Instituto PENSI – Estudos Clínicos em Pediatria e Saúde Infantil

Memórias afetivas da Primeira Infância

memórias afetivas

Uma amiga jornalista do Instituto PENSI, a linda gravidíssima Mônica Casanova, me pediu para escrever um texto sobre o que não pode faltar na vida de uma criança na primeira infância, baseado no meu texto anterior das memórias afetivas. A resposta lógica, racional, pediátrica e pela experiência de vida, seria AMOR.

Mas o que é amor nesta fase? Claro que as mães de plantão, minhas pacientes (nem tanto) e, óbvio, meu filho, dirão que é esta situação maluca de dedicação total, entrega, medo do abandono e da violência que se forma talvez na primeira vez que existe a afirmação “Vou engravidar”.

Não dá para negar que, nos dias de hoje, esta escolha é tardia, muito pensada na maioria das vezes, encaixada em uma rotina de trabalho, no início de vida acadêmica ou profissional. Não dá para negar também que um grande grupo de adolescentes tem tido gestações precoces e uma segunda gravidez ainda dentro da adolescência. Imagino o susto, em qualquer idade, se não houve planejamento. Afinal, não é escolher um prato ou uma cor para a casa. É uma escolha de vida. E podem falar: não estamos preparados para o amor incondicional nem para todos os problemas que aparecem ou aparecerão durante a vida com nossos filhos.

Bem, a segunda coisa que eu pensei que não pode faltar é COMIDA. Comida boa, saudável, acessível, prática e sem muito problema. Lógico que estou falando do leite materno. Exclusivo por seis meses, e com a adição de alimentos complementares a partir daí. Em uma longa e exaustiva caminhada para uma relação tranquila com a alimentação, com seus prazeres e dissabores, suas consequências e óbvio, sua felicidade.

A terceira coisa – me perdoem os meus colegas – antes das vacinas, eu colocaria o BRINCAR. O brincar, queridos pais, não é ligar o telefone ou o tablet na frente da criança e achar que ela está quietinha e super estimulada. O brincar significa sorrir, cantar, falar, tocar, observar e receber de volta um choro, um segurar de dedo, um sorriso ou uma careta, uma palavra que os pais acham que significa “papá”, e as mães, “mamá”, se referindo a eles mesmos. Acho que nossos bebês estão falando em alto e bom som, leite e comida. Podemos ficar aqui brigando horas com nossos psicólogos, nutricionistas, fonoaudiólogos e colegas.

Brincar não é jogar a criança em voo livre para o alto, e ainda falar “Estão vendo?! Ele(a) está rindo…”. Rindo de susto, obviamente! E o famoso “de novo” se refere a quase tudo na vida da criança. Li em algum lugar, seguramente em levantamento bibliográfico ou papo de influencer que, quanto mais brinquedos, menos a criança brinca. E eu digo que ela brinca se alguém brincar com ela. Mais tarde, no final da primeira infância, já conseguimos brincar horas com nossas bonecas e soldadinhos de plástico (os de chumbo são muito caros, podem crer). E eu lembro de minha infância, em um quintal grande (que eu achava monstruoso de grande), com gramados, áreas cobertas de cimento e árvores. Lá, eu fazia meus forte-apaches, minhas torres medievais e meus animais.

Sim, meus animais eram as formigas, as saúvas, os besouros e até moscas que, de acordo com o momento, eram amigos ou inimigos, e ficavam presas em tampinhas de relógio. Ahhhh já sei: vocês nem sabem o que é relógio que não esteja colado em um smartphone.  Relógio era um instrumento de pulso, dizem que inventado por Santos Dumont, e que tinha uma tampa acrílica, de vidro ou plástico, que caia sempre. Usávamos para as nossas micro jaulas, e claro, para as partidas malucas de futebol de botão, que quando não tínhamos mesas, usávamos o chão. O piso de cerâmica vermelho do banheiro da minha mãe era a nossa arena.

Legal (outra palavra que vocês só conhecem se eu falar ‘cool’), mas ainda temos mais uma coisa essencial – além das vacinas, é claro. AMIGOS. Sim, estes seres mágicos que servem para jogar, brincar, falar, se vangloriar, jogar futebol, videogames, ir às festas da escola ou de bairro e que as meninas conhecem por BFF. Algo ligado a bife? Não! A melhor amiga para sempre (Best Friend Forever, em inglês), que, na verdade, são trocadas umas mil vezes na primeira infância: da mãe, sempre apontada inicialmente, e para outras amigas que trocam de casa, bairro, escola ou que vemos que não eram tão legais.

Tem tanta coisa boa que é essencial na primeira infância. Talvez o pessoal da Fundação José Luiz Egydio Setúbal me repreenda pois não falei de responsabilidade, sustentabilidade, ética e políticas públicas e privadas. Mas, hoje eu quero só falar com vocês, pais (e como diz a língua portuguesa, aqui estão representados todos, todas, todes, de A a Z).

Moniquinha (desculpa te estereotipar, mas somos todos da mesma altura), espero que tenha respondido a tua pergunta. Um grande beijo.

Declaração de interesses: honorários como consultor e conferencista – Abbott, CPW, Danone, ILSI, Nestle, RB. Assessoria esporádica – Pandurata. Este texto só me faz conflitar comigo mesmo.

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