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Ser mãe é padecer no paraíso…
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Ser mãe é padecer no paraíso…

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18/04/2016
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Quantas vezes as mães comentam isso. Usam essa expressão como um elogio, um elogio à maternidade. Colocam paraíso para mostrar o quanto isso é bom. Mas há o padecer. Padecer? Se olharmos seu significado é ser atormentado, afligido, martirizado por. E isso acontece mesmo. Vende-se uma imagem de que é um amor instantâneo, de que ser mãe é a melhor coisa que uma mulher pode alcançar, o paraíso realmente. Ninguém fala sobre as agruras, as dificuldades, as dúvidas que vêm acompanhando esse novo ser que agora faz parte da família. E isso gera insegurança, sofrimento e, pior, culpa. Afinal, como posso estar me sentindo triste, incapaz, cansada, desanimada quando deveria estar “soltando fogos de artifício”, comemorando, rindo à toa?

Há atualmente algumas mães que têm “saído do armário”. São mulheres corajosas que nas redes sociais postam sentimentos e questionam onde está essa maravilhosa maternidade, pois o que percebem são momentos difíceis quando sentem-se frustradas, cansadas e até mesmo incapazes. Em um primeiro momento, suas revelações foram tomadas como choque e alguns perfis e posts foram retirados de circulação, tamanha a revolta de quem os leu.

Sem querer aqui cair no julgamento, no que é certo versus o que é errado, sem criticar, essa realidade que é exposta por essas mães chama a atenção para as dificuldades pelas quais as mães, realmente, passam. Mostram que existe uma “propaganda enganosa”, que veicula somente o lado maravilhoso de ser mãe e que doura a pílula. Por exemplo, amamentar, há um consenso, é fundamental. Todos sabemos disso. Mas é necessário achar, ou melhor sentir, que esse ato é a “maior maravilha do mundo”? E aquelas mães que sentem dor, desconforto, ou que não conseguem, de fato, amamentar, o que fazer com elas? Culpá-las, castigá-las? Vemos muito isso acontecer, e seu sentimento de culpa e de frustração aumenta, pois elas não têm abertura para falar claramente sobre isso, o que acaba transformando-se em tormento.

Ao ter a coragem de expor que há momentos em que ser mãe é extremamente difícil, momentos em que o cansaço e o desânimo tomam conta, momentos em que repensa-se até a vontade de ser mãe, essas mulheres mostram um lado que deve ser refletido e que ao ser demonstrado revela sua faceta muito humana, de não ser aquele ser perfeito, que é realmente o que se espera de uma mãe. É a exposição de uma verdade, de uma realidade, que ajuda àquelas que estão passando por percalços a ter a consciência de que não são más mães por terem esses sentimentos. São coisas normais e há muita gente ao seu lado. Afinal, há o lado gratificante, maravilhoso de ser mãe também.

Muito se fala do amor incondicional de mãe. Sim, mãe é aquele ser suposto de dar a vida pelos filhos. Mas e quando isso não brota? Quando não é instantâneo? Quando a frustração de um bebê não corresponder às suas expectativas realmente existe? Como lidar com isso? É um sonho que se desfaz, na verdade até um luto por algo que, ao não se cumprir, perdeu-se. O que dizer àquelas mães cujos filhos nasceram com microcefalia, não sendo aqueles seres perfeitos que foram imaginados durante a gestação? Dizer que ser mãe é maravilhoso, que deve-se amar a todo custo? Como se amor fosse algo sobre o qual tivéssemos total domínio. A mãe que passa por essa situação já a faz partindo de uma crítica. Não sou suficientemente boa! Não nasci para ser mãe!

Imagine se, ao invés de partir de uma posição crítica (mesmo que nas melhores intenções, seja através de conselhos, que indicam o que a pessoa está fazendo errado), não déssemos a elas a oportunidade de serem ouvidas, no seu discurso frustrante, triste, procurando entender seu lado e, realmente, concordando que a maternidade não é um mar de rosas, um paraíso o tempo todo. Muitas vezes o padecimento é tão grande que impede o encontro do paraíso. O amor pelos filhos não é “Miojo”, instantâneo, ele cresce, ele é construído, ele é um sentimento que vai surgindo, não brota imediatamente ao olhar o seu bebê. Como todo amor, ele também é frustrante. Ele também é incompleto.

Essas mães, no fundo, estão mostrando à sociedade que existe o lado duro da maternidade. E que não há vergonha em desvelá-lo. Pelo contrário, ele torna-as mais humanas, de fato. E tem o potencial de ajudar, e muito, as outras mães que estão passando por sentimentos parecidos. Não é uma decisão a ser tomada como: a partir de agora passarei a amar meu filho e a ser a melhor mãe do mundo, sem sofrimento, apenas com coisas boas. É uma construção. E se ela não parte de algo que “está quebrado, ou em pedaços”, como pode ser melhorada? O primeiro passo, sempre, é reconhecer aquilo que incomoda, aquilo que faz com que a pessoa queira mudar algum aspecto, para que então, em cima disso, novos caminhos sejam encontrados, o que é muitas vezes apenas uma mudança de olhar para uma realidade. Sem críticas e sem inverdades. Trabalhando-se na realidade daquela que sofre, e não daquele que a vê sofrer.   

Para ilustrar e finalizar, outro dia recebi uma imagem dizendo: “A mãe perfeita não grita, não se desespera, não perde a calma, sobretudo… ela não existe!” (autor desconhecido). Não é sábio? É bom sempre lembrar: mães são humanas!

Leia também: Como as mães se vêem e como seus filhos as vêem: uma diferença no olhar

Atualizado em 6 de setembro de 2024

Letícia Rangel

Letícia Rangel

Letícia Rangel é psicóloga clínica, com especialização em Psicanálise pelo Instituto Sedes Sapientiae e Conexão Lacaniana. Ex-membro do grupo de estudos do Instituto Praxxi- Centro de Estudos dos Sintomas da Contemporaneidade. E mãe.

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