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“Quando o alarme soa no hospital Jikei, no sudoeste do Japão, as enfermeiras sobem uma escada em espiral para recolher o mais rápido possível os recém-nascidos abandonados na “caixa de bebês” do centro médico, a única no país.
Este hospital católico de Kumamoto, na ilha de Kyushu, criou em 2007 este sistema que permite que um bebê seja abandonado anonimamente. A instituição também oferece outros serviços, como um programa de parto sem identificação, também único no país.
Essas iniciativas renderam críticas ao centro médico, mas seu responsável médico, Takeshi Hasuda, argumenta que isso é uma “rede de segurança vital”. Quando li essa notícia, lembrei imediatamente da “Roda dos Expostos”, peça emblemática do Museu da Santa Casa de São Paulo.
A roda é um artefato cilíndrico de madeira com uma abertura em um dos lados. Esta estrutura ficava em um dos muros da Santa Casa e, quando uma mãe queria abandonar o filho recém-nascido, colocava-o na abertura e girava para que fosse recolhido pelas freiras. Passaram pela “Roda dos expostos”, na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, entre 1825 e 1950, cerca de 4.600 crianças, que foram cuidadas pelas Irmãs de São José de Chambéry e registradas em um livro que se encontra no Museu.
Cerca de 80% dos bebês descobriram a identidade de sua família e 20% encontraram seus pais ou parentes. A sociedade japonesa prefere culpar as mulheres, que é quem deve cuidar do bebê gerado. Sua motivação para simpatizar com elas ou ajudá-las é baixa ou totalmente inexistente, talvez por essa razão isso ocorra em um hospital católico.
Na minha vida como pediatra, acompanhei dois casos de crianças abandonadas nas ruas de São Paulo, há mais de 20 anos. Naquele tempo, as duas crianças foram jogadas em lixeiras, pois não existia mais a roda. Na época, não existiam câmeras de vigilância e acredito que as mães nunca foram localizadas e as crianças acabaram adotadas legalmente por funcionários do hospital.
A roda foi retirada por ser considerada uma vergonha para a cidade nos anos 1950, já que após a criação da ONU, as “rodas” que existiam na Europa desde o século XII foram abandonadas por pressão dos novos tempos e, pelo que me consta, a da Santa Casa de São Paulo foi a última a parar no Brasil.
Triste o país onde isto acontece. Uma mãe, que no desespero de não perder o emprego, esconde a gravidez dos patrões e, depois de ter tido a criança, alimentou-a, limpou-a e a vestiu para, em seguida, colocá-la em uma sacola e deixá-la na roda ou na caixa em um hospital.
Há caixas para bebês abandonados espalhadas pelo mundo há séculos e sobrevivem hoje, por exemplo, na Alemanha, Bélgica, Coreia do Sul e Estados Unidos. Seu retorno em alguns países europeus no início dos anos 2000 e agora no Japão foi criticado pela ONU, que a considerou “contra o direito da criança de ser conhecida e cuidada por seus pais”.
De acordo com o médico, as crianças acolhidas são resultado de prostituição, estupro ou incesto e suas mães não têm uma rede de apoio. Ao todo, 161 bebês e crianças pequenas foram deixadas em Jikei desde 2007.
Há mulheres que têm vergonha e muito medo pelo sentimento de “ter feito algo horrível” por terem engravidado. Precisamos melhorar muito como sociedade para criar condições mais justas e igualitárias, não só aqui no Brasil – até mesmo nas mais ricas – para que essas situações não precisem acontecer.
Fontes:
‘Caixa para bebês’ abandonados no Japão, uma ideia controversa que salva vidas
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