Instituto PENSI – Estudos Clínicos em Pediatria e Saúde Infantil

GISELLE COELHO – O aprendizado em cirurgia no metaverso

A neurocirurgiã Giselle Coelho – integrante da comissão científica de neuropediatria e neurocirurgia do 6º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil – fala sobre as últimas tecnologias em simulação, que permitem inovar em cirurgias de alta complexidade e melhorar a curva de aprendizagem nos treinamentos 

Um procedimento cirúrgico em que a realidade virtual interage com o mundo físico aconteceu pela primeira vez no mundo dentro do Sabará Hospital Infantil. A neurocirurgiã Giselle Coelho realizou, com a ajuda de um avatar (a dra. Geex, uma réplica idêntica dela mesma), uma simulação de cirurgia neuropediátrica no ambiente metaverso. O feito abre as portas para a democratização do acesso à medicina de alta complexidade, já que permite que médicos de referência em suas áreas possam coordenar cirurgias remotamente. Essa realização é um dos temas que Giselle Coelho levará ao 6º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil, em sua abordagem sobre as últimas novidades tecnológicas em pediatria.

Neurocirurgiã pediátrica do Sabará Hospital Infantil e da Santa Casa, em São Paulo, e diretora científica do Instituto EDUCSIM, Giselle estima que um projeto dessa magnitude, que exige programadores extremamente capacitados, alta tecnologia, equipamentos, testes e, principalmente, a dedicação de pessoas comprometidas, não custa menos do que 800 mil dólares. O processo de captação dos movimentos da neurocirurgiã e todo o desenvolvimento do avatar até a cirurgia no ambiente do metaverso aconteceram em cerca de oito meses.

Em entrevista à newsletter Notícias da Saúde Infantil, além de contar sobre o feito inédito, a especialista relata a criação do bebê simulador, resultado de cinco anos de trabalho árduo, e sobre o funcionamento do Instituto EDUCSIM, onde a intensa colaboração entre profissionais da medicina, engenheiros, designers e programadores coloca a tecnologia a serviço do treinamento pré-cirúrgico, melhorando as habilidades dos médicos e minimizando os riscos aos pacientes. 

“O Sabará Hospital Infantil abraçou a ideia e mostrou pioneirismo, viu o potencial do metaverso como forma de diminuir a desigualdade de educação médica e de otimizar terapêuticas. No congresso, vamos apresentar a interação entre a medicina e o metaverso, o metahealth.”

 

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A neurocirurgiã Giselle Coelho, pioneira na simulação de cirurgia no metaverso, e seu avatar, a dra. Geex: “O uso das tecnologias vai preparar melhor o profissional tecnicamente e emocionalmente para lidar com o paciente real dentro da especialidade que ele escolher”.

Notícias da Saúde Infantil — Como aconteceu o primeiro projeto com um bebê simulador que permitia treinar cirurgias, em 2009, no fellowship de neurocirurgia pediátrica em Roma? 

Giselle Coelho — Participei de uma abordagem endoscópica, pois nós não tínhamos outras formas de treinar a não ser entrando em uma cirurgia real com o professor. E me incomodou o fato de ir para a cirurgia sem treinamento prévio. Então tive a ideia de fazer uma caixa para melhorar a habilidade tridimensional e de manuseio do equipamento, para treinar antes de colocar o endoscópio no cérebro do paciente. Voltei para o Brasil com o projeto escrito. Comentei com o meu preceptor na época e ele me questionou: “Por que você não faz um boneco para parecer mais real?”. Foi o pontapé inicial para desenvolver esses simuladores. Comecei a treinar no primeiro bebê do simulador, consegui entrar com endoscópio e ver tridimensionalmente dentro do ventrículo. 

Notícias da Saúde Infantil — Quais foram as vantagens percebidas a partir desse novo modelo de treinamento de simulação realística?

Giselle Coelho — A primeira percepção foi de que diminuiu a minha curva de aprendizado. Quanto mais os alunos simulavam operar o bebê, mais capacitados ficavam. A curva de aprendizado caiu para um terço do tempo. Antes demorávamos dez anos para ter habilidade para fazer um procedimento neuroendoscópico com segurança, e esse tempo diminuiu para três anos. O melhor era ter a capacitação em um boneco que sangrava, simulava situações de emergência, mas sem risco nenhum para o paciente. 

“O uso das tecnologias vai preparar melhor o profissional tecnicamente e emocionalmente para lidar com o paciente real dentro da especialidade que ele escolher.”

Notícias da Saúde Infantil — Esse é o simulador físico do bebê. Quando veio o simulador virtual? 

Giselle Coelho — Foi quando pensei em associar mais ferramentas para acelerar a aprendizagem. Criamos o simulador virtual para dar a visão tridimensional que permite ao aluno entender a anatomia ventricular. Primeiro ele se capacita no simulador virtual e depois com o simulador físico. Simulamos dois tipos de bebê: um com cranioestenose, que é uma má-formação craniana, e outro com hidrocefalia. Ambos pedem abordagens endoscópicas, mas especialmente para cranioestenose ele possibilita a abertura, permite a cirurgia aberta, cortar pele, cortar osso, fazer toda a reconstrução de forma bem realística. 

Notícias da Saúde Infantil — E quando essa iniciativa ganhou notoriedade? 

Giselle Coelho — Apresentei a ideia do bebê para o professor Benjamin Warf, da Harvard, que me deu apoio científico e acadêmico, com o objetivo de acelerar o processo educacional de cirurgiões com ajuda do simulador. A partir daí, fomos melhorando cada vez mais o modelo: pois o bebê tem artérias, veias e todas as estruturas cerebrais que a gente precisa visualizar. Ele passa por tomografia e raio X e aparece a imagem como se fosse o bebê real. E, apesar de ser radiopaco, ele tem textura e é flexível. Todas essas tecnologias foram criadas no Brasil. A notoriedade veio quando propus uma validação científica. Durante um congresso, pedi aos melhores professores de neurocirurgia pediátrica que testassem o bebê simulador, que o operassem e depois o avaliassem. Eles o aprovaram e, em seguida (em 2014), saímos na capa da Child’s Nervous System, uma das mais respeitadas revistas internacionais em neurocirurgia pediátrica, por termos o primeiro bebê simulador em neuromedicina pediátrica no mundo. 

Giselle Coelho com o bebê simulador na capa da Child’s Nervous System, em 2014

Notícias da Saúde Infantil — No que consiste essa simulação mista? Por que o projeto ganhou tanto destaque na área da neurocirurgia?

Giselle Coelho — A simulação mista é quando nós colocamos duas simulações, a virtual e a realística. Nesse modelo, a simulação virtual permite realmente a imersão do aluno no ambiente intracerebral para ver como são as estruturas; depois ele vai treinar essas técnicas no bebê realístico. A importância para a neurocirurgia chega a ser imensurável porque, aliando as duas tecnologias, você melhora muito a sua visão tridimensional e o treinamento das habilidades técnicas e práticas. Ao operar no simulador, o aluno tem o feedback tátil, desenvolvendo tudo o que precisa para ser um bom cirurgião.

Notícias da Saúde Infantil — Quais são os principais benefícios do uso de simuladores realísticos?

Giselle Coelho — Criamos modelos dos próprios pacientes que vamos operar. Vários colegas poderiam dizer que não precisam disso para fazer uma boa cirurgia. Mas e se, durante a capacitação, olhando melhor a anatomia daquele paciente, quem opera decide mudar o acesso? Não se trata apenas de capacitar o jovem cirurgião; o treinamento que pode mudar a realidade da cirurgia. O treino anterior reduz o tempo cirúrgico e pode aprimorar a melhora funcional e estética em pacientes com má-formação craniana.

Notícias da Saúde Infantil — A equipe do Instituto EDUCSIM já pode ser considerada uma referência no desenvolvimento e uso de simuladores realísticos? 

Giselle Coelho — Alguns países utilizam a impressão 3D para planejamento preparatório, para ter uma visualização tridimensional. Mas fomos além, depois da estrutura que é  impressa em 3D, o artista acrescenta  os materiais, o tecido que imita a pele e insere um modelo de cérebro com consistência adequada. Para se ter uma ideia, em 2018, eu operei um bebezinho e, antes, fizemos o modelo dele com todas as tecnologias possíveis, virtualmente e fisicamente. O boneco ficou igualzinho à criança e mandamos o material para a publicação no Journal of Neurosurgery, uma revista muito respeitada em neurocirurgia. O editor pediu a autorização de uso de imagem dos pais, pois a simulação era idêntica ao bebê. 

“O aluno coloca os óculos e vê um professor de referência ensinando num formato 4D, ou seja, não é só uma representação virtual; o avatar interage e fala. Estamos montando um banco de inteligência artificial em que ele vai ser capaz de identificar erros e de responder a perguntas.”

Notícias da Saúde Infantil — Como funciona o Instituto EDUCSIM? 

Giselle Coelho — O instituto reúne profissionais de várias áreas, engenheiros, designers gráficos, artistas plásticos, um time grande. Nossos projetos exigem interface entre a área médica e a de engenharia e de programação. Temos investidores estrangeiros e otimizamos recursos. Não abrimos mão ainda de outros trabalhos, ou seja, nossa dedicação ainda não é integral. Na pandemia, desenvolvemos um modelo de educação à distância, em que o aluno que estudava patologias recebia um Google Cardboard e, com ajuda do celular, conseguia ver de forma tridimensional. Nosso bebê hoje está presente nos maiores congressos de neuroendoscopia mundiais. Existe mercado internacional e há espaço para desenvolver ainda mais. Depois da realidade aumentada e da realidade virtual, partimos para o projeto metahealth, para trazer o metaverso para o ambiente cirúrgico. 

Notícias da Saúde Infantil — Como funciona e qual a função do metaverso dentro do centro cirúrgico?

Giselle Coelho — O metaverso vai bem além do que as pessoas experimentam em um video game. Captaram os meus movimentos enquanto eu estava fazendo uma neuroendoscopia e eles foram colocados em um avatar que é minha cópia fiel. Esse avatar, com ajuda de um bebê simulador, mostra os procedimentos passo a passo: montagem do endoscópio, preparo do bebê, incisão na cabeça, então posso mandar esse bebê realístico que já está desenvolvido para a África, para a Ásia ou para qualquer lugar do mundo junto com os óculos. O aluno coloca os óculos e vê um professor de referência ensinando num formato 4D, ou seja, não é só uma representação virtual; o avatar interage e fala. Estamos montando um banco de inteligência artificial em que ele vai ser capaz de identificar erros e de responder a perguntas. O principal diferencial em relação ao 3D é que o 4D permite essa interação. Você tem a visão do avatar de todos os ângulos e ainda outra propriedade, a capacidade material do holograma. Ela permite até empurrar um objeto por meio de uma interação cerebral e obter uma sensação tátil.

Notícias da Saúde Infantil — Isso tudo é feito apenas com base em tecnologia?

Giselle Coelho — A base é a tecnologia, mas é a integração das duas áreas, a saúde com a engenharia, que potencializa o desenvolvimento. Porque eu tenho uma visão médica e eles têm uma visão mais objetiva, mais matemática. Quando a gente junta os dois mundos é sensacional. Não é simples, o diálogo exige empenho, mas com grande parte do time eu trabalho há dez anos, desde a construção do bebê simulador. 

Notícias da Saúde Infantil — Você foi a realizadora do primeiro curso de simulação mista do Brasil, unindo realidade virtual, realidade aumentada, modelos realísticos e neuronavegação. Pode nos contar sobre ele?

Giselle Coelho — O curso aconteceu no ano passado e foi uma tentativa de reduzir o gap pandêmico de dois anos na formação acadêmica. Organizamos no hospital Santa Marcelina, em dois módulos, para 20 alunos. Reunimos a simulação virtual, para dar a noção tridimensional, à realidade aumentada, e depois eles  praticavam no bebê simulador. Gostavam tanto que não conseguiam parar, eram 20h30 e não queriam ir embora. Verificamos que, a partir do sexto procedimento realizado, caiu vertiginosamente o número de erros. Então imagine o potencial desse curso para a formação continuada. No simulador, o aluno atua de forma mais confiante, pois não enfrenta risco de morte ou de complicação; ele se sente mais confortável para errar. 

“O que eu fizer aqui minha réplica faz lá. Isso vai ter uma aplicação incrível nos próximos anos porque eu posso ter professores de referência nas cirurgias mais complicadas se eles puderem holoportar.”

Notícias da Saúde Infantil — Como foi a primeira simulação de cirurgia no metaverso, a que foi registrada pela reportagem do Fantástico?

Giselle Coelho — Ela foi feita para mostrar que o professor poderá ensinar várias pessoas ao mesmo tempo ao redor do mundo. Na simulação eu era aluna física da doutora Geeks, meu avatar. Operar seguindo as minhas próprias instruções foi muito interessante, porque é muito real. Até a repórter Flávia Cintra se emocionou, porque você tem a impressão de que tem outra pessoa ali. Ela mexe, interage, olha no olho, tem a mesma expressão facial. Outra possibilidade que existe é usar esse avatar para uma holoportação. Explico: estou aqui em São Paulo no Sabará Hospital Infantil e o meu avatar vai ao Boston Children’s Hospital. Pelos óculos eu enxergo a sala do centro cirúrgico, o paciente, a equipe, e eles vão me ver como avatar. O que eu fizer aqui, minha réplica faz lá. Isso vai ter uma aplicação incrível nos próximos anos porque eu posso ter professores de referência nas cirurgias mais complicadas se eles puderem holoportar. Tem alguns desafios técnicos para garantir uma transmissão de dados 100% fidedigna. Fizemos um teste entre São Paulo e São José dos Campos com 4G, com meu avatar e o de um colega, que se holoportaram e se encontraram. Na hora em que eles batem a mão faz o barulhinho e você tem uma impressão de sentir o toque. São infinitas as possibilidades; o metahealth já é uma realidade. 

Notícias da Saúde Infantil — Como você imagina a faculdade de medicina do futuro? 

Giselle Coelho — Em primeiro lugar, sem animais para treinamento. Se conseguirmos criar tecidos altamente fidedignos, os simuladores realísticos vão substituir os cavalos. A imersão virtual vai permitir ao aluno dos primeiros anos estar dentro de um hospital; basta criarmos esse ambiente no metaverso. Costumam me perguntar se eu não acho que vai ficar desumanizada essa relação. Pelo contrário, o uso das tecnologias vai preparar melhor o profissional tecnicamente e emocionalmente para lidar com o paciente real dentro da especialidade que ele escolher.

 

Por Rede Galápagos

 

Leia mais:

6º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil: CONFIRA A PROGRAMAÇÃO

Clique aqui para ver sobre a simulação cirúrgica pioneira no metaverso, relatada no programa Conexão, da Globonews. 

Clique aqui para ver o vídeo do procedimento, realizado no Sabará Hospital Infantil. 

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