O que tem em comum Batman, Superman, Pantera Negra, Homem Aranha, X-Men, Robin, Harry Potter e Mogly? Se você pensou em personagens de livros e histórias em quadrinhos está correto. Porém, mais do que isso, eles são órfãos ou crianças criadas, cuidadas ou adotadas por outras famílias.
Lendo outro dia sobre a programação cultural de Londres, me deparei com a curiosa exposição “Superheroes, Orphans & Origins: 125 years in comics” no Foundling Museum (Super-heróis, Órfãos e Origens: 125 anos em quadrinhos), em Brunswick Square.
O Superman da DC, que foi encontrado por seus pais adotivos, é apenas um dos muitos heróis de quadrinhos que são órfãos. Os pais do Homem-Aranha morrem em um acidente de avião e os do Batman são mortos em um assalto na rua. O Pantera Negra – cuja mãe morre logo após o parto e o pai é assassinado – é conhecido como o ‘Rei Órfão’. Já os X-Men da Marvel experimentam discriminação e ostracismo social. As primeiras experiências de vida dos super-heróis impactam em seus papéis e na postura que eles assumem sobre o bem e o mal em suas vidas cômicas.
Olhando além do gênero tradicional de ‘super-heróis’, a exposição também inclui personagens das primeiras histórias em quadrinhos de jornais, mangás japoneses e protagonistas de novelas gráficas contemporâneas. Jornais históricos, obras de arte originais e trabalhos digitais estarão em exibição, bem como exemplos de quadrinhos internacionais raramente exibidos no Reino Unido.
No contexto do Museu, existem paralelos impressionantes a serem explorados entre os enjeitados reais e suas contrapartes ilustradas. “Superheroes, Orphans & Origins” tem sua origem em um trabalho anterior encomendado pelo museu em 2014, quando o experiente poeta Lemn Sissay criou a peça específica para o local “Superman was a Foundling” (Superman era um enjeitado), um poema impresso nas paredes do Museu.
A exposição lista mais de uma centena de outros heróis da cultura pop que experimentaram infâncias alternativas, como Harry Potter, Batman e Matilda. A obra de Lemn Sissay destaca o status especial das crianças adotadas ou cuidadas na cultura popular, mas também destaca uma dissonância com a marginalização de seus verdadeiros filhos – companheiros de vida.
Oito anos depois de ter sido encomendado, “Superman era um enjeitado” tornou-se a semente para o novo projeto no Foundling Museum. “Super-heróis, Órfãos e Origens: 125 anos em quadrinhos” exibe as aventuras de órfãos e adotados fictícios, e os poderes únicos, inteligência e perspectiva conferidos por seu status de forasteiro.
A exposição é uma corrida colorida por meio de um elenco transnacional de personagens. Do “The Yellow Kid”, lançado em 1895, no New York World, passa por “Sanmao”, a história de um jovem carismático encontrando seu caminho em um mundo conturbado, desenhada pela primeira vez na China, em 1935, até criações contemporâneas como “Baseerah” da artista britânica-líbia Asia Alfasi, mangá que narra a vida de um órfão que sacrifica seus olhos para que milhares de outros seres possam ver.
Enquanto muitos dos personagens anteriores são atingidos por estereótipos de classe e raça, o longo arco desse tipo de personagem revela uma profunda costura de narrativa humanística, que simpatiza com os primeiros traumas de jovens. Essas histórias oferecem um nítido contraste com a realidade das crianças com a experiência de cuidados no Reino Unido, que, em média, têm pior desempenho na escola e, mais tarde na vida, são mais propensas a experimentar a pobreza e cometer suicídio do que outros adultos.
À medida que o gênero de quadrinhos evoluiu de um meio rápido e acessível para uma forma de arte para todas as idades, profunda e de complexidade emocional, tornou-se uma plataforma para autores com formação não tradicional falarem sobre suas primeiras experiências. No final da década de 1970, o artista espanhol Carlos Giménez começou a publicar quadrinhos serializados, retratando sua infância em uma das casas de assistência social estabelecidas sob o governo de Francisco Franco. Seu trabalho levantou o véu sobre um sistema de atendimento dominado pela violência e crueldade, e ganhou reconhecimento imediato como um importante registro histórico do tratamento das crianças na Espanha sob o regime fascista.
As memórias gráficas de Lisa Wool-Rim Sjöblom, “Palimsest”, publicadas em 2016, abordam um conjunto diferente de traumas em torno da adoção transracial e do apagamento de identidade. No livro, ela conta a história de sua infância como adotiva coreana, criada por uma família sueca em uma pequena cidade no norte do país, onde foi racializada e intimidada por outras crianças. O livro fala sobre a sensação não reconhecida da perda sentida por muitos adotados, cuja vida antes da adoção é muitas vezes retirada de sua história.
A exposição nos lembra que essas crianças tiveram que aprender a ter coragem e adaptabilidade, e entender a família e os relacionamentos melhor do que a maioria de nós. “Não deve haver vergonha. Porque você é incrível, e é por isso que você está inserido na cultura popular”, é a mensagem a ser dada.
As experiências de órfãos e adotados podem persistir como traumas, mas também podem levar a vidas extraordinárias. Sissay, Sjöblom e Giménes, alguns dos curadores e autores presentes na exposição e que também são órfãos, são exemplos brilhantes. Canalizando suas perspectivas únicas por meio de superpoderes criativos, eles estão ajudando a diminuir a distância entre heróis fictícios e jovens da vida real com origens familiares alternativas.
A Fundação José Luiz Egydio Setúbal tem conduzido o projeto “Impactos de Intervenções sobre a Institucionalização Precoce” (EI-3), em uma parceria internacional entre instituições norte-americanas e organizações brasileiras: o Hospital Infantil de Boston & Escola de Medicina da Universidade de Harvard, as Universidades de Tulane e de Maryland, o Instituto PENSI, o Instituto Fazendo História e a Associação Beneficente Santa Fé. O projeto também tem contado com o apoio do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, do Ministério Público do Estado de São Paulo e da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social.
O EI-3 tem como principal objetivo documentar e comparar os impactos que o acolhimento institucional e o acolhimento familiar, ambos com treinamento adicional, possuem sobre o desenvolvimento durante a primeira infância. Para tanto, ele vai atuar em três frentes: a pesquisa, o acolhimento familiar e o treinamento de cuidadores. O projeto acompanhará, ao longo dos próximos anos, o desenvolvimento de mais de 300 crianças que entraram no sistema de proteção à infância entre zero e 24 meses, e que vivem em abrigos e com famílias acolhedoras e comparar ao desenvolvimento de crianças que vivem com suas famílias biológicas.
Essa é a nossa contribuição nessa área tão sensível do sistema de proteção e da assistência social para crianças e adolescentes, ainda mais nesse momento pós-pandemia, onde muitos perderam seus pais.
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