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Crianças equilibristas
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Crianças equilibristas

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24/10/2017
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“Uma criança com paralisia cerebral é como a maçã de Newton, que, caindo, revela os mecanismos secretos de funcionamento do mundo. A metáfora perfeita da história da humanidade. Davi contra Golias. Dr. Jeckyll contra Mr. Hyde.”

Diogo Mainardi em “Uma metáfora perfeita” e “Meu pequeno búlgaro”

Diogo Mainardi é um escritor e colunista brasileiro. Polêmico em seus temas, ele tem uma pena afiada contra políticos corruptos, ataca-os sem dó. Admiro muito suas crônicas, sempre divertidas e irreverentes. Mainardi também tem um filho com paralisia cerebral. Ao contrário dos políticos, ele o defende bravamente contra o descaso de uma sociedade pasteurizada, que não respeita os deficientes. Admiro-o muito mais por isso.

Em comum, lutamos de maneira diferente, lógico, por uma sociedade mais justa pelas pessoas com deficiência.

Não tenho a verve literária do Mainardi, mas uso minhas mãos também para defender os deficientes, sou um dentista de “pessoas com necessidades especiais” e também apoio a campanha #dentistadepessoas, não apenas de dentes. Não produzo artigos em profusão, mas tento produzir sorrisos mais alegres e saudáveis, e um sorriso bonito contribui para o desenvolvimento da imagem social, que é essencial para inclusão e autoestima das pessoas.

Assim como o filho do escritor, existem milhares de pessoas que convivem com a paralisia cerebral, essa condição debilitante, que ocorre no início da infância e persiste no tempo, afeta o cérebro, e produz sequelas que comprometem de modo permanente o movimento do corpo e a coordenação muscular. Podem ocorrer cegueira, surdez e atraso intelectual. O equilíbrio é afetado e muitas necessitam cadeiras de rodas ou apoio para locomoção. Não existem alterações odontológicas específicas, mas a má oclusão e a doença cárie são bastante comuns, além dos tombos inevitáveis que trazem traumas faciais e bucais que assustam bastante.

Paralisia cerebral é um termo que dá medo, ela tem um impacto tão grande como o câncer ou outra doença temida, e pior, ela é incurável. Mas se a paralisia cerebral para algumas pessoas tem agravos sérios, para outras, às vezes, parece imperceptível.

Atendo crianças sem deficiência e crianças com deficiência. Do ponto de vista prático, são crianças que dão trabalho para qualquer profissional. Do ponto de vista emocional, quando o dentista concluir uma consulta de uma criança com deficiência, ele saberá que o sentimento de desafio foi vencido e o fará sentir melhor consigo mesmo por ter ajudado um paciente tão… Especial.

A deficiência mais comum em nosso meio é a paralisia cerebral, estima-se que no Brasil, por ano, nasçam mais de 40.000 crianças com essa condição. É muita criança para ser deixada ao largo. São muitos sorrisos a se conquistar.

As crianças com paralisia cerebral têm feito parte de minha rotina profissional há mais de trinta anos, convivo com elas e com suas famílias e sei das dificuldades que elas têm para encontrar dentistas que as atendam. Nesse longo tempo cuidando dessa turma, já encontrei de tudo e posso lhes garantir: elas mais me ajudaram do que eu as ajudei. Elas me fizeram ter uma visão diferente do mundo. Ter mais paciência com as coisas e saber que as conquistas acontecem aos poucos, um dia de cada vez. Meu preceptor, quando cheguei na AACD em 1986, me dizia: Reynaldo, para essas crianças, às vezes, o primeiro passo é como vencer uma maratona. Sei bem o que é isso, corri 17 maratonas e vencer beira o impossível. Essas crianças fazem o impossível. É preciso respeitá-las e às suas famílias que batalham, lutam diuturnamente para buscar uma melhor qualidade de vida para seus protegidos.

Recentemente fui convidado a escrever um capítulo sobre Paralisia Cerebral no livro “Odontologia Especial”. Essa honra a mim concedida pela Professora Dra. Tatiane Marega, coordenadora dessa obra, que já é um marco na literatura odontológica brasileira, me encheu de orgulho e alegria. Pude transcrever um pouco do que aprendi ao longo desses anos com esses pacientes. Eles foram meus mestres, em cada tentativa frustrada de tentar abrir aquela boca irascível, em cada insucesso de uma restauração quebrada, em cada mordida que eu levava, em cada lágrima que caía, ali eu aprendia, e tentava em contrapartida, de teimoso, produzir mais sorrisos lindos e mais alívio para os pais e cuidadores.

Sempre trabalhei com fé de dias melhores na busca pertinaz por soluções eficazes para meus pacientes. De uma maneira espiritual, até na crença de uma possível cura. Ainda assim, confio que o progresso da ciência possa nos trazer surpresas agradáveis para esses guerreiros e guerreiras, um modo de facilitar suas vidas. Bem, se isso não acontecer, paciência, pelo menos passei a acreditar mais na força do amor. Amor por essas pessoas (des)equilibradas…

Leia também: Paralisia Cerebral

Por Dr. José Reynaldo Figueiredo, pai da Marina e do Lucas. É responsável pela Clínica Sorrisos Especiais (sorrisosespeciais.com.br). Presidente da Associação Brasileira de Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais – ABOPE. Especialista em Odontopediatria, Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais e Implantodontia. Mestre em Odontologia Social e Doutor em Ciências Odontológicas, pela FOUSP. Escreve para o Portal Local Odonto, adora correr maratonas e ser dentista de crianças.

Atualizado em 6 de novembro de 2024

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