PESQUISAR

Sobre o Centro de Pesquisa
Sobre o Centro de Pesquisa
Residência Médica
Residência Médica
Tudo sobre fibrose cística, a doença do beijo salgado
Compartilhar pelo Facebook Compartilhar pelo Twitter Compartilhar pelo Google Plus Compartilhar pelo WhatsApp
Tudo sobre fibrose cística, a doença do beijo salgado

Tudo sobre fibrose cística, a doença do beijo salgado

11/04/2023
  3710   
  0
Compartilhar pelo Facebook Compartilhar pelo Twitter Compartilhar pelo Google Plus Compartilhar pelo WhatsApp

Bento, em foto postada pela mãe no Instagram: diagnóstico se confirmou aos oito meses

 

A enfermidade genética grave mais comum da infância no Brasil ainda não tem cura; entenda os sintomas e formas de diagnósticos

 

Há cinco anos, a rotina de Daniela Barreto, 35 anos, mudou completamente com a chegada de Bento. Se a maternidade para uma mãe solo e motorista de aplicativo já é desafiadora por si só, o quadro se agrava quando o filho recebe o diagnóstico positivo para fibrose cística (FC) aos poucos meses de vida. Classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das 7 mil doenças raras, a FC é a enfermidade genética grave mais comum da infância no Brasil, apesar de pouco divulgada. “Levei um choque. O destino me fez entender de algo de que nunca havia escutado falar. De imediato precisei aceitar, mas foi difícil. A internet é o primeiro lugar em que geralmente procuramos detalhes, e lá só tem desgraças”, relembra a autônoma.

Isso porque a doença do beijo salgado — como também é conhecida devido à grande quantidade de sódio no suor — é grave, progressiva, letal e ainda sem cura. Genética, ela ocorre quando os pais apresentam, cada um deles, um gene defeituoso. Ou seja, são portadores, mas não desenvolveram a enfermidade. A mutação se dá no gene CFTR (cystic fibrosis transmembrane conductance regulator), fazendo com que o organismo do bebê produza uma secreção muito mais espessa que o normal, o que dificulta o funcionamento adequado dos sistemas afetados, principalmente o respiratório e o digestório. Esse muco leva ao acúmulo de bactérias e germes nos pulmões, podendo causar inchaço, inflamações e infecções, como bronquite e pneumonia.

O avanço da enfermidade possibilita o bloqueio do trato digestório e do pâncreas, impedindo que enzimas cheguem ao intestino. É um problema, pois o corpo precisa dessas moléculas para absorver e aproveitar os nutrientes dos alimentos, essenciais no desenvolvimento e na saúde do ser humano. Se não tratada, a fibrose cística causa piora na qualidade de vida durante a infância e adolescência e pode levar à morte precoce. De acordo com o último relatório de 2020 do Registro Brasileiro de Fibrose Cística (REBRAFC) — organização sem fins lucrativos, criada em 2003, formada por profissionais de saúde atuantes na área —, metade dos óbitos ocorre antes de a pessoa atingir a maioridade. Ainda segundo a instituição, no Brasil há 6.112 fibrocísticos, e 74% são menores de 18 anos. A região Sudeste tem elevada concentração dos pacientes do país. Confira a distribuição segundo o estado de nascimento:

Fonte: Registro Brasileiro de Fibrose Cística — REBRAFC

O diagnóstico inicial é feito pela triagem neonatal (teste do pezinho) — esse exame identifica os recém-nascidos com suspeita de FC. Porém, a confirmação se dá através do teste do suor, seguido do teste genético. O primeiro avalia a concentração de cloreto (um dos componentes do sal) na transpiração, em que valores maiores ou iguais a 60 mmol/L indicam a enfermidade. O pequeno Bento teve a confirmação após esse passo a passo. Moradora de Bauru, interior de São Paulo, Daniela relata que a confirmação total do diagnóstico do filho se deu por volta dos oito meses de vida. “No início, o Bento tinha apenas diarreia, que resolvíamos com as enzimas pancreáticas (Creon) de suplementação. Já no segundo ano, ele foi internado duas ou três vezes por pneumonia e outras duas ou três por crises asmáticas. Em uma dessas, fiquei desesperada, pois vi meu filho roxo e pálido.

Dra. Sonia Mayumi Chiba: “Os sintomas pulmonares são responsáveis pela maior morbidade e mortalidade nessa doença”

A médica Sonia Mayumi Chiba, pneumopediatra responsável pelo ambulatório de fibrose cística da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e pneumopediatra do Sabará Hospital Infantil, explica que os sintomas mais comuns são gastrointestinais, decorrentes da insuficiência pancreática, como a diarreia com fezes muito fétidas e gordurosas; dificuldade de crescer e ganhar peso, o que pode levar à desnutrição grave. “Questões respiratórias também começam nos primeiros meses de vida, como chiado no peito recorrente, acompanhado de falta de ar e tosse produtiva. Com o tempo, a tosse torna-se crônica, com pneumonia de repetição e sinusopatias. Os sintomas pulmonares são responsáveis pela maior morbidade e mortalidade nessa doença”, completa.

ROTINA REGRADA

Como dito, a fibrose cística ainda não tem cura e a única forma de prevenção é através do aconselhamento genético. Ou seja, a identificação de portadores do gene da doença do beijo salgado — mas que não têm a doença — anterior a uma fecundação. Apesar de ainda exigir uma vida regrada, as atualizações nos tratamentos vêm quebrando esse estigma negativo nos pacientes. Atualmente, a rotina inclui vários medicamentos de alto custo fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), Ministério da Saúde e secretarias estaduais de Saúde, acompanhados de inalações e fisioterapias respiratórias. “A dieta é hipercalórica e a maioria das pessoas repõe enzimas pancreáticas em todas as refeições para digestão e absorção de gorduras, proteínas e outros nutrientes. Tem também o uso de suplementos alimentares, para aumentar o aporte calórico, e de vitaminas fundamentais para manter o estado nutricional adequado”, detalha a pneumopediatra.

Daniela conta que Bento já entendeu que tais cuidados fazem parte do seu dia a dia. “Ele só questiona a quantidade de enzimas necessárias em cada refeição. Percebo que ele tem muita facilidade em aceitar o tratamento, pois sente as melhorias no próprio corpo, sabe?” Ela detalha: “Bento acorda, toma a vitamina — obrigatória para o resto da vida. No leite dele, também misturo uma suplementação em pó para evitar perda de peso. Como se desidrata com frequência porque perde muito sal no suor, em dias muito quentes, faço soro caseiro ou alguma coisa que ajude a manter os eletrodos. Além disso, tem diariamente a lavagem nasal, inalação e fisioterapia”.

Nos últimos tempos, descobriu um aliado para o pequeno: a atividade física. “Introduzi o jiu-jítsu para ele. Tem feito total diferença. É indispensável.” De fato, segundo os pesquisadores, a prática regular de exercício melhora a capacidade cardiopulmonar, traz sensação de bem-estar, causa fortalecimento da musculatura respiratória e auxilia ainda na limpeza das vias aéreas. “Vejo um futuro maravilhoso para o meu filho. É uma criança muito especial, independentemente da doença. É muito inteligente, feliz e expansivo. No caso dele, a doença não atrapalhou na parte motora e neurológica. O tratamento hoje em dia está muito avançado e acredito que não será limitante em sua vida”, torce.

Parte dessa rotina é compartilhada pela motorista diariamente em suas redes sociais. Por lá, é possível ver as adaptações dos hábitos para seguir estimulando a vida do filho, além de atualizações sobre a doença. Vale lembrar que pessoas diagnosticadas com fibrose cística podem contar com acompanhamento médico gratuito nos centros de referência espalhados pelo Brasil. Em muitos desses espaços, os pacientes têm auxílio de equipe multidisciplinar formada por profissionais de várias especialidades, como pneumologista, fisioterapeuta, nutricionista, psicólogo, farmacêutico, enfermeiro, assistente social e gastroenterologista.

OLHAR PARA O FUTURO

Desenvolvidas a partir de 2012, as moduladoras da função da CFTR estão sendo encaradas pela comunidade científica, médicos, familiares e pacientes como a grande esperança no tratamento da fibrose cística por atuarem no defeito genético da doença. Os benefícios incluem melhora da função dos pulmões, diminuição das agudizações pulmonares e das internações, melhor qualidade de vida e prevenção da progressão da enfermidade. No total, são quatro medicamentos que devem ser indicados de acordo com o tipo genétio. “Eles representam o maior avanço recente na terapêutica da FC. A escolha do medicamento é determinada pelo tipo de mutação do paciente. Não significa a cura, mas os vários órgãos atingidos voltam a funcionar adequadamente. O tratamento deve ser para a vida toda”, lembra a médica Sonia Mayumi Chiba.

O Trikafta é o mais moderno e foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso apenas em crianças a partir dos seis anos e que tenham, pelo menos, uma mutação DeltaF508 — descrita como causadora da doença. Ou seja, cerca de 80% dos fibrocísticos. Cada embalagem conta com 84 comprimidos — a recomendação da bula são três por dia — dois diurnos e um noturno. Dessa forma, cada caixa dura 28 dias. A medicação deverá ser utilizada durante a vida toda.

Bento: exercício respiratório com a mãe, Daniela, e comemorando os cinco anos de vida

O grande problema é o alto custo, já que não é distribuído pelo SUS. Em agosto do ano passado, a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos estabeleceu a variação entre R$ 130.812,28 e R$ 167.356,63 no preço máximo para farmácias e drogarias. O valor depende do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de cada estado. A informação foi confirmada pela Anvisa à reportagem. Por isso, a burocracia para obtenção da substância fez com que os casos de judicialização crescessem no Brasil. Apesar de Bento ainda não ser elegível por causa da idade, Daniela confessa que já começou a organizar os documentos necessários. “Sei que ainda tem muita complicação até chegar ao Trikafta, mas estou me preparando. Pedi um laudo no centro de referência com o histórico do Bento para, quando ele fizer seis anos, poder dar entrada no processo. É difícil. Hoje, faço parte de vários grupos de pais que têm filhos com fibrose cística e, apesar da liminar, vejo a dificuldade que é para conseguir, mas não vou desistir. Vejo um futuro lindo para o Bento.”

 

Por Rede Galápagos

 

Leia mais:

PAPE: seis meses de aprendizados, desafios e 1.319 crianças atendidas – todas, pacientes do SUS

Por que conhecer os marcos de desenvolvimento infantil?

A escolha de pediatria e a importância da pesquisa durante a residência médica

O relato de uma mãe que fez a aula de EAD sobre primeira infância

Saúde infantil no centro de tudo

Comunicação PENSI

Comunicação PENSI

deixe uma mensagem O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

posts relacionados

INICIATIVAS DA FUNDAÇÃO JOSÉ LUIZ EGYDIO SETÚBAL
Sabará Hospital Infantil
Pensi Pesquisa e Ensino em Saúde Infantil
Autismo e Realidade

    Cadastre-se na nossa newsletter

    Cadastre-se abaixo para receber nossas comunicações. Você pode se descadastrar a qualquer momento.

    Ao informar meus dados, eu concordo com a Política de Privacidade de Instituto PENSI.