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“Mentir para si próprio é sempre a pior mentira.” Renato Russo
“A verdade que fere é pior que a mentira que consola.” Chico Xavier
“É verdade que se mente pela boca, mas a careta que se faz ao mesmo tempo diz, apesar de tudo, a verdade.” Nietzsche
“Uma mentira pode salvar seu presente, mas condena seu futuro.” Buda
O dia 1º de abril é considerado o Dia da Mentira, também conhecido como Dia dos Tolos. Estreou no Brasil em 1848, quando um jornal chamado “A Mentira” noticiou o falecimento de D. Pedro II, porém desmentiram no dia seguinte tamanha confusão provocada. Essa tradição francesa do século 16 espalhou-se pelo mundo, mas na Espanha e outros países hispânicos, como México e Chile, a data é comemorada no dia 28 de dezembro, que é o Dia dos Santos Inocentes.
A verdade é que a mentira virou uma epidemia, mente-se à vontade, mentirinhas e grandes mentiras. Um estudo de uma universidade americana estima que as pessoas mentem em média 200 vezes ao dia. Claro que aí estão aquelas mentiras diplomáticas, ditas para incentivar as pessoas ou para não ferir alguém, mas também existem aquelas que são graves e causam grande mágoa. Contudo, não estamos isentos dessa mania, seja pelo bem, seja pelo mal.
Isso acontece no dia a dia do consultório dos dentistas, seja com mentirinhas ou meias-verdades (que no fundo são também mentiras). Mentem os dentistas, mentem os pacientes, isso parece fazer parte do folclore nacional.
O dentista, esse profissional íntegro, impoluto, virtuoso, também mente. Talvez a mentira mais famosa, mais comum, seja: “Não vai doer nada”. Claro que vai. Se for realizada uma cirurgia, ou outro procedimento invasivo, pode não doer, mas vai incomodar. Mas, convenhamos, é uma mentirinha do bem. Como dizer para uma criança na hora da anestesia que ela vai doer? Não dá. A criança, se não pular da cadeira, vai cair na choradeira e haja psicologia para retomar o caso. Para crianças maiores, eu já tenho uma outra abordagem, digo que vai doer mesmo e muito, mas exagero tanto que aí a criança fica desconfiada e levamos na brincadeira, é uma maneira de baixarmos as expectativas e costuma dar bastante resultado. Com experiência de mais de trinta anos de consultório com crianças, uso algumas técnicas bastante eficazes, mas uma em especial: olho nos olhos e falo a verdade. Com o tom de voz adequado, e a compreensão que do outro lado está um ser que não quer sofrer, tudo fica mais simples.
Outra situação com crianças no consultório são os prazos de execução do tratamento. Às vezes digo: “Isso vai ser rapidinho…”, mas às vezes não é. Crianças são volúveis, um dia estão bem, no outro não, e os mesmos procedimentos previstos para determinado prazo às vezes apresentam variáveis que ficam quase que impossíveis de serem seguidos à risca, mas faz parte.
Mas o paciente também mente, e como mente. A começar pela pergunta clássica: “Você escova os dentes?” Invariavelmente a resposta é sim, mas com uma olhadela na boca, a mentirinha é desmascarada. A quantidade de placa bacteriana (biofilme) joga aquela afirmação por água abaixo. O fio dental então… Não precisa nem mentir, a careta de constrangimento já entrega a possível lorota.
Contudo, existem situações em que as mentiras não caem bem, faltas contumazes que prejudicam o andamento do tratamento da criança trazem sempre um desconforto para o odontopediatra. Não se “matam” mais aquelas tias distantes e avozinhas, como antigamente, mas o índice de carros quebrados dos pacientes é maior que a média nacional, e esses dados aumentam consideravelmente em dias de chuva e tardes de sextas-feiras…
Bem, mentir, de maneira geral, não é uma virtude que nos devemos orgulhar, mesmo que isso seja da natureza humana. Nesses novos tempos, nesse mês da verdade, em que estamos passando o Brasil a limpo, tempo que as mentiras estão sendo reveladas e a esperança de melhores dias começam a nos animar, seria muito bom se fôssemos mais sinceros, mais verdadeiros. E quem não quiser viver esses novos tempos, que vá embora para viver sua própria mentira. Sorrisos e olhares verdadeiros agradecem.
Leia também: A esperança por um fio
Por Dr. José Reynaldo Figueiredo, pai da Marina e do Lucas. É responsável pela Clínica Sorrisos Especiais (sorrisosespeciais.com.br). Presidente da Associação Brasileira de Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais – ABOPE. Especialista em Odontopediatria, Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais e Implantodontia. Mestre em Odontologia Social e Doutor em Ciências Odontológicas, pela FOUSP. Escreve para o Portal Local Odonto, adora correr maratonas e ser dentista de crianças.
Atualizado em 29 de novembro de 2024