Instituto PENSI – Estudos Clínicos em Pediatria e Saúde Infantil

“Já tem grupo de médicos que estuda a administração de medicamento para tratar o diabetes tipo 2 em crianças acima de seis anos. A obesidade é doença, sim, mas tem que ser enfrentada com educação”

Dr. Ary em ação no Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP, com Francisco, menino com traqueostomia que recebeu alta. Na mão do médico, o distintivo do Santos, com o qual ele diz ‘benzer’ os pacientes para acelerar a recuperação.

 

Chefiando há mais de 30 anos o setor de Nutrologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, o pediatra Ary Lopes participará do 7º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil ao lado de grandes nomes da nutrologia do país

O dr. Ary Lopes Cardoso correu 43 Corridas de São Silvestre, 23 maratonas e 51 meias maratonas. “Tô sempre correndo. É a hora em que eu descanso a mente”, diz o chefe da Nutrologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), que levanta cedo, vai para o clube dar uma corridinha, mas confessa ser ‘viciado’ mesmo é em hospital. “O que mais me dá satisfação é continuar trabalhando, fazendo o melhor possível todos os dias. Sei que sem as crianças eu não conseguiria viver bem”, resume o especialista em nutrologia pediátrica, mestre e doutor em medicina pela Universidade de São Paulo (USP).

Convidado a participar do 7º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil, ao lado de grandes nomes da nutrologia do país, ele se diz honrado com a homenagem. Quando completou 50 anos de formado, compilou O médico que só queria ser médico, um livro com 50 histórias diversas e fotografias de sua carreira. Antes de completar 80 anos, em março de 2025, ele planeja lançar mais uma obra.

Responsável por pesquisas inovadoras em nutrologia nas décadas de 1970 e 1980, dr. Ary continua muito ativo, em especial nas enfermarias do Instituto da Criança do HC, orientando as mães, discutindo casos, além de incentivar os residentes a largarem o computador para acompanharem de perto a evolução dos pequenos pacientes.

Notícias da Saúde Infantil — Chefiando há mais de 30 anos o setor de Nutrologia do Hospital das Clínicas, de que formas o senhor contribuiu para o desenvolvimento dessa especialidade?

Ary Lopes Cardoso — Quando me formei, eu tinha grande admiração pelo dr. Giuseppe Sperotto, que comandava o laboratório de distúrbios hidroeletrolíticos em pediatria. Era o início dos anos 1970, a época das diarreias e da desidratação, e tratávamos as crianças com um soro estudado por nós. O dr. Francisco Carazza estudava o magnésio; eu, o potássio; e o dr. Romeu Abdalla, o fósforo. Colocávamos os bebês em camas metabólicas, um colchonete adaptado para recolhermos fezes e urina, pesar as mamadeiras, medir e pesar a criança por sete dias. Colhiam-se exames, guardavam-se amostras e fazia-se o balanço metabólico daqueles eletrólitos — sódio, potássio, fósforo, magnésio. O trabalho me empolgou tanto que no doutorado fiz estudo de balanço de água e eletrólitos em crianças desnutridas. O estudo inédito acabou me levando para congressos pelo Brasil.

Notícias da Saúde Infantil — Foi isso que o fez tomar gosto pela nutrologia?

Ary Lopes Cardoso — Na verdade, eu caí na nutrologia pela mão do dr. Paulo Saraiva, anestesista que tratou crianças com poliomielite no Instituto da Criança. Ele tinha a mente brilhante e desenvolveu aparelhos respiratórios como o famoso pulmão de aço. Ele me disse: “Professor, nós precisamos dar nutrição para esses pacientes, mas eu não sei de quanto precisam”. Então eu disse: “Vamos calcular”. Fizemos uma incubadora, que funcionou como um calorímetro de sistema fechado, que colhia amostras de ar que o bebê estava respirando, tinha um cromatógrafo para medir oxigênio e gás carbônico, e aí, com ajuda de uma equação, calculávamos de quantas calorias por dia essa criança precisava. Serviu para otimizar a alimentação desses pacientes, e depois peguei a incubadora e resolvi estudar vários tipos de bebês, os de parto normal, de prematuro, os que eram pequenos para a idade e os obesos. Daí publiquei artigos sobre essas investigações, mas isso me motivou a estar na enfermaria do hospital. Em 1980, as crianças entravam extremamente desnutridas e saíam desnutridas, pois eram tratadas com antibiótico e quimioterápico, mas ninguém se preocupava com a nutrição delas. Até hoje passo em visita, falo com as mães e também encho a paciência dos médicos.

Notícias da Saúde Infantil — Como assim?

Ary Lopes Cardoso — Sou pessoa non grata para muitos deles, pois sou chato, vou falando com a mãe e acompanho a criança. A nutrologia sempre me trouxe muita alegria. Os residentes não gostam muito, mas quando veem a gente trabalhar no laboratório se sentem atraídos, pois atendemos casos complexos. Entre 60% e 65% dos pacientes tiveram anoxia (ausência de oxigênio no cérebro), muitos têm paralisia cerebral, alguns estão em cadeira de rodas, chegam das periferias mais distantes. Também é muito gostoso ver a turma de residentes, pois eles aprendem com você a saber lidar, as maneiras de cuidar e de falar com as mães. E tenho inúmeras amigas — elas me abraçam e eu fico até emocionado, pois vejo o moleque melhorar e a mãe ficar mais calma, sossegada.

Notícias da Saúde Infantil — Qual a importância da investigação na nutrição pediátrica e como ela é feita no dia a dia?

Ary Lopes Cardoso — É mania dos médicos mais novos se basear em exames — o nenê tossiu: pede tomografia! Eles não olham globalmente a criança, com exame físico: estetoscópio e duas orelhas para escutar! Costumo tirar os residentes do computador… vai ver o nenê primeiro! Eu chamo a toda hora: veja, a barriga tá tensa, tá distendida. Eu sei que um dia eles vão reconhecer isso. Mas, falando em outros tipos de investigação, desde os anos 2000 passei a me reunir com vários pediatras especialistas, como o dr. Mauro Toporovski, da Santa Casa, e o dr. Mauro Morais, da Escola Paulista de Medicina, e outros do Sul, para discutir as alergias ao leite e as modificações que se podia fazer, pois os leites especiais eram muito caros. Municiamos com dados a Secretaria da Saúde e hoje, em vários estados, as crianças de famílias de baixa renda que comprovarem alergia ou intolerância a proteínas do leite têm direito à fórmula de graça. Isso resultou na melhora da condição nutricional de muitas crianças e tem chance de virar política pública nacional (projeto de lei 4204/21).

Notícias da Saúde Infantil — Levando em conta os temas que enfatiza na sua produção científica (nutrição, obesidade e probióticos), o que pretende mostrar ou palestrar no congresso em relação a questões que impactam o cotidiano hospitalar?

Ary Lopes Cardoso — A gente está vivendo a época da obesidade, uma epidemia no mundo. Há muitos anos veio a São Paulo um professor da Carolina do Norte que fez uma apresentação sobre a evolução da obesidade nos Estados Unidos nos anos 1990. Ele mostrou que a curva de crescimento da obesidade do Brasil iria superar a dos EUA em 2030. Eu tenho certeza disso, porque hoje em cada casa brasileira tem um obeso. Vejo médicos propondo soluções medicamentosas perigosas e caríssimas, como um grupo que estuda a administração de medicamento para tratar o diabetes tipo 2 em crianças acima de seis anos. Então a obesidade é doença, sim, mas tem de ser enfrentada com educação, desde a gravidez da mãe. Até os dez anos a criança obesa tem pai e mãe do lado; depois disso, nos dias de hoje, ninguém segura os adolescentes. Então se vão ao endócrino, ele receita remédio ou cirurgia bariátrica — o que acho errado, tem de educar! Os pais precisam afirmar que a casa é deles e quem mora ali segue regras de alimentação: tem arroz, feijão, carne, legume, verdura e fruta, não macarrão, nuggets, salsicha e hambúrguer todo dia. E água é a melhor bebida que existe. Se for educado dessa forma, funciona, mas se com cinco anos o menino for gorducho, vai ser obeso na vida adulta, e são os maus hábitos e a má educação que levam a isso.

Notícias da Saúde Infantil — O que o senhor imagina para o futuro da nutrologia no Brasil?

Ary Lopes Cardoso — Percebo que ainda há grupos de especialistas que acham que sabem tudo e que não precisam de ajuda da gente (dos nutrologistas). Você consegue convencê-los, mas isso vai devagar, eu esperaria que houvesse mais compreensão e reconhecimento dessa área de trabalho. Eles se preocupam com antibiótico, quimioterapia, oxigênio, mas a mãe que vai ao consultório tratar desses problemas graves vai perguntar: o que eu dou para o meu filho comer? E o médico precisa saber responder, precisa se preocupar com a parte nutricional da criança. Por isso, a minha esperança é que esse reconhecimento seja feito com mais tranquilidade no futuro. Ao mesmo tempo, vejo residentes de nutrologia espalhados pelo Brasil acessarem a internet uma vez por mês para apresentar um caso, coordenados pelos seus preceptores médicos. Juntam-se outros residentes interessados e discutimos o assunto. Então sei que a nutrologia tem cada vez mais adeptos e torço para que só se amplie essa procura.

Para inscrever-se no 7º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil, CLIQUE AQUI!

Por Rede Galápagos

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