Instituto PENSI – Estudos Clínicos em Pediatria e Saúde Infantil

“A pesquisa tem embasado nossas práticas clínicas, e hoje conhecemos muito mais sobre o autismo”

PENSI fortalece programa de autismo com a chegada da dra. Noemi Takiuchi, fonoaudióloga que passou os últimos 21 anos na Santa Casa de São Paulo

 

O programa Autismo e Realidade passou a fazer parte em 2015 da estrutura do Instituto PENSI. Desde então, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) se tornou uma área estratégica, com a realização de pesquisas científicas, seminários, cursos, materiais informativos e campanhas de sensibilização. Comprometido com a saúde e o bem-estar de crianças e adolescentes dentro do espectro, além de suas famílias, o instituto reforça o time com a chegada da dra. Noemi Takiuchi, renomada fonoaudióloga que passou os últimos 21 anos na Santa Casa de São Paulo.

Lá, a especialista foi responsável pela estruturação de um ambulatório de fonoaudiologia em autismo. Ela traz, portanto, uma vasta experiência em transtornos do neurodesenvolvimento e uma visão inovadora para o atendimento e suporte a crianças com autismo. Sob a liderança da dra. Noemi, o PENSI está implementando várias iniciativas para fortalecer seu programa de autismo, que engloba de maneira única assistência, ensino e pesquisa, além dos projetos de capacitação.

No ambulatório do PENSI, por exemplo, a meta é dobrar o número de crianças atendidas — atualmente são 30. “Além de aumentar a capacidade de atendimento, vamos também focar em oferecer intervenções multiprofissionais precoces, reconhecidas por seus benefícios significativos no desenvolvimento das crianças com autismo”, diz a dra. Noemi.

Para que o atendimento SUS seja ampliado e sustentável, o PENSI ampliará a parceria com instituições de ensino e oferecerá cursos práticos pagos, destinados tanto a profissionais da saúde como aos da educação. “Essas formações incluirão uma imersão prática em autismo, algo que muitas vezes falta nos cursos teóricos disponíveis no mercado”, acrescenta a dra. Noemi. Ela acredita que essa abordagem prática não apenas ampliará a assistência, mas também formará profissionais mais bem preparados para lidar com o autismo em suas diversas manifestações.

Como a pesquisa é um pilar fundamental no PENSI, a dra. Noemi está entusiasmada em integrar a prática baseada em evidências com um olhar social, visando a soluções que possam beneficiar a população como um todo, especialmente aquela dependente do SUS. A conscientização sobre o autismo também é um foco importante, com iniciativas voltadas para a educação da sociedade e a defesa dos direitos das pessoas no espectro. A seguir, a entrevista com a fonoaudióloga que passou 21 anos na Santa Casa e acaba de se integrar ao PENSI.

Notícias da Saúde Infantil — Como começou seu interesse pelo TEA?

Noemi Takiuchi — Na USP, durante a graduação, eu me interessei por psiquiatria infantil e especialmente pelo autismo, que na época não tinha a prevalência atual e o atendimento era restrito às instituições. Após a graduação, em 1993, fiz uma especialização e trabalhei por um ano no Instituto de Psiquiatria, com autismo e outros transtornos do neurodesenvolvimento. Depois, na USP, atuei como supervisora no curso de fonoaudiologia, focando em diagnóstico diferencial e intervenção em transtornos de linguagem, sempre com muitos casos de autismo.

Notícias da Saúde Infantil — Quando você começou a dar aulas na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo?

Noemi Takiuchi — Minha atuação na Santa Casa começou em 2003, quando fui convidada a fazer parte do corpo docente no recém-aberto curso de fonoaudiologia. Iniciei como professora e, ao longo dos anos, assumi várias responsabilidades. Primeiramente, fui responsável pela parte de linguagem, desenvolvimento de linguagem e das alterações no desenvolvimento de linguagem, incluindo o autismo. Além de ministrar as aulas teóricas, estruturei um ambulatório de fonoaudiologia em autismo. Posteriormente, houve uma parceria com o CAISM na Vila Mariana, aonde levamos nossos alunos para realizar terapias junto com a equipe contratada. A Santa Casa também criou uma unidade específica de autismo, coordenada pela doutora Rosane Lowenthal. À medida que minha carga horária aumentou para 40 horas semanais, deixei de ter consultório particular para me dedicar integralmente à faculdade. Passei a coordenar a parte clínica dos estágios e, depois, assumi a diretoria do curso. Durante minha gestão, percebi uma grande demanda por atendimento de crianças com autismo, tanto na clínica de fonoaudiologia como no ambiente educacional, devido às políticas de inclusão e à legislação educacional brasileira.

Notícias da Saúde Infantil — Como lidou com esse aumento de demanda?

Noemi Takiuchi — Aumentei a carga horária teórica de autismo no curso para 25 horas, ampliando também o número de estágios práticos. Inicialmente, tínhamos três vagas optativas para alunos interessados em autismo, mas ampliamos para 15. Além disso, incluímos crianças com autismo no módulo prático de clínica infantil e contratamos professores e supervisores especializados na área. Com essas mudanças, formamos um grupo capacitado de profissionais e oferecemos uma formação mais robusta para os alunos lidarem com o autismo de maneira eficiente.

Notícias da Saúde Infantil — As dificuldades no desenvolvimento de fala e linguagem tendem a ser as primeiras manifestações que as famílias percebem dentro do autismo?

Noemi Takiuchi Sim. Dados de pesquisa já indicam isso. No início da minha carreira, o autismo tinha um estigma muito grande, e as famílias raramente procuravam primeiro um psiquiatra infantil ou neuropediatra. Elas tendiam a procurar um fonoaudiólogo porque o filho não estava falando. Receber o diagnóstico de autismo era difícil para as famílias devido ao estigma e aos critérios de diagnóstico, que eram para casos mais graves. Com a ampliação do fenótipo, isso mudou, mas a resistência ao diagnóstico permaneceu por um tempo. O encaminhamento exigia trabalhar e acolher a família, buscando o acompanhamento necessário, incluindo terapia e, em alguns casos, medicação. Isso acontecia tanto na Santa Casa, no SUS, como no consultório particular. Muitas vezes, encaminhávamos para fechar o diagnóstico e fazer o laudo médico, pois as famílias vinham com a queixa de que o filho não falava.

Notícias da Saúde Infantil — A detecção precoce das dificuldades de fala faz muita diferença no desenvolvimento?

Noemi Takiuchi Faz bastante diferença. Há um grande espectro de manifestações. Temos crianças que falam muito bem, com vocabulário acima da média, e que aprendem outras línguas espontaneamente. Por outro lado, há crianças que têm muitas dificuldades para combinar palavras em orações e estruturar um discurso. Algumas têm dificuldade no planejamento motor para a fala, e, nesses casos, precisamos usar sistemas de comunicação alternativa. É interessante porque, às vezes, a questão motora é o problema, mas a linguagem simbólica e cognitiva está preservada. Quando trabalhamos com sistemas de comunicação alternativa ou digitação, vemos o quanto elas têm a comunicar. Existem casos de livros escritos por pessoas que se comunicam muito bem pelo computador ou com pranchas de comunicação alternativa, mas que não conseguem planejar a fala. As intervenções precoces têm trazido benefícios de maneira geral. Sabemos que, se a criança desenvolve fala e linguagem até os quatro anos, isso é um preditor de desempenho geral para a pessoa com autismo. Aqueles que evoluem para um desenvolvimento de linguagem mais funcional e estruturada até os quatro anos têm um desempenho melhor em outras aprendizagens. A linguagem é essencial para tudo, especialmente para a interação social. Estudos também mostram que pessoas com autismo que têm melhor capacidade comunicativa tendem a ter menos comportamentos disruptivos. Poder comunicar o que incomoda, o que quer, o que precisa, ajuda a se organizar, e vemos essa correlação entre desempenho comunicativo e menos comportamentos disruptivos.

​​Notícias da Saúde Infantil — Em relação ao aumento da prevalência de TEA, que é uma questão bem discutida, qual é a sua opinião sobre esse aumento?

Noemi Takiuchi Eu acho que há questões relacionadas à mudança dos critérios diagnósticos, que interferiu bastante. Antes, utilizávamos a nomenclatura autismo para uma parte do espectro, e hoje isso se ampliou. Além disso, a formação dos profissionais melhorou para fazer o diagnóstico. As políticas também têm auxiliado, porque antes as crianças eram diagnosticadas como deficientes intelectuais para poderem ser incluídas nas escolas. Quando olhamos alguns estudos, houve uma inversão: uma redução no diagnóstico de deficiência intelectual e um aumento no de autismo, pois antes as crianças com autismo não podiam ir para a escola. Não existia essa lei que garante o acesso às crianças com autismo. Então, acho que esses três fatores influenciam, mas acredito que estamos tendo um pequeno aumento. Precisa ser estudado em termos de diferenças entre os países e as culturas. Sabemos que há alguns estudos que mostram alguma diferença, mas não temos nenhum estudo brasileiro mais consistente, epidemiológico. Se pensarmos no CDC, que estima 1 a cada 36 crianças, é necessário entender que esses 2% a 3% da população não são dos casos graves, são de todo o espectro. Na Emei, por exemplo, vemos cerca de 2% das crianças com o diagnóstico fechado ou com os sintomas que nos fazem levantar a hipótese diagnóstica de autismo.

Notícias da Saúde Infantil — Como você veio parar no PENSI?

Noemi Takiuchi Fui indicada por Ana Luiza Navas, do Conselho do PENSI, e convidada pela diretoria do instituto, após ser desligada da Santa Casa. Eles me mostraram o sonho de transformar o autismo em algo muito grande. Fiquei muito interessada porque é um local sério, com uma preocupação real com a saúde pública, algo que faço há mais de 20 anos. Temos um programa sólido que busca modelos, soluções e estratégias para ajudar a população, considerando que mais de 80% dos brasileiros dependem do SUS. Isso me encantou. As pesquisas no PENSI despertam um grande interesse, focadas em práticas baseadas em evidências com um olhar social, visando a resultados para uma parcela maior da população. É pouco frequente no Brasil ter grupos que aliam pesquisa e atendimento real. Estou montando uma nova equipe e trabalhando para construir um novo ambulatório, que atenda a mais pacientes. Atualmente, atendemos 30 crianças, mas a meta é ampliar para 60, ainda com uma fila de espera significativa.

Notícias da Saúde Infantil — Noemi, você também vai ter uma função de gestão, especialmente do ponto de vista sustentável. Quais são os caminhos para financiar essa crescente demanda?

Noemi Takiuchi Vejo a parceria com o ensino como um ótimo caminho para aumentar a assistência. Temos um programa de residência, recebemos estagiários e oferecemos cursos pagos com prática. A maioria dos cursos disponíveis é teórica, muitas vezes on-line, e falta uma formação prática em que os alunos possam realmente ter acesso a pessoas com autismo e entender as possibilidades de intervenção. Isso amplia nossa assistência, pois minha equipe pode supervisionar enquanto os estagiários e residentes atendem.

Cursos pagos são uma necessidade, com muita procura, até na área médica, não só em reabilitação, fonoaudiologia, psicologia e terapia ocupacional, mas também em avaliação e diagnóstico. Isso pode nos ajudar a captar recursos. Outra frente é a demanda por informações e formações que recebemos de empresas, hospitais particulares e sindicatos. Podemos oferecer formações in company para grupos interessados na expertise do Instituto PENSI.

Além disso, escolas públicas e privadas procuram nossa orientação devido à nossa forte atuação na conscientização e defesa dos direitos, o que fortaleceu nossa imagem como referência na área. Recebemos frequentemente e-mails de jornalistas e outras pessoas buscando informações sobre prevalência e planos de saúde. Livros e cartilhas também são muito acessados tanto pela população leiga como por um público específico.

Notícias da Saúde Infantil — Como você vê o futuro do autismo no Brasil?

Noemi Takiuchi Tenho muita esperança. Acho que, com a discussão mais ampliada e o autismo em foco, conseguiremos oferecer oportunidades para o pleno desenvolvimento das pessoas no espectro. A pesquisa tem embasado nossas práticas clínicas, e hoje conhecemos muito mais sobre o autismo, desenvolvendo práticas que têm trazido resultados excelentes. Entendemos a importância da identificação e intervenção precoces, da intensidade das terapias e do papel crucial da família. Além disso, a mudança da sociedade é essencial. As pessoas com autismo processam informações de maneira diferente e precisamos compreender isso. Trabalhando para que elas se desenvolvam e promovendo inclusão e conscientização, podemos ter uma sociedade que acolhe, dá oportunidades e compreende. As pessoas com autismo têm muito a contribuir, e juntos podemos transformar a sociedade em um lugar mais empático, acolhedor e inclusivo, o que beneficiará a todos.

Por Rede Galápagos

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