Dizem por aí que quando uma criança não cresce é porque ela tem a “síndrome do Peter Pan”, que sou eu, um menino de sete anos e quatro meses, que nunca vai crescer enquanto viver na Terra do Nunca.
Mas muitos se esquecem de que nós, crianças, somos muito espertas, “sabitudas”, e percebemos, sim, quando estamos encrencadas, ou quando precisamos ser fortes. Por essas minhas andanças no Reino Sabará, eu conheci uma dessas crianças, que só com seu olhar azul da cor do mar, ora marejado, ora profundo, ora misterioso, demonstra ser muito mais “adulta” do que muitos grandões que existem nesse mundão.
Essa grande heroína chamarei neste relato de “Iara”. Logo no começo de nossas visitas era muito difícil conseguir entrar em seu quarto, e aos poucos fomos conseguindo desbravar esse mar azul por onde velejamos por vários dias felizes. Lembro-me de um dia, às vésperas de sua partida, em que eu e a Chapeuzinho, minha fiel companheira, visitamos seu quarto. Nossa, que dia divertido! Nunca tinha visto a Iara rir tanto.
Da minha bolsa mágica emprestada da fada Sinão, eu tirei uma linda estrela para ela, e perguntei se gostaria que nós fizéssemos um rostinho na pobre estrela sem olhos, boca e nariz. Rapidamente ela respondeu que sim e já fui tirando de minha bolsa uma caneta, desenhando o rostinho da mais nova estrelinha, que ficou conhecida como Iara.
Ela apertava sua estrelinha e me contou que logo mais ia morar no céu e piscar todas as noites para nós, cheia de brilho dentro de uma nova imensidão que já não era mais o mar, e sim o céu, algo muito mais infinito. E logo em seguida ela nos disse que amava minhocas, principalmente aquelas que ficam em um casulo e depois viram borboletas, voando mundo afora, levando sua beleza aos olhos de quem as pudesse admirar. Ali percebemos que nossa querida amiga nos contava um nobre segredo dividido através de singelos gestos e metáforas, assim como a poética daquele encontro tão difícil de descrever, mas verdadeiramente alegre de se sentir.
Fiquei pensando que muitas vezes subestimamos as crianças. Elas são providas de uma grande sabedoria, pois de todas no mundo são as que sabem melhor brincar. A Iara estava contando a nós que precisava partir, e nós entendíamos que seu momento nessa terra, que não é a Terra do Nunca, já estava por demais passando da hora. Foi tão especial essa descoberta, pois foi através do sorriso e brincadeira que pudemos dividir esse momento de muito aprendizado e reflexão em nossas vidas. Nossas visitas são feitas do efêmero que se expande até o coração, tornando eternos esses “breves suspiros” doces que conseguimos compartilhar em nossos encontros.
Depois de alguns dias, chegou seu aniversário. Ela não só comemorou, como também se presenteou com o primeiro pedaço do bolo, e logo partiu para sorrir em outras bandas por aí afora.
Nossa heroína nos ensinou muito a respeito de nós, crianças, transformando nossos encontros ainda mais inesquecíveis, como seus olhos azuis da cor do mar, que agora são da cor do céu.
Com muito carinho, Peter Pan.
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Atualizado em 30 de setembro de 2024