Estes dias li um livro sobre as escolas na floresta (Forest School for All, Sara Knight), que me remeteu justamente a uma das questões que mais temos nos debruçado na Casa Ubá: sobre correr riscos.
Neste livro, Sara Knight conta da Escola da Floresta em Londres, uma cidade grande e urbana, com muitos parques e áreas verdes, mas que nem sempre é aproveitada neste sentido. Foi justamente por isso que estas escolas se estabeleceram lá, se espelhando em outras experiências de escolas na floresta (na Suécia, Suíça e Dinamarca), para que as crianças pudessem, apesar da cidade, ter contato com a natureza. Alguns dos princípios de uma escola na floresta é ser uma escola ao ar livre, na qual as crianças têm o tempo e o espaço para ser utilizado conforme suas curiosidades. Não interessa a temperatura, as crianças ficam ao ar livre, utilizando a roupa adequada, e brincam com o que a natureza lhes oferece.
É assim que as crianças aprendem a cuidar de si, do outro e do ambiente, ao correrem riscos. As crianças sobem e descem nas árvores, escorregam na lama, tropeçam nas pedras, se arriscam e entendem qual a altura da árvore que já dão conta de subir… Compreendem pelo próprio corpo.
Nós, adultos, estamos muito acostumados com falas como:
“Assim você vai se machucar!”
“Você vai cair, é melhor descer!”
“Você vai se queimar.”
Quem nunca ouviu, ou disse, uma frase destas para uma criança? Falas que estão no imperativo e que dizem o que pode acontecer à criança antes mesmo do ato, quase como se fosse possível prever os acontecimentos. É claro que, sempre, com um pensamento que se baseia num ótimo pessimismo. E é assim que acabamos por não dar a oportunidade que a criança nos pede de poder compreender pelo corpo, vivenciar, experimentar.
O que cada uma dessas crianças pode? Isso jamais pode ser respondido sem a experimentação. Atitudes que podem ter consequências mais sérias muitas vezes acontecem de histórias de crianças que não foram aprendendo aos poucos a se cuidar, por todo um contexto e práticas que foram poupando as crianças de conhecerem a si e ao mundo com seus perigos.
Este tema está presente também no filme “Território do Brincar”, a partir das brincadeiras de crianças de várias regiões do Brasil. O resultado do filme nos mostra crianças pequenas usando fogo, facas, brincadeiras consideradas perigosas. Algumas cenas que produzem uma reação de espanto numa plateia paulistana.
Um dia destes, na Casa Ubá, algumas crianças estavam desenhando com giz que esquentavam no fogo da vela. Todos numa mesa comprida com alguns bancos e duas velas estavam em frente às crianças, no centro da mesa. Estavam sentadas duas crianças de oito anos, uma de sete, uma de quatro anos, outra de três anos e uma educadora. Todas muito concentradas seguravam o giz na pontinha dos dedos. A campainha tocou e era uma mãe interessada em conhecer a casa para o seu filho. Quando viu a cena descrita acima, me perguntou: “mas elas não se machucam? Não é perigoso?” Não tinha como respondê-la com certeza que “não, elas não se machucam”, tampouco nem que “sim”. Mas poderia responder sobre o cuidado que estávamos tendo com a situação. Eles estavam aprendendo a colocar o giz no fogo da vela, e claro que com fogo por perto sempre é possível se queimar.
Sabe aquela história do Chico Buarque, “Chapeuzinho Amarelo”? Me parece que não nos arriscamos pelo medo. Pelo medo, do medo, do medo, do medo de um dia encontrar um lobo. Talvez pudéssemos deixar as crianças experimentarem mais, correrem riscos e, quem sabe, terminariam com o bolo de lobo ao invés do medo do lobo, sendo mais corajosos e sabendo mais de si.
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Atualizado em 17 de setembro de 2024