Ana Luiza Navas, nova integrante do Conselho Científico do Instituto PENSI, é professora titular do curso de fonoaudiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), coordenadora do Conselho Científico da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), membro do Conselho Superior da Fundação José Luiz Egydio Setúbal (FJLES) e foi coordenadora adjunta dos programas profissionais da área 21 (educação física, fisiologia, fonoaudiologia e terapia ocupacional) da CAPES (2018-22).
A interface entre saúde e educação fortalece o potencial de atuação do Instituto PENSI
Ana Luiza Navas sempre teve um olhar interdisciplinar, desde sua trajetória formativa: ela se graduou na faculdade de fonoaudiologia, defendeu mestrado e doutorado na psicologia e se aprimorou em estudos de linguística. Sua atuação se expandiu para além das áreas de saúde e educação e alcançou o terceiro setor, em que usou seus conhecimentos para impulsionar organizações sociais e divulgar e defender as necessidades de alunos com TDAH e dislexia. Professora titular do curso de fonoaudiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), ela foi convidada no final de 2022 para integrar o Conselho Científico do Instituto PENSI. “Existe muito potencial para a colaboração em pesquisa e para parcerias internacionais com instituições de ensino superior. É possível propiciar que alunos de diferentes cursos da saúde infantil possam fazer estágios fora, vivenciar outros cenários e trazer para o Brasil essas experiências. O PENSI pode liderar isso, sempre com esse olhar integral, de cuidar do bem-estar da criança e do adolescente”, diz a profissional, que, por mais de uma década, dirigiu a Faculdade de Fonoaudiologia da Santa Casa.
Ana Luiza também se envolveu e acompanhou de perto a tramitação da lei que garante recursos didáticos que apoiem os direitos de aprendizagem a alunos com TDAH e dislexia, que pode ser implementada como política pública federal. A professora atua alternando vários chapéus profissionais: o de orientadora de teses, o de consultora técnica e o de conselheira em fundações — há cinco anos faz parte do conselho da FJLES. “Todas essas ações dizem respeito a minha preocupação de compartilhar o conhecimento, seja no conselho, ou dando aula, ou envolvendo os alunos da graduação e da pós nas consultorias. Por mais que eu tenha múltiplas funções e atuações, elas se complementam.” A disponibilidade para participar de discussões importantes em sua área de especialidade — a fonoaudiologia educacional, que faz a interface da comunicação com a educação — a levaram por vários caminhos e valorizaram sua participação em conselhos. “Respeito muito quem faz pesquisa acadêmica, mas nunca fiquei limitada a ela. Para mim é essencial dar um retorno à sociedade, seja divulgando conhecimentos específicos, seja apoiando causas relevantes”, resume. Confira a entrevista da nova conselheira do Instituto PENSI a seguir.
Notícias da Saúde Infantil — De que maneira a fonoaudiologia contribui para o bem-estar e a saúde infantis e como foi seu avanço nas últimas décadas?
Ana Luiza Navas — A fonoaudiologia se desenvolveu muito desde a regulamentação da profissão no Brasil, em 1981. O mestrado e o doutorado, que surgiram em 1980 e 90, impulsionaram a área relacionada ao desenvolvimento infantil. Ela cuida de uma infância saudável, já que a fonoaudiologia atua no apoio à amamentação e alimentação do bebê, no desenvolvimento da linguagem, na escolarização e na aprendizagem. No nosso país há um foco importante não só na promoção da saúde e na prevenção de alterações da comunicação, mas no acompanhamento de transtornos do neurodesenvolvimento, como autismo e deficiências intelectuais. Mundialmente, o Brasil está entre os cinco países de maior desenvolvimento da área (os Estados Unidos figuram em primeiro lugar), com muita qualificação do serviço e das pesquisas. O fonoaudiólogo é sempre um dos profissionais envolvidos no cuidado e no desenvolvimento integral da saúde infantil.
Notícias da Saúde Infantil — Existe uma vertente de atuação na área da saúde e outra na educacional. Pode nos explicar?
Ana Luiza Navas — Há uma área mais clínica, da saúde, e existe a especialidade da fonoaudiologia educacional, que faz a interface da comunicação com a educação. Na minha atuação, por exemplo, lido com desempenho escolar e alfabetização. Dou apoio para entender as dificuldades das crianças e auxiliar os professores da educação infantil e dos anos iniciais da escolarização, para que o aluno possa atingir seu potencial. Mas trabalho com as duas vertentes: faço a intervenção clínica para quem tem déficit de atenção ou dislexia e alterações de linguagem que impactam na leitura e escrita, mas também dou orientações de cunho preventivo e pedagógico para professores sobre adaptações que podem melhorar a inclusão das crianças na escola.
Notícias da Saúde Infantil — Sendo uma especialidade que faz interface entre a saúde e a educação, de que forma a sua experiência na área de fonoaudiologia pode ampliar áreas de pesquisa e de atuação do Instituto PENSI?
Ana Luiza Navas — O Instituto PENSI tem como preocupação maior promover a divulgação de informações e pesquisas científicas que tenham cuidado com a saúde integral da criança, então a interface entre a saúde e a educação é exatamente o que o PENSI procura para entender quais as melhores condições de desenvolvimento, prevenção e identificação precoce dos distúrbios. Além de buscarem diferentes olhares que contribuam para o bem-estar físico da criança, o PENSI e a FJLES se preocupam também com o bem-estar social, as questões ambientais, a prevenção e a promoção da saúde, o cuidado com as famílias. O PENSI tem atuado em situações de vulnerabilidade que trazem risco ao desenvolvimento infantil, e a fonoaudiologia está próxima dessas ações.
Notícias da Saúde Infantil — Em dezembro de 2020 você passou em um concurso, tornando-se a primeira professora titular não médica componente da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP). Conte o que essa conquista representa para você como profissional e acadêmica e para a fonoaudiologia.
Ana Luiza Navas — É um momento muito emocionante na vida de todo professor, pois esse cargo indica o topo da carreira. Nesse caso, foi a primeira vez que se abriu essa vaga para o curso de fonoaudiologia, e eu cumpria todos os requisitos. Foi uma honra ser a primeira professora não médica, pois dentro de uma escola médica existem alguns professores titulares, e o número de mulheres é sempre menor. Meu currículo nunca foi extenso na publicação científica, mas a minha atuação no terceiro setor e todas as ações participando de organizações sociais chamaram muito a atenção da banca. Talvez pela relevância do tema e justamente pela interface entre saúde e educação, procurei entender como a minha pesquisa e o meu conhecimento poderiam ajudar aqueles que precisam.
Notícias da Saúde Infantil — E de que forma conseguiu ajudar?
Ana Luiza Navas — Sempre senti que poderia fazer mais e isso inclui trabalhar na divulgação do conhecimento para o público geral e, principalmente, colaborar para políticas públicas que pudessem ajudar crianças que não estavam aprendendo como deveriam. Atuei como consultora no início do Instituto ABCD, na época uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP), e depois fui presidente dessa organização, que dá apoio a crianças com dislexia, por alguns anos. Um dos principais objetivos era divulgar informação científica para famílias e profissionais de várias áreas. Acompanhei diversos projetos de lei e, sempre que alguém estava propondo algo na área, eu era chamada como consultora técnica. Até hoje continuo como consultora no ABCD. Mais recentemente, recebi o convite para ser conselheira da FJLES e, agora, do Instituto PENSI.
Notícias da Saúde Infantil — Considerando sua experiência como professora e ex-diretora de faculdade (de 2008 a 2019), quais considera as principais lacunas da formação em fonoaudiologia? Como o Instituto PENSI poderia sanar algumas delas?
Ana Luiza Navas — O curso de fonoaudiologia completou 20 anos na Santa Casa, e passei mais da metade deles como diretora. A maior dificuldade é acompanhar o desenvolvimento tecnológico, pois ele é muito rápido, e na graduação por vezes é difícil conciliar áreas distintas com todo tipo de aparelhos auditivos, técnicas de avaliação de audição, tecnologias assistivas diferentes. É uma corrida contra o tempo, pois o avanço do conhecimento técnico é mais veloz do que a atualização dos professores. Existem especialidades altamente técnicas e outras científicas, e por isso é necessário buscar o equilíbrio no corpo docente. No programa de pós-graduação, o mestrado profissional em saúde para a comunicação humana, reconhecido pela CAPES, tem vários mestres desenvolvendo produtos, ferramentas ou manuais de orientação como trabalho de conclusão. Acho esse tipo de formação bem interessante por ir ao encontro dos anseios da sociedade. Vejo o PENSI apoiando esse tipo de pós-graduação, além da possibilidade de fomento a projetos. A atuação do PENSI já é forte com autismo, mas há possibilidade de ampliá-la para outros quadros do neurodesenvolvimento, como déficit de atenção, e transtornos de aprendizagem, como a discalculia e a dislexia. Existem quadros de difícil diagnóstico que poderiam se beneficiar de centros de atendimento com olhar interdisciplinar. Há muito a fazer, pois nem sabemos as dimensões das sequelas da covid-19 em crianças, e será preciso acompanhá-las.
Notícias da Saúde Infantil — É possível pensar em um projeto de instituição de ensino superior com ênfase em saúde infantil, que ensine gestão hospitalar, enfermagem, fonoaudiologia e outras especialidades com foco na primeira infância? Quais os passos importantes para que o PENSI se consolide como IES?
Ana Luiza Navas — É perfeitamente possível, pois o PENSI tem experiência na formação continuada dos profissionais do Sabará Hospital Infantil e na formação de pesquisadores, além de receber alunos para estágio e residência médica. Existe potencial para uma residência multiprofissional e para especialização focada na saúde infantil. Desde o início do PENSI há essa preocupação com a capacitação e a divulgação de conhecimento de qualidade. Mas, por serem instituições (a FJLES e seus braços) eminentemente de saúde, a mudança para a área de educação exige toda uma burocracia para organizar esses cursos. Minha sugestão é começar com cursos de educação continuada, que demandam menos estrutura e laboratórios, para depois conseguir a certificação de IES para a graduação. A própria Faculdade de Ciências Médicas nasceu, em 1963, dentro do hospital Santa Casa, por anos palco de estágios dos estudantes da USP e da UNIFESP. O Hospital AC Camargo tem cursos de mestrado e doutorado de excelência com foco em oncologia, sem oferecer graduação em medicina. O PENSI tem tudo para ser uma referência em ensino relacionado à área da saúde infantil.
Notícias da Saúde Infantil — Após a instituição, em novembro de 2021, da Lei 14.254, que estabelece que as escolas devem assegurar aos alunos com TDAH e dislexia acesso aos recursos didáticos adequados ao desenvolvimento de sua aprendizagem, e que envolve ações dos ministérios da Saúde e da Educação, deve ser desenhado um plano nacional de acompanhamento integral dessas crianças e jovens na educação básica. Como o PENSI poderia colaborar para esse plano?
Ana Luiza Navas — Esse projeto de lei foi proposto em 2008, levou mais de dez anos para ser aprovado. Tive a oportunidade de ler o projeto inicial no Instituto ABCD, quando estava começando lá como presidente, a pedido do senador que tinha proposto, e fazer sugestões de modificação. Na relatoria da deputada Mara Gabrilli eu fui contatada para acompanhar o processo e escrevi o texto substitutivo com ajuda do assessor dela. O projeto passou por Senado, Câmara e Senado novamente e foi aprovado graças ao apoio de várias associações de pais. Um dos momentos mais emocionantes da minha carreira foi quando recebi o agradecimento público da Mara Gabrilli por acompanhar esse projeto e tirar todas as dúvidas das pessoas em relação a ele. Os objetivos incluem formar os professores para identificar os sinais de TDAH e dislexia e melhorar e qualificar o diagnóstico pelos profissionais da saúde. O PENSI poderia ser um centro de avaliação e acompanhamento dessas crianças, pois é possível minimizar o impacto das dificuldades sofridas em sala de aula e as consequências da falha no aprendizado da leitura, se elas tiverem diagnóstico precoce.
Por Rede Galápagos
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