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Jayme Murahovschi com o bisneto Tommy, em encontro de 2023: uma vida dedicada à saúde das crianças.
Uma das maiores lendas da pediatria, e autor de Pediatria: diagnóstico + tratamento, considerado a “bíblia” da especialidade desde 1978, o dr. Jayme Murahovschi participa, aos 91 anos, de uma das mesas do 7º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil
Na composição da mesa intitulada Os grandes nomes da nutrição pediátrica no 7º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil, a ser realizado em outubro de 2024, não poderia ficar de fora o dr. Jayme Murahovschi. Na certa quem estuda ou exerce a pediatria nos dias de hoje conhece essa chancela, pois seu nome aparece na capa de um dos principais tratados sobre o assunto no Brasil, Pediatria: diagnóstico + tratamento, considerado, desde 1978, uma referência para os pediatras. “Lembro-me bem do que um experiente pediatra me disse uma vez: ‘Todos os médicos usam seu livro; a diferença é que os jovens deixam o livro escondido e vão espiar no fim da consulta e os velhos o abrem despudoradamente na frente dos pacientes’.”
Médico pediatra, especialista em gastroenterologia pediátrica, o dr. Murahovschi é membro vitalício da Academia Brasileira de Pediatria — um dos 30 escolhidos entre cerca de 40 mil pediatras no Brasil — e da Academia de Medicina de São Paulo. Por 35 anos, foi professor titular de pediatria (departamento que foi convidado a criar) da Faculdade de Ciências Médicas de Santos. Ao longo de seis décadas, estima ter atendido 35 mil crianças de três gerações (ele parou de clinicar em 2022). Aos 91 anos, é professor, pesquisador, palestrante e reconhecido autor de livros-referência dessa área.
Em sua participação no congresso, ele deve discorrer sobre a pediatria dos séculos 20 e 21, relembrando desenvolvimentos que ele viu acontecer, já que iniciou sua prática médica em 1956, época em que os bebês com diarreia sofriam risco de morte. Desde então, é um dos grandes defensores do aleitamento materno, que considera fundamental nos primeiros meses de vida da criança. Leia mais sobre a atuação desse grande formador e orientador de pediatras na entrevista a seguir.
Notícias da Saúde Infantil — Sua linha de pesquisa nas décadas de 1960 a 1980 sobre as diarreias agudas e depois o desenvolvimento da fórmula láctea foram grandes colaborações para a pediatria brasileira. Como enxerga o desenvolvimento no tratamento dessa condição?
Jayme Murahovschi — As pesquisas daquela época priorizavam a reidratação oral e a realimentação com fórmulas lácteas com proteínas à base de albumina (leite albuminoso) previamente digeridas, que além de corrigir a desidratação promoviam a recuperação do estado nutricional. Tudo isso preparado pela família em casa, a baixo custo, para o dia inteiro e sem necessidade de geladeira. Felizmente a situação melhorou e contamos hoje com fórmulas lácteas direcionadas para distúrbios alimentares específicos, de modo que as diarreias não desapareceram, mas podem ser tratadas sem o antigo temor do risco de morte. Vale a pena prevenir ou corrigir a desidratação e orientar uma alimentação correta, não só para a cura da diarreia, mas para um crescimento adequado, mesmo que a situação da família não seja a melhor possível.
Notícias da Saúde Infantil — O senhor também teve colaboração importante na defesa do aleitamento materno. Poderia nos contar como o assunto evoluiu e como considera que o Brasil está agora nessa prática?
Jayme Murahovschi — Quando comecei como professor de pediatria na Faculdade de Ciências Médicas de Santos, a mortalidade infantil era muito alta não só no litoral como em todo Brasil. Em 1984, instituímos a campanha do aleitamento materno no litoral, dando apoio às famílias de poucos recursos e lançando um guia útil, a Cartilha da Amamentação, criada por nosso grupo de puericultura e pediatria da FCMS. Em 1988, foi instituída no Brasil a lei da licença-maternidade de 120 dias, atualmente prorrogada para 180 dias na Empresa Cidadã e acrescida da licença-paternidade. De lá para cá, houve conscientização da importância do leite humano para o bebê. Mesmo com todo o progresso da tecnologia, nenhum outro alimento poderia substituí-lo com vantagem e/ou benefícios iguais no período inicial da vida. E isso continua cada vez mais válido hoje, quando contamos com o apoio imprescindível de grupos voluntários focados no aleitamento materno.
Notícias da Saúde Infantil — O título de uma palestra sua é “Visão pediátrica no envelhecimento da geração que vai viver 100 anos”. De que modo os pediatras da atualidade colaboram para que essa expectativa de vida se cumpra?
Jayme Murahovschi — Os pediatras tiveram desde o início e continuam tendo uma relação especial de empatia com os pais e devem se aproveitar dessa condição para introduzir e sedimentar o conceito de que uma vida prolongada e de boa qualidade, hoje tão desejada, se alicerça na infância e tem firme relação com o aleitamento materno. Como sempre digo, o leite materno continua insubstituível para um perfeito desenvolvimento físico, mental e social.
Notícias da Saúde Infantil — Os seus livros são referência para toda uma geração de pediatras. Como celebra esse sucesso e, em especial, qual a importância que essas “bíblias” tiveram para o exercício da pediatria no Brasil?
Jayme Murahovschi — Quando tive a ideia de escrever um tratado de pediatria, na época só existia o Nelson — Tratado de pediatria, publicação de autores americanos. Lembro que meu mestre Augusto Gomes de Matos na Clínica Infantil do Ipiranga me disse: “Você escreve bem, mas acho que um livro de pediatria é muito. Por que você não escreve um livro sobre diarreia, que é sua especialidade?”. Foi o que eu fiz, mas depois resolvi escrever um livro com colaboradores e naturalmente um livro de pediatria geral com ênfase nas subespecialidades. Gomes de Matos reconheceu o valor e estava todo orgulhoso no lançamento do livro, que lhe foi em parte dedicado. Além do conteúdo, Pediatria: diagnóstico + tratamento tinha como peculiaridade um estilo inédito: uma breve mas expressiva introdução com os conhecimentos básicos, seguida de uma sequência diagnóstica etapa por etapa, completada com uma sequência terapêutica atualizada e adequada para os pediatras, mesmo os com pouca experiência.
Notícias da Saúde Infantil — E como formador de pediatras na Faculdade de Ciências Médicas de Santos, qual foi sua principal satisfação?
Jayme Murahovschi — Minha satisfação foi criar a base para formação não só de pediatras, mas de médicos gerais especialistas. Desde o começo, nunca reprovei meus alunos, pois sabia que eles eram bons, mas que a maioria não ia ser pediatra. No entanto, também os convenci de que eles deveriam ter uma formação médica básica que incluía a pediatria. Enumerei os temas essenciais e fazia-os repetir as provas, tantas vezes quantas fossem necessárias, até que mostrassem ter aprendido. Eles acatavam e acabavam se convencendo de que a noção dos conhecimentos básicos pediátricos era importante para todos os médicos. Como na época não havia livros de pediatria adequados, compusemos uma apostila com um texto básico seguido de um questionário útil para memorizar as respostas e sedimentar os conhecimentos. Essa apostila me inspirou e foi a base para o meu livro Pediatria: diagnóstico + tratamento (Ed. Sarvier). Durante minha carreira como professor na FCMS, fui homenageado por todas as turmas, fui paraninfo de três turmas e patrono de uma.
Notícias da Saúde Infantil — Olhando para trás e para os feitos ao longo da carreira médica, que deve ser motivo de muita satisfação, como se sente atualmente? O que diria aos pediatras que estão começando na carreira em 2024?
Jayme Murahovschi — Minha carreira pediátrica me trouxe a satisfação do dever cumprido (atendimento, transmissão de experiência adequada, análise da literatura pediátrica). Mesmo sabendo que hoje vivemos em realidades distintas, os valores e as verdades persistem. Os pediatras atuais devem estar a par da tecnologia moderna, que evolui e progride rapidamente. Por outro lado, os valores e as verdades que constituem a sabedoria popular e a sabedoria médica persistem. Cabe portanto aos médicos, aproveitando seu prestígio, não se limitar ao seu âmbito de atuação profissional específico, mas atuar em benefício da comunidade. E uma forma de beneficiar a comunidade continua sendo o apoio e o estímulo ao aleitamento materno.
Notícias da Saúde Infantil — Ao longo de sua vida acadêmica e profissional, algumas das inovações que o senhor criou ou as causas que defendeu chegaram a influenciar políticas públicas? De que tipo de política pública ainda sente falta?
Jayme Murahovschi — Sim, nos anos 1970, com o grupo de médicos da FCMS, incluindo dra. Keiko Teruya, dra. Laís Graci Bueno dos Santos, dr. Ernesto Teixeira do Nascimento, dr. Venâncio Ferreira Alves e dr. Paulo Sergio Andrade e Silva, começamos o resgate do aleitamento materno na zona litorânea. Isso trouxe para o Hospital Guilherme Álvaro o título de primeiro Hospital Amigo da Criança do estado de São Paulo e segundo Hospital Amigo da Criança do Brasil. O incentivo ao aleitamento materno, a licença-maternidade, os intervalos admitidos para a mãe amamentar, o alojamento conjunto, as curvas de crescimento de lactentes são conquistas que merecem valorização e demonstram a vantagem da prática para a sociedade como um todo. E isso deve se refletir na política pública oficial. A amamentação hoje já não está diretamente ligada à sobrevivência do recém-nascido, mas vale para todos os níveis socioeconômicos e pode ser a diferença na qualidade de vida. Amamentar é mais do que nutrir, é mais do que criar. É também um ato de amor.
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Por Rede Galápagos
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