Caso Fernanda: Angiotomografia
Texto por Dora Leite
O profissional Child Life pode ser crucial na realização de alguns exames sem o uso de anestesia geral nos pacientes pediátricos. Fernanda, 2 anos, paciente do Sabará Hospital Infantil, possui o diagnóstico de insuficiência intestinal e precisava realizar uma Angiotomografia Venosa de Tórax, Abdomen Superior e Pelve. Esse é um exame contrastado, portanto exige um jejum prévio de quatro horas.
Até aqui já temos alguns importantes fatores que compõem o nível de estresse pelo qual Fernanda poderia estar passando. (1) A idade é crucial para compreendermos algumas reações. Aos 2 anos o principal fator de minimização de estresse é a presença do cuidador, além de ser muito predominante a ansiedade e estresse na presença de estranhos, em situações de imobilidade ou restrição de movimento e na falta de rotina (Sherr at al, 2006). (2) A longa hospitalização por conta de um diagnóstico complexo é algo que se soma ao cansaço cotidiano e nos momentos de maior estresse a carga da exaustão acumulada pode aparecer de forma intensa em comportamentos explosivos ou angustiados. (3) O fato de ser uma Tomografia pressupõe que a criança fique deitada na maca até entrar no tubo em que realizará o as fotos do caminho venoso, isso minimiza a sensação de controle que é crucial nessa etapa do desenvolvimento psicossocial para o desenvolvimento da confiança. (4) O tempo prévio de jejum gera irritação nas crianças uma vez que o ambiente não está fornecendo a ela o que seu corpo esfomeado está clamando. (5) Por ser uma angiotomografia de três áreas do corpo, é um exame com contraste que dura em média 20 a 30 minutos, tempo que Fernanda deveria estar imóvel dentro do tubo.
Diante desse contexto, a paciente teria indicação de realizar o exame com sedação. O que aumenta o tempo de exame, o tempo em jejum e os riscos comuns à anestesia geral. A equipe do Child Life foi acionada para o acompanhamento da angiotomografia da Fernanda que seria feito, no entanto, sem anestesia. Fui até o quarto da criança e conversei com a mãe sobre como poderíamos organizar o dia dela para que o exame fosse realizado da forma mais fácil e confortável possível para Fernanda. A mãe me contou que ela já havia realizado algumas Tomografias sem anestesia, mas que como essa levaria mais tempo e tinha adição do contraste, uma possibilidade seria fazê-la dormir no horário agendado no Centro de Diagnósticos (ela tem sono pesado e não acordaria durante o procedimento, segundo a mãe).
Neste dia, portanto, reorganizou-se a rotina de Fernanda para que a hora do sono fosse mais tarde do que normalmente é. Descemos até a sala de Tomografia e expliquei o planejamento para a equipe. Em um primeiro momento, Fernanda entrou andando na sala, com os pais. Ela viu os desenhos na parede e os pais a colocaram de pé na maca para que ela visse a nave desenhada na máquina de Tomografia. Fernanda chorou algumas vezes e a mãe disse que era sono. Deixamos a sala a meia luz, com Fernanda e sua mãe assistindo um desenho. Às vezes Fernanda se assustava e começava a chorar de novo, mas foi se acalmando até adormecer naturalmente.
Foi feita uma contenção para proteção de Fernanda e o exame foi realizado sem intercorrências, com contraste e de luzes apagadas, respeitando o sono da criança. As enfermeiras se adaptaram para incluírem o tempo da família e principalmente da Fernanda na realização do exame, desde o momento da entrada na sala. Isso minimizou o trabalho da enfermagem numa possível realização da anestesia e os riscos prerrogativos da sedação geral. Foi respeitado o processo natural da Fernanda e o vínculo familiar essencial nesse momento de alto risco de estresse e ansiedade.