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O que significa ajudar alguém? Achar o caminho pela pessoa ou ensiná-la a achar o próprio caminho?
Essa semana na Ubá uma criança pediu minha ajuda para ir ao banheiro. Eu disse que estaria por perto e falei para me chamar quando precisasse de algo. Fiquei próxima à porta e ela foi se virando sozinha. Ao sentar-se, ela me disse: “Tem coisas que eu já sei fazer sozinha e outras não, né Lili?!”. Ela conseguiu fazer tudo sem ajuda. Num outro dia, uma outra criança pediu minha ajuda para vestir a roupa depois de ir ao banheiro. Disse-lhe: “Estou aqui. Comece a tentar e quando estiver muito difícil você me avisa e eu te ajudo”. E ela: “Mas eu não sei fazer sozinha! Lá na minha casa todo mundo me ajuda!”. Uma outra criança ainda, quando avisada de que era o momento de guardar os brinquedos que havíamos usado, disse: “Eu não gosto de guardar, eu não vou guardar.” Quando perguntei como era na sua casa, a resposta foi: “A moça que trabalha lá em casa que guarda tudo o que eu uso.”
Tenho passado algum tempo pensando no quanto estamos ajudando uma criança fazendo tudo por ela, inclusive o que ela já dá conta de fazer sozinha. Fazer por alguém é o mesmo que ajudar? Penso que não. Lembro-me de um aluno de cinco anos que não se vestia sozinho, nem colocava os sapatos. Sua mãe, na melhor das intenções, fazia tudo por ele. No entanto, na escola, quando ele estava não só sem sua mãe, mas com educadores que incentivavam sua autonomia nos cuidados consigo mesmo, vestir-se e calçar-se tornava-se um sofrimento: ele sentava no chão e era capaz de esperar muito tempo por alguém que fizesse por ele. No panorama geral da experiência dessa criança, ela estava sendo ajudada?
Como saber, então, se a criança já consegue abrir a torneira, vestir uma meia, comer sozinha, cortar uma fruta, levar seu prato na pia, guardar os brinquedos, amarrar o tênis? Precisamos olhar para essa criança e apostar na sua potência, na sua capacidade de cuidar de si. Para os pequenos, o ato de cuidar-se está contido nessas pequenas ações cotidianas e é muito importante que desenvolvam a confiança em si mesmos. Para tanto, é preciso inicialmente que nós, adultos, confiemos neles.
Na Ubá as crianças participam da rotina da casa: regam as plantas, colocam a mesa (e carregam-na para onde querem tomar o lanche), levam seus pratos e copos na pia, guardam os brinquedos. Elas são capazes de tudo isso. Temos usado bastante em nossas intervenções a palavra “coragem” e também dito às crianças: “Estou aqui. Se precisar de ajuda é só pedir”. É preciso que elas tentem para saberem ou não se conseguem. Só sabemos se precisamos de ajuda quando já tentamos e não conseguimos. E saber pedir ajuda é um aprendizado, mas temos que começar a diferenciar o ato de ajudá-las e o de fazer por elas. Quando fazemos pela criança o que ela já consegue pelo menos começar a fazer sozinha, estamos mandando uma mensagem indireta de que ela não é capaz e isso coloca a criança num lugar de não potência, de fragilidade, ao qual ela não pertence. Além disso, tira da criança a responsabilidade por si própria, essencial para seu desenvolvimento.
Agora, é fato que às vezes ela não conseguirá mesmo colocar a meia sozinha e, para essas situações, fica uma dica: observe o que está difícil da criança fazer e faça somente essa parte do trabalho. Por exemplo, coloque a meia no começo dos dedos, e deixe que ela suba a meia por trás do calcanhar. É preciso haver alguma ação da criança. O desafio é dar-se o tempo para observá-la, escutá-la e só então ajudá-la, se assim lhe for pedido.
Lembro-me também de uma cena em que uma criança de oito anos colocava suco no seu copo (com uma jarra grande e cheia) e derrubou grande parte pela mesa. Ao seu lado uma outra de quatro anos, com a maior propriedade, pegou a jarra e colocou suco em seu copo sem derramar uma gota. A de oito olhou estupefata, quase que inconformada. A diferença? Os adultos que convivem com a criança de quatro sempre apostaram que ele é capaz, até das menores ações – que definitivamente não são tão pequenas assim.
Pela nossa experiência de um ano na Casa, posso dizer que as crianças ficam muito realizadas quando reconhecem sua potência. Uma família disse-nos certa vez: “O que ele mais gosta aqui da Ubá é que as crianças que arrumam a mesa do lanche, volta pra casa todo dia contando desse momento”. E acreditem ou não, elas costumam ser capazes de muito mais do que imaginamos.
Vamos devolver às crianças seu lugar de potência? Criemos mais contextos para que aprendam a pedir ajuda se e quando precisarem, e nós, adultos, ofereçamos menos. Coragem a nós e a elas nessa caminhada!
Atualizado em 20 de setembro de 2024