Pela primeira vez desde 2002, todas as vacinas indicadas a menores de um ano ficaram abaixo da meta do Ministério da Saúde, que prevê imunização de 95% destas crianças. A maioria das vacinas tem índices entre 71% e 84%, sendo a única exceção a vacina BCG contra tuberculose, aplicada nas maternidades, com 91%. Os dados são do Programa Nacional de Imunizações (PNI).
O Brasil era referência de vacinação pública, com o maior programa do Mundo, e nossa estratégia reconhecida internacionalmente pelo sucesso no controle de doenças no país. O Governo Federal já admite o problema, o que vinha negando até o ano passado.
Entre as vacinas com redução na cobertura estão aquelas que protegem contra poliomielite, sarampo, caxumba, rubéola, difteria, varicela, rotavírus e meningite.
Desde 2002, a taxa de cobertura da vacina tríplice viral (Sarampo; Caxumba; Rubéola), indicada para menores de um ano, ficava próxima a 100%. Nos últimos dois anos, foi para 84%. No mesmo período, a cobertura da vacina tetraviral (que acrescenta a Varicela- catapora à tríplice viral), indicada a partir de 15 meses, passou de 79% para 71%.
O risco de uma cobertura baixa de vacinação é observado no Norte do país, com a vida de refugiados. Enquanto a vacinação cai no Brasil, o número de casos das doenças evitáveis com vacina aumenta. Atualmente, Roraima soma 172 casos confirmados de sarampo, a maioria entre venezuelanos que fugiram da crise no país vizinho. Também há ao menos 147 casos confirmados no Amazonas e cinco no Rio Grande do Sul. Juntos, os três Estados somam ainda 1.240 casos em investigação.
Em 2016, o Brasil recebeu da Organização Pan-americana de Saúde (Opas) um certificado de eliminação do sarampo. Agora, o país corre o risco de perdê-lo se a transmissão não for interrompida. A redução nas coberturas vacinais gerou alerta entre especialistas diante da notificação de um caso suspeito de poliomielite em uma criança com paralisia que vive em uma comunidade indígena na Venezuela, o que não ocorria havia 29 anos, mas já descartada a hipótese de poliovírus selvagem ou uma mutação pelo vírus vacinal, o que, na prática, afasta o risco de surto. Na semana passada, a Sociedade Brasileira de Pediatria divulgou um comunicado aos médicos para que fiquem atentos às coberturas vacinais contra a pólio.
Em 2002, a vacina aplicada em menores de um ano contra pólio mostrava coberturas superiores a 96%. Agora, atinge 77%. Em alguns estados, como São Paulo, o índice é ainda menor, não chegando a 69%.
Segundo o PNI, a falta de tempo e os horários limitados dos postos de saúde, com a maior participação das mulheres no mercado de trabalho, estão entre os fatores alegados em campanhas para o atraso na vacinação. Outra razão é a falsa sensação de segurança dos pais. Muitas pessoas acham que seu filho está bem nutrido, que vai para escolas em bairros com condição adequada de saneamento e boa alimentação e por isso não vai pegar doenças, até porque essas doenças evitáveis pela vacinação sumiram do radar das pessoas. Mas esquecem que viajam, vão para outros países, frequentam shoppings, parques e ambientes fechados onde pode ter alguém doente. Em 2007, uma pesquisa apontava essa postura como mais frequente entre pais de classes econômicas mais altas.
A BCG é uma vacina aplicada na maternidade. Em caso de falta, uma vez que a família sai de lá sem vacina, é mais difícil ir ao posto de saúde. E, se vai ao posto e não tem, acaba não voltando. Em nota, o Ministério da Saúde diz que mantém a distribuição de vacinas BCG e que trabalha na regularização dos estoques em casos de faltas pontuais.
Já a Sociedade Brasileira de Pediatria atribui a queda nas coberturas a movimentos contrários à vacina e ao avanço de informações falsas nas redes sociais. No mês passado, a epidemiologista Laurence Cibrelus, da Organização Mundial da Saúde (OMS), disse que os boatos tiveram influência na baixa cobertura vacinal contra a febre amarela no Brasil. O ideal seria que cerca de 80% da população estivesse vacinada contra a febre amarela. O número, porém, está em torno de 55%, apesar de toda correria vista em São Paulo.
No ano passado, depois de um surto de sarampo na Europa, a Itália aprovou uma lei que exige a carteira de vacinação em dia para matrícula de crianças de até seis anos em escolas. O governo alemão passou a exigir que unidades de pré-escola informem às autoridades quando houver crianças não imunizadas ou cujos pais não conseguirem comprovar a vacinação em dia. Existe multa para os responsáveis. Já países como Portugal e Estados Unidos vêm tomando uma série de medidas para punir pais que não levam seus filhos aos locais definidos para a aplicação das doses. No Brasil, escolas públicas e privadas podem pedir a caderneta de vacinação das crianças no ato da matrícula para alunos até o quinto ano do ensino fundamental, mas nem todas exigem a atualização das doses recebidas.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado em 1990, garante o direito das crianças à saúde e torna obrigatória a vacinação. Assim, não imunizar os filhos é uma prática ilegal, o que poderia levar os pais a responder criminalmente.
Caberia aos governos ampliar o acesso aos postos de vacinação, com horários mais flexíveis, além de adotar uma comunicação pública mais eficiente, mostrando a importância de vacinar as crianças, os jovens e os adultos.
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Atualizado em 9 de dezembro de 2024