogar com uma criança bem pequena é diferente de dialogar com uma criança maior e, igualmente, com um adolescente.

Do diálogo com crianças bem pequenas

Neste texto, vamos comentar sobre a importância do diálogo com crianças bem pequenas e adolescentes. Para Maturana & Verden-Zöller, no livro citado, amar e brincar são duas formas de interagir com as pessoas, sobretudo com as crianças bem pequenas. Amar, porque práticas de amor (dar comida, banho, proteger do frio e do calor, prover higiene do sono, cuidar da saúde, acolher nos bons e maus momentos) expressam, como experiência sensível, que as crianças pequenas podem contar, de forma confiável e segura, com adultos que desejam o melhor para elas. Não por acaso, esses autores designam tais práticas de “maternais” ou “matriciais”, porque, não importa quem as realize,  tratam-se de “conversas ” que produzem bem-estar, sentimento de segurança e confiança, sentimentos que crianças pequenas, em geral, recebem de suas mães ou de seus pais, ou seja, daqueles que cuidam delas e as amam. O oposto disso, seriam as experiências do medo, da imposição autoritária, do abandono ou da indiferença. Assim, o diálogo acontece em práticas sensoriais-motoras e sensíveis, expressando cuidado, proteção e relação amorosa, em uma “linguagem” que a criança pode sentir e se beneficiar, confirmando o sentido de ter ganhado vida, a maior dádiva que filhos recebem de seus pais e mães.

O brincar é considerado o segundo e importante fundamento “esquecido do humano”, por que no contexto dele as crianças, desde as bem pequenas, experimentam uma relação com adultos marcada pelo respeito, pela proximidade, pela igualdade e pela liberdade. Ocorre que nas relações de manutenção (alimentar, dar banho, por e tirar a roupa, dar medicamentos), mesmo que o adulto seja cuidadoso, amoroso, há uma relação de alguém que faz e alguém que recebe, há, portanto, uma relação de assimetria, de poder de um sobre o outro. De fato, quando mães cantam para seus filhos, contam-lhes histórias, massageiam seu corpo, brincam com eles, os dois — elas e eles — compartilham um plano de simetria, de igualdade e respeito mútuo. Essa experiência há de marcar as crianças em tudo e para sempre.

Do diálogo com adolescentes

O valor  do diálogo ao desenvolvimento saudável do adolescente, isto é, do jovem entre 13 e 17 anos, expressa-se diferentemente, ainda que assentado na relação amorosa, pais – filhos,  que acabamos de comentar. Nesta fase do ciclo de vida, ao menos quanto ao que propõe Erik Eriksson, em O ciclo da vida completo, a grande questão é: identidade x confusão de papel. Identidade, porque agora o adolescente deseja saber e assumir aquilo que ele pensa caracterizá-lo como pessoa. Quem sou eu? Quem eu quero ser? Até então a família, a escola, a comunidade eram as principais referências da criança. Agora, para o jovem, trata-se de assumir, precisando para isso descobrir ou inventar, aquilo que ele deseja ser, que ele quer ser, por si mesmo ou através de seus pares. O corolário disso é, tantas e tantas vezes, uma grande confusão de papel, uma forma de experimentação física, social, psicológica, antropológica, através da qual explora possibilidades de ser, de sentir, de pensar e de agir, nem sempre condizentes com as expectativas ou desejos de sua família ou comunidade.

Daí que, a um tempo só, é mais “fácil” e mais “difícil” dialogar com adolescentes. Mais “fácil” porque (1)  eles sabem falar e pensar de forma lógica, (2) eles “conhecem”, ainda que possam não ter interesse em respeitar, regras sociais valorizadas ao bom convívio em diferentes situações de vida em comum, (3) eles têm experiências a compartilhar, e (4) eles possuem expectativas ou planos para o futuro, para o que querem ser. Mais “difícil”, porque (1) eles prezam muito sua privacidade e, em geral, não apreciam pais implicantes, isto é, que interferem em suas vidas, (2) seu maior interesse, ou sofrimento, é em estabelecer relações entre pares e, portanto, “abandonar” ou “desconsiderar” a perspectiva da família, (3) eles gostam, por extensão de agir e pensar de forma independente, bem como de tomarem decisões pessoais, e (4) estão preocupados com sua imagem corporal, com seu atual ou futuro gênero sexual. Na busca de encontrar sua identidade, de reconhecer seus pares, de assumir um gênero sexual e de se “comprometer” social ou profissionalmente com aquilo que quer ser ou se tornar, diante de tantas dúvidas e confusões, o adolescente sofre e, algumas vezes, sofre muito. Daí não serem infrequentes as automutilações, as tentativas de suicídio, as depressões, os regimes exagerados de emagrecimento ou de ganho de peso, o isolamento, os excessos de todos os tipos, as preocupações com a estética do corpo ou do estilo das roupas. Em uma palavra, o desejo do adolescente, e seu sofrimento se isso se torna difícil,  é de dialogar com seus pares, não de dialogar com seus pais.

O que fazer?

Alguns pais, diante de tais desafios, “abandonam” seus filhos adolescentes, “assumem” que eles já são grandes, que têm condições de assumir sua vida, que não precisam mais deles, a não ser do suporte financeiro e domiciliar. Talvez, esteja aí o nosso engano. Trata-se, então, de se aproximar deles de outra forma, de encontrar um diálogo que compreenda, conviva, respeite e que “perdoe”, se for o caso, tantas formas equivocadas de experimentar uma nova forma de vida. Trata-se de manter, mudado o que deve ser mudado, o cuidado consistente deles, de buscar ajudá-los em suas necessidades físicas e emocionais. E de confiar que, em se afastando de nós, eles irão, pouco a pouco, nos reencontrar à medida em que se tornam adultos  e que serão capazes de assumir a longa e complexa nova fase do ciclo de vida: a de se tornar um adulto capaz de autogestão e, igualmente, capaz de praticar as coisas do mundo.

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