Instituto PENSI – Estudos Clínicos em Pediatria e Saúde Infantil

Obesidade e frustrações, como lidar?

Obesidade e frustrações, como lidar?

Obesidade e frustrações, como lidar?

Sabemos que a obesidade infantil é um dos grandes problemas de saúde da humanidade atualmente. Sabemos que ela é causada por má alimentação (alto consumo de comidas “engordativas”) e também pelo excesso de ingestão. Mas e o lado psicológico? Por que surge uma criança obesa? Quais os fatores emocionais/relacionais que fazem com que se desenvolva? Vamos falar um pouco disso?

A primeira relação do bebê é com sua mãe. Ele não se sabe um “ser”, um corpo separado. O alimento, o seio, é seu ponto de contenção. Não entende o que se passa dentro de si e nem o que necessita. Aquela que cuida é quem lê suas necessidades e as sacia da forma que sabe fazê-lo. O vínculo começa a ser estabelecido e então todo o aprendizado desse novo ser começa a ser construído. É dessa relação que o bebê irá perceber suas faltas, suas emoções, e como lidar com elas. Aquele que não é saciado carrega uma experiência que o faz (inconscientemente) não se sentir merecedor, por exemplo. Ou de se satisfazer com pouco, de ser preterido… Da mesma forma, uma mãe que sacia demais seu bebê (não só na alimentação, mas também no cuidado) pode não apresentá-lo à falta, tão necessária para aprender a lidar com os desejos, criando assim uma criança que não sabe ficar só, que não sabe ser privada de algo que quer, uma criança que não desenvolveu saudavelmente seu emocional. Ok. Mas e a comida nisso?

O alimento é um objeto externo que, sabemos, prazeroso, e sobre o qual o sujeito exerce poder. Pode ser um substituto de afeto, funcionando como uma solução para aquilo que lhe faltou. Ou seja, a falta de afeto faz com que a criança procure externamente um objeto (a comida) que lhe preencha e complete. É uma forma artificial, um objeto de adição, que funciona como uma tentativa de suprir o que não tem ou não teve, o objeto materno que cuida. Oferece, inconscientemente, ajuda temporária, mas torna-se ao longo do tempo um moto difícil de ser largado pois cai no costume, na forma de viver da pessoa. Esse lado é talvez o mais conhecido. A compulsão alimentar, que leva à obesidade, é fruto de carência emocional, digamos assim. E, sem se desviar do foco psicológico, podemos perceber o quanto a mídia é poderosa e faz uso desse fim para vender aos pequenos prazeres em forma de alimento, prometendo alegria e felicidade.

Mas há também outro lado. O de excesso de cuidado. O da super-proteção. Da criança que não aprendeu a lidar com as frustrações da vida. Aquela que é fruto de um ambiente onde tudo lhe foi proporcionado, que não vivenciou a falta e que, portanto, não desenvolveu instrumentos que lhe permitam vivenciar frustrações, não conseguindo lidar com os aspectos desagradáveis da vida. A comida, nesse caso, entra não só como um possível substituto para isso, e também como aquele objeto sobre o qual não há freio. Ela nunca foi apresentada a limites, portanto não sabe quando parar. Nesse caso, há também um agravante futuro, pois no momento em que essa criança se torna obesa e tem que passar por restrições, não consegue fazê-lo, pois não aprendeu a tê-las. É uma bola de neve. Aquela criança que não desenvolve a necessária capacidade de lidar com a falta muitas vezes acaba por confundir sensações de tristeza, solidão, carência e desejos não realizados com fome, buscando no alimento a sua satisfação e perdendo a noção de saciedade.

Há também aquelas mães que respondem a todas as manifestações de seus bebês alimentando-os, “ensinando-os” que o alimento é a forma de solução. Cria-se, portanto, crianças que não sabem seus limites físicos, pois a ingestão torna-se algo para além da satisfação fisiológica, um a mais que leva à obesidade, pela falta de controle. O sujeito come pelo ato de comer, sem perceber a quantidade ou o que está comendo, já que isso encaixa-se em todas as situações emocionais, seja de alegria, seja de tristeza.

Portanto, temos na comida uma válvula de escape para vários aspectos, mas, se pararmos para analisar, ligados à frustração. Seja como uma forma compensatória de ter aquilo que não recebeu sob a forma de carinho, cuidado, amor. Seja por não saber lidar com os aspectos negativos da vida, como ansiedade, medo, fraquezas. Seja por não conseguir ter freio, a falta de controle, a frustração de não conseguir controlar nem mesmo aquilo que lhe faz mal. Indo além, futuramente a obesidade pode funcionar como uma muleta para que a pessoa não lide com seus demais problemas ou frustrações, transformando seu excesso de peso no foco central de todas as suas dificuldades.

Crianças fisicamente saudáveis não nascem obesas. São frutos de sua criação, de suas experiências, dos vínculos que viveram e da forma que encontraram para lidar com eles, representando-os de forma “não saudável”, digamos assim, na sua relação com a comida e aquilo que ela lhe proporciona. Lembrando sempre que cada ser é único, um sujeito com suas características, personalidade, peculiaridades e que enxerga e sente o mundo de seu modo, nas suas fantasias, que podem ser ou não reais. Portanto, não se pode dizer que toda criança obesa é fruto de má-criação, nem sentir-se culpado por ter um filho acima do peso, afinal os pais, de modo geral, fazem o melhor possível, mas ajuda ter em mente os aspectos levantados acima.

Para concluir, é importante chamar a atenção de que, quanto mais tardiamente a obesidade (ou sua tendência) for abordada a nível psicológico, mais difícil será sua solução, pois já estará mais enraizada e “calcificada” na pessoa, que já estabeleceu esse modo de funcionamento psíquico.

Leia também: Obesidade entre adolescentes

Matéria: Instituto Pensi

Fonte: SPADA, Patricia Vieira. Obesidade Infantil – Aspectos Emocionais e Vínculo Afetivo Mãe/ Filho. Rio de Janeiro; Livraria e Editora REVINTER Ltda, 2005

Por Letícia Rangel, psicóloga

Atualizado em 13 de agosto de 2024

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