Eu resolvi reproduzir na íntegra o artigo da psicóloga Rosely Sayão publicado no “A Folha de S. Paulo” da semana passada, pois considerei o texto de extrema importância para todos os pais preocupados com o assunto “da moda” do momento: bullying.
Os problemas e as doenças também passam por fases e modas. Nas coleções passadas, desfilaram a depressão e a síndrome do pânico. Atualmente, o bullying desfila imperioso em todas as passarelas. Penso que na próxima estação, deverá ser a vez do transtorno bipolar, será? Eu, particularmente, tenho muito medo dessa moda. Estou até fazendo graça, mas é muito sério. Carimbar diagnósticos no modo “atacado” é extremamente perigoso, por ser algo taxativo e rotulante, um dos grandes temores dos psicólogos em ação.
Uma tristeza comum da natureza humana é considerada depressão sem maiores ou mais profundas investigações. Daí, se a pessoa em questão sai sozinha dessa tristeza e mostra-se toda felizinha, pronto! É bipolar! E se alguém demonstra medo de dirigir à noite em uma cidade como São Paulo, é pânico na certa.
Eu não estou dizendo que tristeza não pode ser depressão, que oscilação de humor não é bipolaridade ou que medo não é pânico. PODE SER. Mas não é necessariamente. O “atacado” é o que me assusta, assim como a falta de investigação profissional adequada. E o bullying entrou nessa festa também, infelizmente. Considero esse tema até mais complicado, pois não se trata de um transtorno ou uma doença, mas sim um comportamento, que tem sido facilmente confundido com atitudes cruéis, porém normais de crianças e adolescentes quando apontam e dão risadas das diferenças entre eles.
Notem que usei palavras como “comportamento”, “normal” e “diferenças” ao me referir ao bullying, portanto vale a pena refletir: existe algo mais subjetivo e difícil de conceituar do que os comportamentos, as normalidades e as diferenças? Dá para generalizar qualquer ação nem tão legal ou bacana assim e categorizá-la como bullying?
O artigo está aí tanto para esquentar essa discussão, quanto para acalmar as preocupações de pais e mães.
Aproveitem! Deixem suas opiniões e vamos conversar sobre o assunto!
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“Há muita gente que não aguenta mais ouvir falar de bullying. O assunto é tema de reportagens nos jornais diários de todos os tipos, nas revistas semanais, nas prateleiras das livrarias, nas bancas de revistas, na internet etc.
Já conseguimos esvaziar o sentido dessa palavra e seu conceito de tanto que a usamos e de tanto fazer associações indevidas com o termo.
Basta um pequeno drama ou uma grande tragédia acontecer, envolvendo jovens, que não demora a aparecer a palavra mágica. Agora, ela serve para quase tudo.
Além de banalizar o conceito, o que mais conseguimos com o abuso que temos feito dele? Alarmar os pais com filhos de todas as idades.
Agora, a preocupação número um deles é evitar que o filho sofra o tal bullying. O filho de quatro anos chega em casa com marca de mordida de um colega? Os pais já pensam em bullying. A filha reclama de uma colega dizendo que sempre tem de ceder seu brinquedo, ou o filho diz que tem medo de apanhar de um colega de classe? Os pais pensam a mesma coisa.
Alguns deram, por exemplo, de reclamar que a escola que o filho frequenta tem, no mesmo espaço, estudantes de todas as idades e dos vários ciclos escolares. Então agora vamos passar a considerar perniciosa a convivência entre os mais jovens porque há diferença de idade entre eles? Decididamente, isso não é uma boa coisa.
As crianças e os jovens aprendem muito, muito mesmo, com o convívio com seus pares mais novos e mais velhos. Ter acesso a alguns segredos da vida adulta pelas palavras de outra criança ou de um adolescente, por exemplo, é muito mais sadio e interessante do que por um adulto. Um exemplo? A sexualidade.
Outro dia ouvi um diálogo maravilhoso entre uma criança de uns dez anos e um adolescente de quase 16. O assunto era namoro. Em um grupo, os mais velhos comentavam suas façanhas beijoqueiras com garotas. A criança (pelo que entendi, era irmão de um dos mais velhos) passou a participar da conversa querendo saber detalhes do que ele chamou de beijo de língua e ameaçou começar a também contar suas vantagens.
Logo a turma adolescente reagiu, e um deles falou que ele era muito criança para entrar no assunto. E um outro disse, sem mais nem menos: “Agora você está na idade de ouvir essas coisas e não de fazer, está entendido?”. O menor calou-se e ficou prestando a maior atenção à conversa dos maiores, sem intervir.
Imaginei a cena se tivesse acontecido com o garoto de dez anos e adultos. Não seria nada difícil que eles dessem atenção ao menino, que quisessem saber e fornecer detalhes a respeito das intimidades que podem acontecer num encontro entre duas pessoas. Muito melhor assim do jeito que foi, não é verdade? Com a maior simplicidade, o garoto foi colocado em seu lugar de criança e nem se importou com isso, mas, mesmo assim, pôde participar como observador da conversa dos mais velhos.
Conflitos, pequenas brigas, disputas constantes acontecem entre crianças e jovens? Claro. Sempre aconteceram e sempre acontecerão.
Mas esses fatos, na proporção em que costumam acontecer, não podem ser nomeados como bullying. Fazer isso é banalizar o tema, que é sério. Aliás, isso tudo acontece sem ultrapassar os limites das relações civilizadas se há adultos por perto. Essa é nossa questão de sempre, por falar nisso.
O verdadeiro bullying só acontece em situações em que os mais novos se encontram por conta própria, sem a companhia e a tutela de adultos, sem ainda ter condições para tal. Caro leitor: se você tem filhos, não os prive da companhia de colegas diferentes no comportamento, na idade etc. Esses relacionamentos, mesmo conflituosos, são verdadeiras lições de vida para eles que, assim, aprendem a criar mecanismos de defesa, a avaliar riscos e, principalmente, a reconhecer as situações em que precisam pedir ajuda.”
Atualizado em 18 de janeiro de 2024