PESQUISAR
A cirurgiã pediátrica Maria Paula Coelho atua desde 2018 no Sabará Hospital Infantil, onde construiu e coordena o Programa de Reabilitação Intestinal. Ela é representante eleita da Seção Internacional de Nutrição Clínica da Sociedade Americana de Nutrição Parenteral e Enteral. No segundo dia do 6º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil, palestrou no Simpósio de Aerodigestivo e Reabilitação Intestinal e descreveu o Programa Avançado de Tratamento da Insuficiência Intestinal (PATII) no 3º Simpósio Internacional de Child Life. Nas palestras e na entrevista a seguir, ela ressalta a importância de aliar especialidades em torno de casos graves como cirurgias de intestino ou doenças crônicas, para conseguir restabelecer e manter a qualidade de vida de bebês, crianças e adolescentes. “Com bom planejamento e acompanhamento de uma equipe multidisciplinar, uma criança com insuficiência intestinal pode crescer feliz e saudável.”
Notícias da Saúde Infantil — Quais são os maiores desafios na reabilitação intestinal pediátrica?
Maria Paula Coelho — No Brasil, muitas crianças falecem no período neonatal por intestino curto ou insuficiência intestinal, que são condições extremamente graves. Mas os óbitos ocorrem principalmente pela falta de expertise nos hospitais. A maior dificuldade é dar acesso a informações, pois existe uma série de cuidados se um intestino não funciona ou se parte foi perdida em um processo cirúrgico. Essas crianças podem ser cuidadas e ter vida muito boa, mas, como é uma situação crônica, elas precisam de suporte de dietas por sonda ou pela veia ou de dispositivos de alimentação que entram direto no estômago. Então existe um desafio a ser superado: o desconhecimento não só das famílias, mas também dos profissionais de que essas crianças podem crescer saudáveis com acompanhamento de equipes capazes. É preciso fazer de tudo para evitar potenciais complicações, pois é o caso de acessos venosos às vezes por toda a vida. E vemos muitas infecções repetidas, perdas de cateter e tromboses devido à falta de cuidados.
Notícias da Saúde Infantil — Como foi a criação do Programa de Reabilitação Intestinal do Sabará Hospital Infantil?
Maria Paula Coelho — Eu já trabalhava com isso quando fui convidada para conversar sobre o tema na pediatria. Estou no Sabará desde meados de 2018, e o principal mérito do programa é realmente conduzir um trabalho transdisciplinar com a equipe, reunindo as disciplinas que cuidam em conjunto da criança, a fonoaudióloga, a nutricionista, a fisioterapeuta. É um trabalho diário e contínuo, pois não se resume a saber de quantas calorias o bebê precisa, mas entender tudo o que pode ser feito para potencializar o desenvolvimento dessa criança. Isso significa tirá-la do hospital o mais breve possível, adaptar sua rotina para ir à escola e passear com a família. Isso inclui enviá-la para casa de forma segura, fazer relatórios e reunião com a equipe da escola, fazer parcerias com o home care. As equipes precisam entender como se trabalha na reabilitação intestinal e pensar em um futuro para esse paciente, pois é possível planejar para que chegue a 60 ou 80 anos.
Notícias da Saúde Infantil — Qual a importância de profissionais do Child Life nessa colaboração em equipe?
Maria Paula Coelho — Eu já tinha visto a atuação de profissionais de Child Life quando morei na Inglaterra e fiquei muito feliz e estimulada para trabalhar em um hospital onde o Child Life existia e seria ampliado. Hoje eu não consigo conceber o programa sem eles, pois sabem o que está acontecendo com a criança naquele momento, suas necessidades, como traduzir para a criança o que ela está passando, e ajudam a superar e a passar por essas fases com menos estresse. Basta acionar as meninas que, em exames de imagem, por exemplo, elas explicam, simulam, fazem procedimentos sem uso de anestesia. É um trabalho muito gratificante de acompanhar.
Notícias da Saúde Infantil — Qual a importância da temática da sua palestra para os pediatras?
Maria Paula Coelho — O congresso deu a oportunidade de falar em palestras de áreas diferentes e acho isso bem importante para passar a mensagem de que essas crianças existem e não estão recebendo o cuidado necessário. Em geral a visão é: “Nossa, ela não tem intestino. Como vai viver assim?”. Mas é preciso entender que, mesmo dependente de nutrição parenteral, essa criança precisa ser vista com potencialidade. Esses pacientes a princípio são condenados após o nascimento. Se notam, por exemplo, que secou todo o intestino, acham que não dá para continuar assim. Mas atualmente não é mais impensável portar um cateter por anos ou por décadas. Há materiais melhores para um cateter, substâncias menos nocivas; diversas descobertas ao longo do tempo foram permitindo vida de qualidade para essas crianças. E elas crescem saudáveis, vão pra escola, têm desenvolvimento cognitivo normal. Não é justo condenar; é preciso mudar o olhar e enxergar a criança com potencial saudável, apesar das necessidades. Ela pode ter uma ileostomia desde sempre e ter que conviver com isso.
Notícias da Saúde Infantil — Quais são as principais novidades trazidas para o congresso?
Maria Paula Coelho — Para o encontro do Child Life eu abordo dois pacientes nossos que são casos ativos, com condição inicial difícil, e como foram trabalhados. São impactantes as mudanças, em especial quando se pensa nas mães, que nunca imaginaram que pudessem ter uma vida com a criança, sempre associaram a doença à criança, então aqui aprenderam a brincar, a viver e a amar. Quando elas chegaram, nós dissemos que quem cuida do problema somos nós, e isso aliviou muito para essas mulheres. Na palestra de tecnologia, detalho como é feito o cuidado híbrido na alta complexidade. No Sabará temos reuniões abertas em que orientamos e a sugerimos condutas para equipes de todos os cantos do país, em esquema de colaboração mesmo. Eles mandam um link, apresentam o caso e nós discutimos em conjunto. Mostro um mapa onde aparecem 45 cidades onde já demos apoio a várias equipes. Só em Belo Horizonte tem cinco equipes de hospitais diferentes. É muito gratificante, pois estamos ajudando crianças que nunca vimos… casos em que elas já foram para casa, tiraram nutrição parental ou desmamaram, em que estavam até mesmo em cuidados paliativos, não tinham prognóstico e estão bem, com qualidade de vida.
Notícias da Saúde Infantil — Como enxerga o futuro próximo dessa área?
Maria Paula Coelho — A maior dificuldade é não conseguir dar às crianças do SUS o que conseguimos com o convênio para que elas fiquem em casa. O SUS não tem essa estrutura de cuidado, pois não sabe onde a criança será atendida e por quem. Há dois centros do SUS em São Paulo e um no Sul do país, onde cuidam muito bem, mas a desospitalização acontece devagar. Há desafios até jurídicos, muitas vezes, para garantir a oportunidade de tratar essas crianças em casa. No Brasil, a reabilitação intestinal não tem CID cadastrado, então é ainda mais complicado. Fora do país, as crianças ficam um tempo curto no hospital e saem com suporte de serviço domiciliar. Na Inglaterra funciona de forma sensacional; aliás, a Europa como um todo serve como referência na área.
Por Rede Galápagos
Foto: Agliberto Lima
Leia mais:
CONGRESSO – Os destaques do segundo dia
O Brasil tem cientistas talentosos e indústria para criar e produzir vacinas
Leite e trigo não são vilões, mas exigem cuidados para determinados organismos
CONGRESSO — Os destaques do primeiro dia
O meio ambiente e o comportamento na cidade são desafios para a pediatria
MARCO AURÉLIO SÁFADI — A infectologia no foco do pediatra
Telemedicina: quais os riscos legais aos médicos
[ENTREVISTA] Sempre em frente — Antonio Condino Neto
SUE ANN COSTA CLEMENS — Liderança e reconhecimento na corrida pela vacina
CARLOS RODRIGUEZ MARTINEZ — Doenças respiratórias no centro da investigação
GISELLE COELHO — O aprendizado em cirurgia no metaverso
GONZALO VECINA — Em defesa das vacinas e da puericultura
>>
Baixe o livro O SABER PARA A SAÚDE INFANTIL – Os primeiros dez anos do Instituto PENSI