Há quase cinco anos escrevi um post aqui para o Blog Saúde Infantil: “As dúvidas dos pais sobre saúde bucal”. Alguns temas são recorrentes, por exemplo: tipo de escova, creme dental com ou sem flúor, periodicidade para o retorno. Mas como não é obrigação dos pais saberem tudo sobre saúde bucal, vou retomar outros questionamentos comuns que tenho no consultório.
“Dente de leite tem raiz?” Tem sim, senhor! O que acontece é que geralmente na época que o dente de leite está trocando, sua raiz está praticamente reabsorvida e parece que ela nunca existiu. Mas existiu sim, começou pequena, na época da erupção do dentinho, cresceu e depois de um tempo começou a reabsorver. Significa que todas as raízes reabsorvem? Nem sempre, em certas situações a raiz do dente de leite tem pouca reabsorção e aí precisamos extrair para dar lugar para o dente permanente aparecer.
Daí vem outra explicação. “Dente de leite tem canal?” Tem sim, senhora! E se o dente de leite desenvolver uma lesão extensa de cárie, tem o risco de atingir a polpa (popularmente conhecida como o “nervinho”), vai doer e, tão pior quanto a dor, vai infeccionar e pode causar um abcesso. E seu filho não merece isso.
Pode-se fazer clareamento dental em criança? A questão não é se pode, eu pergunto: para quê? Os dentes têm tonalidades diferentes, mas invariavelmente os dentes decíduos são clarinhos (por isso o nome: dentes de leite). Mesmo nos adolescentes, com dentes permanentes, me parece um exagero justificar o clareamento em busca de uma estética forçada. Vá lá, em casos extremos, ou em dentes que sofreram traumas e escureceram muito. Pode-se alegar que uma criança venha a sofrer bullying na escola se um dente estiver muito escurecido, nesses casos vale uma boa conversa com o dentista para saber quais os objetivos a serem atingidos.
Acompanhamento da higiene bucal pelos pais. Cada vez mais vejo pais delegando funções de higiene bucal – escovação e fio dental – a seus filhos pequenos. Posso garantir para vocês, suas crianças são ótimas com o smartphone, com o tablet, até no computador, mas elas não sabem nada de higienizar a boca. Vá lá, deixe ela usar a escova três, quatro vezes ao dia, mas supervisione pelo menos duas vezes, principalmente antes de ir dormir. O fio dental é imprescindível que os pais ajudem, elas não têm habilidade. Os adolescentes, sim, podem ter essa habilidade, mas eles usam? Acreditem, por mais que eles “saibam tudo”, o fio dental não está em suas prioridades, muito pelo contrário.
“Quantas vezes deve se escovar os dentes?” Bem, aí depende das circunstâncias. Ao acordar me parece bem óbvio, afinal aquela boca passou várias horas sem receber um alimento ou água e deve vir com um “bafinho”, não é agradável. Depois do almoço é certo, pois os restos alimentares não são eliminados apenas com uma “lavadinha” na boca. Aqui, porém, cabe uma ressalva, muitas crianças se alimentam na escola, e a responsabilidade cai sobre o professor, imagine uma classe com dez crianças, e mesmo com uma assistente, você acha que os responsáveis vão conseguir uma higienização adequada para aquela turminha toda? Difícil, muito difícil. Não aposte nisso. Antes de dormir sim, absolutamente essencial. E deve ser realizada quando a criança estiver ainda atenta, porque se ela já estiver cochilando no sofá… Vai ficar difícil, nessa que é a higienização mais importante do dia.
“Meu filho não come doce, só salgadinho…” Opa, vamos combinar, não precisa ser um expert no assunto, mas todos os indutos (restos alimentares) que ficam na boca são passíveis de se transformar em placa bacteriana (biofilme) e se não eliminados regularmente causam a doença cárie e doenças da gengiva. Isso serve para bolachinhas, biscoitos, pães, arroz, feijão, batatinhas. Não se iludam, restos alimentares são sustento para as bactérias normais da boca, e que se bem nutridas vão causar um estrago e tanto nos dentes.
Vale lembrar que bebidas adoçadas como refrigerantes, iogurtes, achocolatados, bebidas à base de soja, “néctar” de frutas, yakults e congêneres, sucos naturais adoçados, causam o mesmo estrago nos dentes, ainda que a percepção seja diferente.
“Meu filho nunca sentiu dor de dente, só na semana passada eu vi um escurinho no dente do fundo, mas só ontem ele reclamou de uma dorzinha”. Como isso é comum no consultório. Vou fazer uma analogia bem simples para você entender. Você tem um carro, nunca troca o óleo, mesmo porque o carro nunca parou. Um dia você ouve uns barulhos estranhos, o carro não consegue dar partida e funde o motor, e veja bem… “Nunca aconteceu nada”, mas um dia a casa cai, ou melhor, aparece uma lesão de cárie no dente e, pior, um tratamento de canal, e olha que ele nunca teve cárie. É assim, as coisas acontecem sem que nunca tivessem acontecido antes. Uma lógica cruel, mas sustentada pela absoluta falta de manutenção adequada, seja no motor do carro, ou na saúde bucal.
Existem dezenas de temas a serem discutidos por aqui, esses são alguns, se você tem mais dúvidas pode perguntar. Tenho certeza que nossos objetivos são muito iguais, cuidar de nossas crianças e que elas nos retribuam com sorrisos lindos e saudáveis.
Por Dr. José Reynaldo Figueiredo, pai da Marina e do Lucas. É responsável pela Clínica Sorrisos Especiais (sorrisosespeciais.com.br). Presidente da Associação Brasileira de Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais – ABOPE. Especialista em Odontopediatria, Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais e Implantodontia. Mestre em Odontologia Social e Doutor em Ciências Odontológicas, pela FOUSP. Escreve para o Portal Local Odonto, adora correr maratonas e ser dentista de crianças.
Atualizado em 1 de novembro de 2024