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Individualizar os tratamentos de pacientes com bronquiolite e sibilância recorrente é a melhor forma de ampliar sua eficácia e reduzir custos do sistema de saúde, defende o pneumologista e pediatra Carlos Enrique Rodriguez Martinez — participante do Encontro Multidisciplinar de Doenças das Vias Aéreas do 6º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil
Bastou o vírus da covid-19 dar uma trégua para começarem a reaparecer outros que causam epidemias sazonais e costumam lotar a agenda de pediatras e prontos-socorros infantis. Um dos maiores vilões é o vírus sincicial respiratório (VSR), motivo importante de hospitalização de bebês e um dos líderes de mortalidade infantil. Segundo estudo publicado na revista The Lancet em 2017, no ano de 2015 houve cerca de 30 milhões de casos de infecções agudas do trato respiratório inferior no mundo, levando a mais de 3 milhões de internações e a cerca de 60 mil óbitos hospitalares de crianças menores de cinco anos.
O pneumologista pediátrico dr. Carlos Enrique Rodriguez Martinez, professor assistente de epidemiologia clínica da Universidad El Bosque, em Bogotá, na Colômbia, é um dos expoentes da pesquisa clínica na América Latina, sendo coautor em 117 artigos científicos nos últimos 15 anos. Sua especialidade é a bronquiolite, uma das patologias respiratórias mais comuns na infância, responsável por altas taxas de internação e custos expressivos aos serviços de saúde. O grande problema: não existem tratamentos recomendados para a doença, e uma vacina contra o vírus ainda está sendo desenvolvida. Rodriguez Martinez traz para duas mesas do 6º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil uma abordagem ampla sobre o surgimento de fenótipos clínicos de bronquiolite que sinalizam mudanças no diagnóstico e tratamento dessa enfermidade. Sobre esse tema, os principais desafios e o futuro da área de doenças respiratórias ele conversou nesta entrevista a Notícias da Saúde Infantil.
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Notícias da Saúde Infantil — A pandemia mudou comportamentos e chamou a atenção para as infecções respiratórias. Alguma coisa mudou para melhor?
Carlos Rodriguez Martinez — Para diminuir a contaminação pelo vírus da covid-19 foram tomadas medidas de saúde pública, como lavagem mais frequente das mãos, uso de máscaras, isolamento, restrição da mobilidade e fechamento das escolas. Isso seguramente teve impacto para diminuir a probabilidade de contágio de outros vírus. Como consequência, mudou o comportamento deles, por exemplo o vírus sincicial respiratório, o que mais causa a bronquiolite. Nos Estados Unidos, a incidência da doença sempre aumentava no outono e no inverno, mas em 2021 não houve esse aumento. Ele aconteceu depois, na primavera e no verão. Essa mudança ocorreu em muitas partes do mundo. Na pandemia aprendemos que as medidas de saúde pública são uma excelente maneira de diminuir a circulação dos vírus.
Notícias da Saúde Infantil — A bronquiolite é uma das doenças mais comuns nas emergências e internações de hospitais infantis. Quais são as descobertas recentes sobre a enfermidade e seu tratamento?
Carlos Rodriguez Martinez — A bronquiolite viral é uma doença de alta incidência e talvez a causa mais frequente de hospitalização em pacientes menores de um ano. Gera grande quantidade de carga assistencial e econômica, pois tem alta morbidade e traz custos importantes para o sistema de saúde e para as famílias. É um tanto frustrante o fato de se ter considerado por muito tempo que praticamente nenhum dos medicamentos disponíveis funciona contra a bronquiolite. Apesar de os pediatras usarem alguns medicamentos, em muitas partes do mundo os guias de prática clínica de manejo da doença indicam que nenhum fármaco é adequado. Em anos recentes, tem-se descrito que nem todos os pacientes afetados com bronquiolite apresentam a mesma doença, ou seja, ela é heterogênea. As crianças mostram diferentes manifestações, graus de gravidade, expressão molecular, quadros diversos de prognóstico a longo prazo, e parece que as diferentes classificações da doença podem ter respostas diferentes a certos medicamentos. É o que nós chamamos de diferentes fenótipos da bronquiolite. Ainda que faltem estudos mais conclusivos, alguns deles poderiam responder a certos medicamentos que, de forma clássica, não eram recomendados. Esse tema abre uma oportunidade para avaliar os pacientes de maneira cada vez mais individualizada.
Notícias da Saúde Infantil — Quais são os medicamentos antes não recomendados e que hoje podem ser usados?
Carlos Rodriguez Martinez — Revisamos os guias de práticas de vários países e nenhum deles recomenda Salbutamol ou Albuterol. Mas há relatos de que os clínicos e os pediatras usam esses medicamentos por intuição ou porque acham que para alguns pacientes poderiam funcionar. Quem responde bem ao Salbutamol são pacientes com características similares aos dos asmáticos. Eles têm mais idade, foram expostos ao rinovírus, têm sibilâncias na auscultação e antecedentes familiares como atopia ou alergia. Defendemos que, enquanto esperamos uma evidência mais conclusiva, é válido fazer uma prova terapêutica, que consiste em administrar o medicamento e verificar se a resposta é adequada para seguir com ele até o restante do episódio. É um teste para saber se o remédio faz efeito ou não.
Notícias da Saúde Infantil — Que tipo de estudos você vai mostrar no Encontro Multidisciplinar de Doenças das Vias Aéreas, durante o congresso?
Carlos Rodriguez Martinez — Crianças de dois a cinco anos têm episódios de sibilância, o que chamamos de sibilâncias recorrentes. Estas requerem um enfoque diferente. A segunda conferência que farei é sobre os fenótipos dos pré-escolares com essa síndrome. Os pacientes têm diferentes características e já temos evidência de que alguns fenótipos apresentam uma melhor resposta aos esteroides inalados, os mesmos que funcionam em escolares asmáticos. Há outros que se beneficiam de outro tipo de medicamento, como o Montelucaste. Vamos mostrar os diferentes fenótipos de pré-escolares com sibilância recorrente e quais características tornam mais provável que funcione uma determinada classe de medicamentos e não outra.
Notícias da Saúde Infantil — Sabemos que a bronquiolite não é uma doença comum nos Estados Unidos ou na Europa, mas é muito comum no Brasil. Também é frequente na Colômbia? Quais são os principais motivos?
Carlos Rodriguez Martinez — A bronquiolite e a sibilância recorrente estão presentes em todo o mundo. A diferença entre os países, mais do que a incidência ou a frequência, é a probabilidade de hospitalização, de chegar a cuidados intensivos ou à ventilação mecânica assistida — e até mesmo de morrer da doença. Quanto mais baixo o rendimento per capita, pior a situação. Na esteira dos problemas socioeconômicos vem o precário acesso à saúde, à atenção médica, à educação. Sem esse acesso, perde-se o momento ideal de consultar o médico quando a criança está doente. A poluição é um fator importantíssimo e está associado à morbidade e a problemas respiratórios. Além dela, há a parte genética, ambiental, a estação do ano… É uma questão multifatorial. Alguns estudos sugerem que a contaminação ambiental atinge mais a parte respiratória das pessoas com desvantagens econômicas.
Notícias da Saúde Infantil — Existem estratégias na Colômbia, de saúde pública, que visam à prevenção de doenças respiratórias como bronquiolite?
Carlos Rodriguez Martinez — Sim, temos algumas políticas de saúde pública. Sobretudo quando aumentam os vírus respiratórios, há campanhas educativas na televisão, que pedem que se evite o contato dos bebês com pessoas com infecção respiratória, que se lavem as mãos. Nessa época todos os serviços médicos se enchem, há mais contratações de pessoal de saúde e leitos adicionais. É preciso saber quando aumenta a circulação dos vírus para acionar um sistema de vigilância de saúde pública, para haver prevenção e preparar toda a infraestrutura hospitalar. Aprendemos com a pandemia que as restrições controlam bem os vírus respiratórios. Então, em alguns momentos mais difíceis, poderíamos restringir um pouco a ida à escola presencial, mas não é algo que estamos fazendo.
Notícias da Saúde Infantil — Existem novos medicamentos antivirais usados para tratar a fase aguda da doença?
Carlos Rodriguez Martinez — Não, no momento temos para a bronquiolite a imunização passiva com Palivizumab, um anticorpo monoclonal feito com tecnologia de DNA recombinante. Ela é utilizada para crianças com mais risco de ter enfermidade grave diante do vírus sincicial respiratório. É o caso dos prematuros, dos bebês com deficiências cardíacas, compromisso imunológico ou problemas neuromusculares. As aplicações de Palivizumab reduziram a gravidade dos casos de infecção em crianças com fatores de risco.
Notícias da Saúde Infantil — E as vacinas nessa área?
Carlos Rodriguez Martinez — Atualmente estão sendo feitos estudos e acredito que entre um e três anos vamos ter vacinas no mercado. Não estou envolvido diretamente em nenhum dos estudos para recrutar pacientes, mas sei que há uma vacina contra o VSR para ser aplicada em mulheres grávidas, como forma de proteger o recém-nascido. E também está a caminho uma imunização passiva, similar ao Palivizumab, mas em vez de ter cinco doses, ele é administrado em uma única dose. São as duas que estão em fases finais e devem ser comercializadas em breve.
Notícias da Saúde Infantil — Qual é a importância de publicar suas descobertas na pesquisa clínica? Qual a relevância de colaborar com profissionais médicos na Colômbia e no exterior?
Carlos Rodriguez Martinez — Um clínico que investiga e publica está preocupado em conhecer e tratar melhor da saúde dos pacientes e em melhorar seu entorno, sua cidade, seu país, seu meio. As pesquisas clínicas são absolutamente importantes, e o esforço envolvido é tão grande que, se elas não são publicadas em uma revista indexada, esse trabalho se perde. Publicar é uma forma de divulgar o trabalho para cientistas e clínicos de todo o mundo. É muito importante ter colaboração com pesquisadores de outros centros, outras cidades e países. Isso aumenta muito a validação externa e a possibilidade de generalizar os resultados da investigação. Ainda não tenho publicações em conjunto com pesquisadores no Brasil, mas estou perto de fazer isso com o dr. Gustavo Wandalsen (professor adjunto da disciplina de alergia, imunologia clínica e reumatologia do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina/Unifesp e assessor científico do Instituto PENSI) e espero que seja apenas o começo da colaboração com os brasileiros. Estou totalmente convencido de que a investigação é muito importante e necessária, e muitas das pesquisas de que dispomos na atualidade provêm de países como os Estados Unidos e da Europa. Necessitamos de mais investigações em nossos países, porque temos certas particularidades sociais, econômicas, genéticas e ambientais, ou seja, nem tudo que estudamos ou aprendemos nos países mais desenvolvidos pode ser aplicado na América Latina. Acredito que só por meio de pesquisas podemos enfrentar esse tipo de doença, melhorando o prognóstico, o tratamento, a qualidade de vida e a saúde dos pacientes.
Notícias da Saúde Infantil — Como você imagina o futuro da área de doenças respiratórias?
Carlos Rodriguez Martinez — Estamos vendo cada vez mais tratamentos adequados a cada paciente, e isso não apenas nas doenças respiratórias. O futuro é o que chamamos de medicina individualizada ou medicina de precisão. Certas características ou biomarcadores nos indicam que um paciente tem melhor resposta a um medicamento do que a outro e se ele tem risco ou não de ter complicações. Vamos tratar de forma diferente os pacientes, de maneira muito mais personalizada, e por isso com custos mais efetivos. Se eu administro um medicamento com maior probabilidade de funcionar, o paciente vai melhorar mais rápido, tem menor risco de internações, consultas e reconsultas e de gastos ao sistema de saúde.
Por Rede Galápagos
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