As crianças inalam e ingerem microplásticos (MPs) rotineiramente; evidências mostram a presença de partículas nos pulmões, placenta, leite materno, fezes e alimentos (incluindo fórmulas infantis) e associações com inflamação, estresse oxidativo, distúrbios endócrinos e toxicidade para o desenvolvimento. Recomenda-se reduzir o uso de plástico, limitar o aquecimento/esterilização de plásticos, melhorar a higiene interna, monitorar e adotar medidas políticas mais rigorosas.
Efeitos dos microplásticos na saúde das crianças
As crianças são particularmente vulneráveis à exposição a microplásticos porque os primeiros anos de vida são um período sensível para o desenvolvimento e os mecanismos de defesa ainda são imaturos. Revisões e estudos de biomonitoramento relatam a presença de microplásticos em matrizes relevantes para crianças e identificam efeitos celulares e sistêmicos relatados em trabalhos experimentais e observacionais que afetam de forma plausível a saúde pediátrica.
- Resultados biológicos observados: os MPs foram detectados em várias matrizes humanas (fezes, tecido pulmonar, leite materno, placenta) e os resultados experimentais associados incluem inflamação, estresse oxidativo e danos ao DNA, consistentes com potenciais efeitos respiratórios, cardiovasculares e sistêmicos [5].
- Mecanismos toxicológicos: a literatura experimental e de revisão documenta citotoxicidade, neurotoxicidade e imunotoxicidade decorrentes da exposição a partículas e de cocontaminantes/aditivos que se sorvem às MP (por exemplo, ftalatos, bisfenóis) [6].
- Impactos pediátricos e no desenvolvimento: a exposição precoce suscita preocupações quanto a alterações no crescimento, no desenvolvimento imunológico e neurológico e na programação metabólica; alguns estudos também relatam associações com alterações nos hormônios esteróides/glicocorticóides fetais, sugerindo um potencial de perturbação endócrina devido à carga de MP na placenta [7], [11].
- Sinais clínicos: microplásticos foram encontrados no líquido de lavagem broncoalveolar (BALF) de crianças com doença pulmonar, com níveis mais elevados em crianças mais jovens e urbanas e associações com pneumonia grave adquirida na comunidade nessa série clínica, apoiando a inalação como uma via ligada a resultados respiratórios [4].
- Impactos relacionados aos alimentos: MP em fórmulas infantis e trabalhos experimentais mostram que alguns micro/nanoplásticos podem alterar a digestão das proteínas do leite em modelos gástricos infantis, indicando possíveis efeitos no processamento de nutrientes em bebês [3], [8].
Principais vias de exposição aos microplásticos
Esta seção resume as principais vias de exposição para crianças e as fontes específicas que as impulsionam. Estudos empíricos e análises identificam a ingestão, a inalação, a transferência vertical e as vias dérmicas/de contato como as principais vias de exposição.
Caminho | Principais fontes relevantes para as crianças | Evidências em crianças |
Ingestão | Fórmula infantil, alimentos engarrafados/embalados, água contaminada, brinquedos que soltam tinta | Contaminação de fórmulas infantis documentada em vários produtos comerciais e ingestão estimada para bebês alimentados exclusivamente com fórmula ≈49 ± 32 MPs/dia em um estudo [3], [2] |
Inalação | Ar interior, poeira, microfibras de parques infantis/residenciais, partículas do tráfego/desgaste dos pneus | Os MP detectados no BALF infantil e as cargas pulmonares mais elevadas de MP em crianças mais jovens e urbanas apoiam a inalação como via principal [4]. |
Transferência placentária/vertical | Inalação/ingestão materna levando à deposição placentária e exposição fetal | Revisões e estudos placentários relatam MPs placentárias e ligações com perfis hormonais alterados no cordão umbilical, indicando exposição transplacentária e perturbação endócrina [1], [7]. |
Contato dérmico e bucal | Brinquedos, pisos, fibras de roupas, contato com as mãos em creches | A biomonitorização das mãos e da saliva em crianças pequenas mostrou um aumento na contagem de MP após o ingresso no jardim de infância, implicando o contato e o hábito de levar as mãos à boca como comportamentos de exposição [9]. |
As fontes e vias de exposição estão documentadas em todas as faixas etárias pediátricas (bebês → fórmulas e mamadeiras; crianças pequenas → brinquedos e boca; crianças em idade escolar → embalagens de alimentos, inalação de ar interno/externo) [2], [3].
Estratégias de prevenção e abordagens de gestão
Esta seção descreve medidas práticas de redução da exposição e opções de gerenciamento em nível de sistema recomendadas por revisões e estudos empíricos para diminuir a exposição das crianças ao MP e mitigar os riscos potenciais à saúde.
- Ações domésticas e parentais: reduza as fontes diretas de ingestão e inalação, limitando o uso de itens plásticos descartáveis ou aquecidos em contato com alimentos, evitando aquecer/esterilizar alimentos em recipientes plásticos sempre que possível e preferindo alternativas não plásticas para o preparo e armazenamento de alimentos, quando prático; essas medidas são baseadas em estudos que mostram a presença de microplásticos em fórmulas infantis e a geração/migração de partículas com o aquecimento/esterilização de mamadeiras [3], [8].
- Controle do ambiente interno: reduza a poeira interna e as partículas em suspensão no ar por meio de limpeza regular com esfregão úmido, aspiração de alta eficiência, remoção ou minimização da perda de fibras de tecidos sintéticos e melhoria da ventilação; estudos em creches/microambientes associam o piso e a poeira interna à carga de partículas nas mãos/saliva das crianças, e estudos de BALF implicam a exposição por inalação [9], [4].
- Vigilância e biomonitoramento: implementar biomonitoramento direcionado de matrizes relevantes para crianças (por exemplo, fezes, leite materno, ar interior) e testes periódicos de alimentos e bebidas engarrafadas para rastrear exposições e orientar intervenções, conforme recomendado em biomonitoramento humano e revisões de políticas [5], [10].
- Gestão de produtos e produtos químicos: reduzir a produção e o uso de plásticos descartáveis problemáticos, limitar ou proibir produtos que contenham microplásticos intencionalmente e reforçar as normas relativas aos materiais em contato com alimentos para limitar a lixiviação de aditivos (ftalatos, bisfenóis) que aumentam os riscos para a saúde [10], [11].
- Capacidade clínica e de pesquisa: apoiar a toxicologia e a epidemiologia focadas nas crianças, padronizar métodos de detecção/quantificação e financiar estudos longitudinais para relacionar as exposições com os resultados pediátricos; várias revisões defendem que essas prioridades de pesquisa devem informar as políticas e práticas [1], [5].
Recomendações específicas para diferentes partes interessadas (stakeholders)
Esta seção apresenta ações concisas e baseadas em evidências para pais, profissionais de saúde e formuladores de políticas, com o objetivo de reduzir a exposição das crianças e gerenciar os riscos. Cada ponto lista medidas práticas apoiadas pela literatura citada.
- Pais
Reduza o contato do plástico com a fórmula
Use opções de alimentação sem plástico ou com baixa migração e evite aquecer ou esterilizar alimentos em recipientes plásticos, sempre que possível, pois o aquecimento/esterilização promove a migração de partículas para o leite/fórmula [8], [3].
Limite o consumo de alimentos embalados
Dê preferência a alimentos frescos/não embalados e minimize o uso de embalagens plásticas descartáveis para reduzir as vias de ingestão documentadas em análises de exposição pediátrica [2], [3].
Melhorar a higiene interna
A limpeza úmida regular e a atenção ao controle de poeira e ventilação podem reduzir as partículas em suspensão no ar e depositadas que aumentam a carga de mãos/saliva das crianças.
- Profissionais de saúde
Incorpore perguntas sobre práticas de alimentação infantil, uso de garrafas/embalagens plásticas, ambiente interno e ambientes de cuidados infantis nas consultas de rotina para identificar exposições modificáveis consistentes com as vias documentadas [1], [3].
Educar as famílias
Aconselhar os cuidadores sobre medidas práticas de redução da exposição (evitar aquecer plásticos, reduzir alimentos embalados, controlar o pó) com base em evidências de exposição e biomonitoramento [1], [9].
Defenda e participe da vigilância
Apoie ou consulte iniciativas locais de biomonitoramento e pesquisa para acompanhar a exposição das crianças e os resultados clínicos, conforme recomendado pelas revisões de biomonitoramento [5].
- Formuladores de políticas
Monitorar e regulamentar
Instituir o monitoramento rotineiro de micropartículas em alimentos, bebidas engarrafadas e ar interior, aplicar normas mais rigorosas para materiais em contato com alimentos e considerar restrições a produtos que liberam micropartículas, seguindo as recomendações políticas de revisões de saúde pública [10], [11].
Reduzir a produção de plástico e o uso de descartáveis
Implementar medidas para diminuir a geração de plástico descartável, fortalecer a gestão de resíduos e incentivar alternativas mais seguras para reduzir as fontes de exposição da população [11], [2].
Financiar pesquisas focadas em crianças e harmonizar métodos
Investir em estudos pediátricos longitudinais, detecção padronizada de MP em amostras biológicas e compartilhamento de dados entre setores para permitir a avaliação de riscos e a regulamentação baseada em evidências [1], [5].
Leia também:
- A fórmula para bebês é segura?
- Poluição invisível: os desafios da saúde respiratória
- Afinal, o que são os ultraprocessados?
Referências:
[1] K. Sripada et al., “A Children’s Health Perspective on Nano‑ and Microplastics,” Environmental Health Perspectives, 2022. doi: 10.1289/EHP9086
[2] R. W. Chia, V. A. Ntegang, J.‑Y. Lee, and J. Cha, “Microplastic and human health with focus on pediatric well‑being: a comprehensive review and call for future studies,” Clinical and Experimental Pediatrics (Online), 2024. doi: 10.3345/cep.2023.01739
[3] K. Kadac‑Czapska et al., “Isolation and identification of microplastics in infant formulas – A potential health risk for children,” Food Chemistry, 2023. doi: 10.1016/j.foodchem.2023.138246
[4] C. Chen et al., “Microplastics in the Bronchoalveolar Lavage Fluid of Chinese Children: Associations with Age, City Development, and Disease Features,” Environmental Science & Technology, 2023. doi: 10.1021/acs.est.3c01771
[5] G. Zuri, A. Karanasiou, and S. Lacorte, “Human biomonitoring of microplastics and health implications: A review,” Environmental Research, 2023. doi: 10.1016/j.envres.2023.116966
[6] M. Wu, C. Tu, G. Liu, and H. Zhong, “Time to Safeguard the Future Generations from the Omnipresent Microplastics,” Bulletin of Environmental Contamination and Toxicology, 2021. doi: 10.1007/S00128-021-03252-1
[7] X. Liu et al., “Prenatal microplastic exposure and umbilical cord blood androgenic and glucocorticoid hormones,” Ecotoxicology and Environmental Safety, 2025. doi: 10.1016/j.ecoenv.2025.118827
[8] J. Kaseke et al., “Polypropylene micro‑ and nanoplastics affect the digestion of cow’s milk proteins in infant model of gastric digestion,” Environmental Pollution, 2025. doi: 10.1016/j.envpol.2025.126803
[9] H. Amiri et al., “Biomonitoring of microplastics in saliva and hands of young children in kindergartens: identification, quantification, and exposure assessment,” Environmental Monitoring and Assessment, 2025. doi: 10.1007/s10661-025-14305-x
[10] I. Belmaker and L. P. Rubin, “Adverse health effects of exposure to plastic, microplastics and their additives: environmental, legal and policy implications for Israel,” Israel Journal of Health Policy Research, 2024. doi: 10.1186/s13584-024-00628-6