Na minha família sempre existiu o costume de trocar presentes nas ocasiões que considerávamos especiais, basicamente aniversários e Natal. Eu, talvez por ser leonina, talvez porque ganhar presente tem mesmo um lado gostoso, sempre fui meio apegada ao que ganhava e ansiava muito pelos eventos, principalmente para saber o que ganharia. Apego mesmo. Lembro-me de uma vez em que minha primeira madrinha, a Sonia (que sempre me deu presentes bem legais) me deu de presente uma ou duas perucas. Estas eram bem similares ao cabelo humano, curtas e meio loiro-grisalhas. Saí correndo, me tranquei no banheiro e chorei. Aquilo foi muito difícil para mim, tamanha era minha expectativa.
Enfim, o tempo passou, continuei a ganhar presentes, mas recentemente comecei a desapegar. Um novo movimento começou em mim. Nesses eventos, um desejo de dar menos importância às coisas e mais às pessoas que estavam à minha volta celebrando.
Nesse caminho, também ganhei três sobrinhos e dois afilhados e a vontade de presenteá-los é intensa, mas deixei de ter vontade de presenteá-los com coisas. Eis que em maio de 2015 encontrei uns amigos numa festa que me contaram que não davam mais presentes-matéria para as crianças com quem conviviam, davam experiências.
Dia 30 de agosto desse mesmo ano meu afilhado fez aniversário e, inspirada na ideia, resolvi dar para ele uma manhã na minha casa fazendo panquecas, que ele ama – receita da Lóli, minha outra madrinha.
Logo que chegou, Tomás andava pela casa, olhando pelos cantos escondidos, procurando algo. Eu sugeri começarmos as panquecas e ele: “Não, Dinda, tem outro presente, não são só as panquecas.” Ele visivelmente procurava uma caixa, um embrulho, um objeto. Eu insisti: “O presente é cozinharmos juntos!”. Quebrar padrões exige persistência! A manhã foi deliciosa. Cozinhamos juntos, comemos muita panqueca, ele ainda levou de lanche algumas e fizemos uma versão minúscula para os amigos da escola.
Quando comecei a escrever esse texto algumas memórias começaram a pipocar, e lembro-me como se fosse hoje do ritual que fazíamos na casa dos meus pais nos aniversários: primeiro que não era um dia, era a semana do aniversariante e, nas manhãs, cada um era acordado com uma bandeja de café-da-manhã (obviamente com comidas preferidas), um pequeno vaso de flores e o “presente”. O que ganhei todos esses anos não lembro, mas o café-da-manhã, o ritual, ficou gravado.
Em uma segunda-feira em que voltávamos do final de semana, uma das crianças da Ubá procurou-me para contar do programa incrível que tinha feito: andou de ônibus com a família. Ele estava muito, mas muito feliz.
As crianças, e nós, não precisamos de mais coisas, precisamos de presença. Por menos “o que você trouxe de presente?!” e mais encontros e rituais de celebração. Seguimos nesse caminho na Ubá. Tudo é mais simples do que imaginamos. E como já dizia o baiano que tanto escutei quando pequena: “a tua presença é a coisa mais bonita de toda a natureza”.
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Por Lilia Standerski, formada em Pedagogia pela Universidade de São Paulo. Trabalhou muitos anos como professora de Educação Infantil e cursou Pós-Graduação em Educação Lúdica no ISE Vera Cruz. Em agosto de 2015 abriu, junto com uma colega, a Casa Ubá (www.casauba.com.br), um lugar que desenvolve tempo e espaço para as crianças ampliarem a capacidade de compreender a si mesmas e aos outros por meio de brincadeiras e investigações que surgem nos encontros.
Atualizado em 3 de outubro de 2024