Instituto PENSI – Estudos Clínicos em Pediatria e Saúde Infantil

Dificuldades de aprendizagem em crianças pequenas

A Sociedade Pediatria de São Paulo realiza, ao longo do mês de junho, uma campanha sobre dificuldades de aprendizagem. De fato, trata-se de um importante problema a ser conhecido, observado e enfrentado por pediatras, educadores e pais das crianças. Quanto mais cedo for percebido e tratado, melhor para todos.

Usualmente, dificuldades de aprendizagem são mais evidentes em crianças acima de 6 anos, ou seja, que já frequentam a Escola Fundamental. Além disso, são confundidas com transtornos neurológicos designados pelo prefixo dis: como discalculia, disfasia ou disgrafia, dadas as dificuldades que as crianças expressam para a aprendizagem do ler, escrever, falar ou contar.

Neste texto, vamos refletir sobre a questão das dificuldades de aprendizagem considerando as crianças pequenas (com até seis anos de idade) e seus pais ou cuidadores no âmbito da casa, isto é, no contexto familiar. E o faremos por meio de cinco considerações “teóricas” e, igualmente, cinco sugestões “práticas” dirigidas sobretudo àqueles cujas crianças pequenas apresentem dificuldades de aprender o esperável neste primeiro momento de seu ciclo de vida.

Considerações “teóricas”

  1. Dificuldades de aprendizagem usualmente têm como parâmetro domínios cognitivos, físicos, sociais e emocionais que as crianças, em média, dominam em certa idade. Ou seja, a faixa etária serve de referência, pois, em média, crianças sem dificuldades de aprender dominam tais habilidades nessa idade específica. A dificuldade, então, expressa uma defasagem ou limitação da criança realizar certas tarefas apesar de já ter tempo de vida suficiente para isso. Mas, tratam-se de referências gerais e estatísticas. Cada caso particular de dificuldade deve ser analisado por um profissional da saúde com competência para avaliar e tratar tal problema. O geral e o estatístico apenas atentam para a questão.
  2. Dificuldades físicas. Crianças têm direito e, portanto, necessidade de explorar, expressar e conhecer seu corpo. Elas o realizam por meio de gestos e movimentos sensoriais-motores. Dificuldades físicas se referem a diversas limitações de algumas crianças para essas realizações. Além disso, podem estar relacionadas a problemas de alimentação, de sono e ao bom funcionamento orgânico e neurológico do corpo, seus movimentos e sensações.
  3. Dificuldades afetivas. Os primeiros anos de vida são fundamentais para as crianças estabelecerem vínculos de confiança e amor em relação aos adultos que cuidam delas. Infelizmente, há crianças que têm dificuldades para isso, seja por razões pessoais (transtornos ou distúrbios que afetam relações vinculares com pessoas ou objetos), seja porque os estímulos afetivos a serem providos pelos adultos, são insuficientes, ausentes ou abusivos. O desfecho, dentre outros, é uma dificuldade para desenvolver autonomia ou criar auto-estima.
  4. Dificuldades cognitivas. Aprender supõe dominar muitos desafios cognitivos. No primeiro ano de vida, o mais importante deles é a integração sensorial-motora. Trata-se, neste caso, de adaptar os reflexos biológicos em suas interações com pessoas e coisas. Como mamar, por exemplo, que é um reflexo, mas que não prevê as condições “externas”, por assim dizer, como o tipo de mama e o corpo da mamãe. Essa interação vai sendo construída aos poucos. Além disso, trata-se de organizar as atividades dos órgãos sensoriais e da motricidade, coordenando-as até formarem um sistema em que as partes diferenciadas se integram em um todo. Em seguida, só para citar os desafios mais importantes, trata-se de aprender a andar, falar, construir imagens mentais, praticar o controle inibitório ou autorregulação, desenvolver flexibilidade cognitiva. Em todos esses casos, dificuldades de aprendizagem ou de desenvolvimento podem acontecer, algumas delas demandando cuidados profissionais.
  5. Dificuldades sociais. Apesar de sua especificidade, dificuldades sociais se combinam com as anteriores. No primeiro ano de vida, só para citar um exemplo, a criança depende, para sua sobrevivência, crescimento, desenvolvimento e aprendizagem, de adultos confiáveis, cuidadores e amorosos. Aprender a conviver e a interagir com eles pode encerrar muitas dificuldades, seja por parte das crianças, seja por parte dos adultos. Andar, falar, imitar e brincar são domínios que pressupõem um ambiente social generoso, atento e protetor. Assim, a criança pode, aos poucos, desenvolver autoestima e autonomia ao mesmo tempo que assimila características sociais, culturais e antropológicas da família e da sociedade em que vive. Mas tudo isso pode envolver dificuldades de ambos os lados (da criança e das outras pessoas com as quais se relaciona). 

Sugestões “práticas”

  1. Caderneta da Saúde da Criança. A Caderneta da Saúde da Criança — versão menino ou menina — é um precioso manual a ser lido, registrado e valorizado por pais e mães de crianças e jovens. Ela fornece espaço para anotações e acompanhamento do desenvolvimento físico e dá sugestões e apresenta referências valiosas sobre os processos de desenvolvimento das crianças e jovens. Os pais podem se valer dela para observarem eventuais dificuldades de seus filhos ao pleno desenvolvimento de suas habilidades.
  2. BNCC – Educação Infantil. Mesmo que a Base Nacional Comum Curricular tenha sido proposta para professores e gestores, pais e mães ganhariam muito, em proveito do melhor para seus filhos, lendo e refletindo o que lá é proposto para a Educação Infantil. Destaco em especial os direitos de aprendizagem e os campos de experiência. É que dificuldades de aprendizagem expressam justamente a impossibilidade ou limitação da criança para usufruir de tais direitos e experiências. Na BNCC – Educação Infantil os direitos de aprendizagem são: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e se conhecer. Os campos de experiência são: o eu, o outro e o nós, corpo, gestos e movimentos, traços, sons, cores e formas, oralidade e escrita, espaços, tempos, quantidades, relações e transformações.
  3. Conhecer, observar e enfrentar. A tríade — “conhecer, perceber e enfrentar” — proposta pela Sociedade Paulista de Pediatria para a campanha Junho-Púrpura/Dificuldades de aprendizagem, de fato, é muito sábia. Cuidadores de crianças pequenas precisam conhecer, saber observar sinais e enfrentar o problema, buscando ajuda e orientação, no caso dos pais. Ademais, na internet, podem encontrar textos, vídeos e outros materiais que informam e discutem o assunto.
  4. Enriquecer os estímulos ambientais. O termo “dificuldades de aprendizagem” corre o risco de se supor que “dificuldades” são sempre das crianças. Em uma visão interacionista, contudo, dificuldades podem se localizar na pobreza, insuficiência ou pouca qualidade dos estímulos ambientais, ou seja, daquilo que crianças com tais dificuldades recebem de seus pais ou educadores bem como pouca ou má qualidade dos recursos materiais que elas necessitam para se relacionar com as coisas do mundo. Em outras palavras, às vezes a dificuldade não é só da criança, mas sim também do ambiente em que ela vive. Crianças precisam de estímulos “ricos” ao seu desenvolvimento e aprendizagem. É certo que a dificuldade pode estar relacionada à pouca sensibilidade de resposta da criança a estes estímulos. Por outro lado, os estímulos podem ter problemas de qualidade ou de quantidade, isto é, serem insuficientes ou, até mesmo, prejudiciais.
  5. Não se isolar, nem perder a esperança. Dificuldades de aprendizagem, sobretudo em crianças pequenas, afligem os pais, que se sentem com poucos recursos para lidar com o problema. Por isso é muito importante que possam recorrer a uma ajuda profissional qualificada. Isolar-se e perder a esperança não são o melhor a fazer neste caso. 

Considerações finais

Dificuldade é uma equação que expressa um desnível entre capacidade ou a condição (física, neurológica, social, emocional ou cognitiva) da criança responder a uma tarefa ou desafio, considerando o nível em que ele é proposto ou esperado que ela o domine. Tal desnível, além de implicar dificuldades de aprender, produz diversas formas de reação socioemocionais por parte da criança: desânimo, apatia, preocupação, raiva, sentimento de incapacidade, ansiedade.

Crianças pequenas “precisam” ser – por natureza – egocêntricas, ou seja, estar voltadas para o desenvolvimento e a aprendizagem dos temas acima mencionados. Esta autocentração é crucial para que possam enfrentar e superar os imensos desafios de se tornar um ser humano, organizado internamente e socialmente adaptado. Por isso, crianças pequenas supõem adultos cuidadosos, amorosos, presentes e capazes de doarem o melhor de si em favor do melhor para elas, no combinatório das possibilidades de sua expressão. Além disso, supõem adultos capazes de compreender, conviver e perdoar as dificuldades que elas, em alguns ou muitos pontos, possam ter de forma eventual ou crônica.

Sair da versão mobile