Apresentação de bits, cartões com imagens diversas para estimular a memória. Foto: Arquivo pessoal
Projeto utiliza a neurociência para otimizar a capacidade de aprendizado de crianças vulneráveis
Apesar da diferença entre recursos disponíveis em escolas públicas e privadas, é possível fazer com que as crianças que frequentam esses dois ambientes distintos desenvolvam as suas capacidades cognitivas com a mesma intensidade. Esse é o objetivo dos criadores do projeto Liberdade e Sonhos. Por meio de atividades neuroestimulantes, a iniciativa busca driblar a limitação financeira de escolas públicas e preparar o cérebro dos pequenos, garantindo a todos uma maior e melhor capacidade de aprender.
Marco Tulio Leite Rodrigues, um dos idealizadores da iniciativa, conta que a ideia do projeto surgiu em conversas com outros dois colegas durante a pandemia. O trio de amigos debatia sobre formas de aprimorar a educação infantil e após pesquisas feitas sobre o tema eles depararam com o conceito de escolas conveniadas. “É um modelo aprovado pelo Ministério da Educação, em que a prefeitura provê a verba para administrar, e uma ONG tem a responsabilidade de cumprir todos os requisitos necessários para uma escola de primeira infância”, explica.
Como já tinham experiência em gestão, decidiram apostar na ideia. O primeiro passo foi construir o modelo a ser adotado com os alunos. Após consultas com especialistas, eles chegaram à conclusão de que três dimensões deveriam compor o Liberdade e Sonhos. A primeira delas era sua proposta pedagógica, que deveria ser construída em conjunto com o segundo pilar, a saúde. “Na primeira infância ambos caminham lado a lado. E, quando falamos em saúde, ela é voltada principalmente para o desenvolvimento cognitivo, essencial para abrir os horizontes e aprender mais”, conta Rodrigues. A terceira dimensão foi a parentalidade, que busca o interesse da comunidade, já que o ambiente em volta dos jovens também é essencial para estimular seu desenvolvimento.
Com o processo montado, o grupo chamou especialistas da área e convidou a Fundação José Luiz Egydio Setúbal para uma parceria. “Atualmente, o Instituto PENSI é também um dos idealizadores, o que foi essencial para lançar o projeto”, detalha.
Janela de oportunidade
O Liberdade e Sonhos está sendo adotado aos poucos no Centro de Educação Infantil (CEI) Fim de Semana, no Jardim São Luís, em São Paulo, coordenado pela ONG Rainha da Paz. O projeto é voltado para crianças de zero a seis anos e utiliza dados científicos como base para as atividades pedagógicas.
Carla Szazi Marum, pedagoga e consultora externa da iniciativa, explica que 85% do desenvolvimento neural tem início nos dois primeiros anos de vida, um período em que o cérebro está mais aberto, com mais sinapses e sensível a mudanças, o que torna a primeira infância o melhor momento para que ele seja instigado. “Pesquisas mostram que a educação precoce é beneficial; se as crianças não são estimuladas, elas perdem essa janela de oportunidade”, destaca.
As atividades introduzidas buscam incitar o trabalho cerebral dos alunos. Uma das intervenções utiliza bits, espécie de cartões em que são mostradas imagens diversas para os pequenos, como insetos, pinturas rupestres e figuras geométricas, entre outros. “A ideia é que eles consigam identificar o que viram em uma segunda exposição, criando novos caminhos neurocerebrais”, explicou.
Outra atividade do programa foca no desenvolvimento auditivo, com a exposição dos alunos a obras de grandes compositores, como Beethoven e Mozart, além de sons ouvidos no dia a dia, como latidos de cachorros e grunhidos de porcos. “São barulhos cotidianos e ruídos a que eles não são apresentados em seu ambiente. Isso também ajuda com a imaginação”, conta Marum.
O desenvolvimento motor também é um dos focos, com o uso de circuitos para brincadeiras e uma escada de braquiação, equipamento em que os alunos podem se pendurar e “caminhar” com as mãos. “Isso ajuda no desenvolvimento torácico, além de gerar uma maior expansão pulmonar, que faz com que se tenha mais oxigenação no cérebro, o que favorece o desenvolvimento neural”, justifica a pedagoga.
Piloto promissor
A introdução do projeto em um CEI surgiu da necessidade de educar as crianças do ensino público durante a primeira infância, já que a rede pública só aceita alunos a partir de quatro anos. No primeiro semestre de 2023, a equipe fez o mapeamento dos alunos para entender quais as melhores estratégias para aplicar no ambiente. No segundo semestre, o foco foi na formação dos professores. “A ideia é ajudar os docentes a entender como o cérebro de uma criança funciona”, explica Marum.
As atividades estão sendo introduzidas aos poucos nas salas multietárias do CEI, na faixa de dois a quatro anos, em um grupo de cerca de 80 crianças, e os resultados começaram a aparecer. “Já percebemos mudanças, como a reorganização dos espaços físicos pelos professores. Eles também passaram a entender por que os alunos se comportam de determinada forma”, relata a pedagoga.
O objetivo dos idealizadores do projeto é expandir o método pedagógico para todas as turmas do CEI Fim de Semana e também para outras instituições de ensino. O mote principal é usar a metodologia para gerar impacto positivo na vida das crianças mais vulneráveis, fazendo com que elas tenham um desenvolvimento pleno e nivelado ao dos alunos de escolas privadas. “Queremos diminuir a desigualdade social por meio desse estímulo à inteligência e à vontade de aprender”, ressalta Carla Marum.
Mudança necessária
A pedagoga ressalta que a mudança na forma de ensinar as crianças durante a primeira infância pode gerar impactos nacionalmente, algo essencial para a população brasileira. “Antes as creches, como nos referimos aos CEIs, eram vistas apenas como um lugar para deixar os filhos enquanto os pais trabalhavam. Mas hoje sabemos que esses espaços podem sair do assistencialismo para entrar de fato na educação, algo necessário para um país que sofre tanto com o ensino”, acredita.
Rodrigues acredita que um dos diferenciais do projeto é ajudar na gestão da verba pública, um auxílio capaz de multiplicar os resultados obtidos na área de educação e também na da saúde. “É uma contribuição que pode fazer a diferença. Uma criança que vai à escola tem, em geral, um desenvolvimento cognitivo melhor do que uma que não frequenta. As mães sabem disso”, destaca. “Queremos levantar esse nível de qualidade da escola pública usando os recursos disponíveis. Mesmo sendo eles mais limitados que os de escolas privadas, acreditamos que é possível ter um desempenho semelhante”, ressalta.
O idealizador adianta que, após avaliação do piloto, a ideia é levar o projeto para outras comunidades até o segundo semestre de 2024, e parceiros são bem-vindos para ingressar na empreitada. “Não nos referimos ao sentido mercadológico, mas sim de apoiadores que queiram fazer parte da ideia”, defende.
Por Rede Galápagos
Leia mais:
Sabará adota práticas sustentáveis e reduz CO²
PENSI investe em nova plataforma EAD
2023: o ano em que nossos 109 voluntários doaram 10 mil horas