Escutar uma criança nos dias de hoje pode parecer simples, mas não é exatamente uma tarefa fácil. Muitas vezes, por trás de uma simples fala, pode estar escondido um temor, uma dificuldade na escola, uma fobia, uma dor física (dor de ouvido, por exemplo), ou até mesmo algo mais grave como uma doença ou um trauma.
Alguns processos psíquicos que ocorrem principalmente na primeira infância (até, digamos, 4 ou 5 anos), são absolutamente esperados e necessários para uma constituição psicológica saudável. É impossível tornar uma criança imune a alguns sentimentos e sofrimentos negativos, como decepção pelo papai chegar tarde, ciúmes do amigo que agora só anda com o outro amigo, medo de armário aberto ou luz apagada, vergonha por fazer xixi nas calças etc.
A dificuldade de falar de uma criança não se dá somente por uma inibição ou problemas de desenvolvimento de linguagem. Entre balbuciar algumas sílabas e palavras, até o início da construção de frases e sentenças, existe um tempo onde o pequeno candidato a adulto não possui recursos de linguagem suficientes para traduzir o império de suas paixões: amor, raiva, angústias e demandas. É engraçado escutar uma criança usando palavras como “seu lâmpada”, “seu cara de xícara” para expressar uma raiva por exemplo. Nesse tempo ela usa os recursos que tem. As crianças são verdadeiros poetas buscando nos significados das palavras as representações de suas emoções.
Casa é casa. No entanto, “casa” para Maria é acolhedor, para o Pedrinho é aterrorizante, já para o João é algo que ele nunca teve. Para cada um deles “casa” tem uma significação diferente, particular, única. Isso vale também para os pais, onde a palavra “casa” remete a uma significação muito particular. Os problemas de comunicação entre pais e filhos se dão exatamente no campo da significação. “Eu falo, dou bronca, mas ele não me escuta” são falas exaustivamente comuns no consultório.
Escutar uma criança é diferente de ouvi-la. Ouvir está no campo do sentido que a palavra carrega (casa é casa). Escutar está no campo da significação. Quando um filho mostra para sua mãe um desenho, ele pode estar simplesmente querendo um reconhecimento amoroso, ou pode estar tentando indicar no seu desenho um problema maior que está se passando na escola e não consegue dizer. Escutamos uma criança no brincar, em um gesto, no que está por trás da sua fala, em uma rispidez, em uma atuação, em um gaguejo ou uma doença.
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Escutar é decifrar a criança no que está para além do verbal. E quando escutamos de verdade, e levamos a sério aquilo que percebemos em nossos filhos que não é falado diretamente, teremos poderosas dicas e preciosos sinais de como conduzir de modo mais eficaz problemas como baixo rendimento escolar, déficit de atenção e hiperatividade, depressão, comportamento agressivo (bullying), ansiedade, fobias etc. Confiar na intuição é um bom começo para começar a escutar.
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Por Yan Pinheiro, psicólogo
Atualizado em 2 de fevereiro de 2024