Não foi surpresa alguma para mim quando li nos jornais que o canal Cartoon Network deixaria de exibir o desenho Tom e Jerry pois ele foi considerado politicamente incorreto. Não faz muito tempo também que li que o Sítio do Picapau Amarelo e os contos de fadas já possuem versões politicamente corretas. Para piorar esta onda, até as cantigas de crianças passaram a ter versões adaptadas aos novos tempos e não se pode mais atirar o “pau no gato”. O mundo politicamente correto me parece muito aborrecido!
Não sei as razões pelas quais o clássico Tom e Jerry foi vetado, um desenho que fez a alegria da minha geração nas matinês de domingo e nos cinemas da Paulicéia tantos anos atrás. Quem não se lembra da perseguição do gato Tom na busca desesperada de capturar o esperto rato Jerry, sempre com uma trilha sonora excepcional, com obras primas da música clássica. Perdemos nós, os mais velhos, já que uma parte de nossa memória se vai, mas perdem muito mais as crianças de hoje, que serão privadas destas animações maravilhosas.
Não sou psicólogo ou pedagogo, mas, como pediatra, li muitos autores sobre esse tema, e a fantasia se sobressaiu como uma das armas ou ferramentas (sendo politicamente correto, uma vez que as armas também foram banidas) para a criança poder lidar com a frustração e o medo. Os pequenos sabem que não é certo maltratar um animal, mas, se por um motivo qualquer sentirem raiva dele, talvez seja melhor atirar o pau no gato cantando a música. A criança não mistura fantasia com realidade, mas usa a fantasia para enfrentar a realidade. Se quiser ver como isto funciona, leia o maravilhoso “História sem fim”, que tem uma ótima versão para o cinema.
Várias gerações brincaram de polícia e ladrão, ou de cowboy ou de outras atividades que envolviam “lutas” e, raramente, as crianças se machucavam. Porém, se divertiam muito! Qual a criança que não brincou com uma arma de esguichar água em parques, piscinas ou praias, mesmo que molhando um ou outro adulto desavisado que passava da linha de tiro?
Venho de uma geração onde era “proibido proibir” e na minha educação aprendi que você deve assumir as consequências de suas escolhas. Se um pai não quer expor o seu filho aos desenhos do Tom e Jerry, que o impeça. Se não quer que ele cante “atirei o pau no gato”, ensine a versão politicamente correta. Se quiser que o lobo mau seja um lobo bom, que conte esta história. O mesmo vale com as armas, videogames ou brincadeiras consideradas politicamente erradas.
Cansei de ouvir pais falarem que seus filhos só comem “porcarias” e “besteiras” ou só bebem refrigerantes, e a minha pergunta era sempre (cheia de ironia e sarcasmo):
– Nossa, que horror!! Mas quem é que compra estas coisas e quem dá isto para eles? E como você deixa isto acontecer?
É muito fácil demonizar as propagandas, mas nós temos sempre a opção de ir pelo caminho saudável e do que achamos ser correto, mesmo que isto frustre nossos filhos e netos. Frustração na medida certa é algo bom e prepara para a vida. Os pais precisam saber colocar limites e não deixar para as autoridades (que votam conforme os intere$$e$).
Quanto a mim, vou comprar os desenhos do Tom e Jerry e do Pica-Pau (outro injustiçado) para mostrar aos meus netos. Lerei Monteiro Lobato, Andersen, Irmãos Grimm e La Fontaine nas versões originais e politicamente incorretas. Afinal, cresci ouvindo “É proibido proibir!” do Caetano Veloso.
Para os que acham este mundo aborrecido, alguns minutos de risos incorretos:
Tom e Jerry: https://www.youtube.com/watch?v=CPwdL44yLMg
Pica-Pau: http://www.youtube.com/watch?v=qRTWF3nPB1c
É proibido proibir: http://letras.mus.br/caetano-veloso/395621/
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Atualizado em 16 de maio de 2024