Em fevereiro, o Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) lançou o estudo “As múltiplas dimensões da pobreza na infância e na adolescência no Brasil”, elaborado com apoio da Fundação Vale. Seus números e dados são assustadores apesar de não serem uma novidade.
Como explicar que uma das dez maiores economias do mundo apresenta, pelo menos, 32 milhões de crianças vivendo na pobreza? Esse número representa 63% da população com idade até 17 anos no país, a maioria absoluta desta nova geração. Claro que parece que há algo de muito errado quando uma nação descuida de suas crianças e adolescentes e deixa atingir esse nível de descaso.
Tenho escrito, baseado na ciência, que os primeiros anos de vida são decisivos para o ser humano, seja em termos físicos, cognitivos ou emocionais. É na infância que o cérebro se forma, e as vivências nessa fase têm peso enorme na trajetória de cada indivíduo. A adolescência, por sua vez, marca a transição para a vida adulta, é quando deveríamos estar preparando nossos jovens para assumir as responsabilidades e, de alguma maneira, levar o país adiante.
Deixar milhões de crianças e adolescentes nessa situação de vulnerabilidade é tirar-lhes a possibilidade de um desenvolvimento pleno. Uma privação que não compromete apenas seu futuro pessoal, mas que impacta o destino do país. A pergunta é simples e a resposta para mim é, há muitos anos, angustiante: qual projeto de nação resiste a uma realidade em que mais da metade das crianças e dos adolescentes é negligenciada?
No ano passado, a Fundação José Luiz Egydio Setúbal, o Alana e a Andi, juntamente com mais de 150 organizações sociais lideraram a Agenda Movimento 227, que propôs aos então candidatos à presidência da república o “Plano País para a Infância e para a Adolescência”, com 137 propostas exequíveis para melhorar as condições dos jovens com até 18 anos no Brasil.
A pobreza tem múltiplas dimensões, e um levantamento do Unicef analisou dados sobre renda, alimentação, moradia, saneamento básico, educação, trabalho infantil e acesso à internet. Isso tudo muito de acordo com o que a agenda 227 propõe como atuação prioritária.
Em 2021, por exemplo, 14 milhões de crianças e adolescentes viviam em famílias cuja renda não era suficiente para garantir alimentação adequada. Já a falta de saneamento básico, grave risco para a saúde, era o problema mais abrangente, penalizando 21 milhões de meninos e meninas em 2020. Já na educação, 4 milhões de crianças e adolescentes estavam fora da escola, apresentavam atraso escolar ou ainda não tinham sido alfabetizados após os 7 anos, quadro que se agravou durante a pandemia de covid-19. Cerca de 5 milhões sofria com moradias inadequadas: lares cujas paredes são feitas de material inapropriado ou que têm quatro ou mais pessoas por dormitório ou em áreas de risco, como vimos esses dias no litoral de São Paulo. Sem contar as nossas históricas desigualdades raciais e regionais do país, que continuaram expondo parcelas da população a situações ainda mais preocupantes.
Nós temos como cultura achar que resolvemos os nossos problemas fazendo leis. O Brasil dispõe de legislação avançada, a começar pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, nos quais é notória a proteção aos direitos da infância e da adolescência. Mas, entre a teoria e prática, porém, somos muito ruins. Não sabemos ou não conseguimos colocar as leis para funcionar.
Foi acertada e muito bem-vinda a intenção do atual governo de pagar um adicional do Bolsa Família a quem tem filhos de até 6 anos. O dinheiro público deve ir para quem mais precisa, e não resta dúvida de que as crianças, assim como os adolescentes, têm que estar no topo das prioridades.
Porém, cabe a nós como sociedade definirmos qual o futuro queremos para as nossas crianças e adolescentes e cobrar – dos nossos dirigentes, políticos, governantes e de todos – atitudes para que possamos mudar o nosso futuro como Nação.
Termino lembrando o propósito de nossa Fundação:
“UMA INFÂNCIA SAUDÁVEL PARA UMA SOCIEDADE MELHOR”
Uma infância saudável não é uma infância sem doenças, mas uma infância e adolescência com condições de bem-estar físico, social e emocional e espiritual para alcançar desenvolvimento e potencial plenos. Todos têm um papel a fazer e contribuir nessa melhora.
Fontes:
Saiba mais:
https://institutopensi.org.br/nos-somos-movimento-227/
https://institutopensi.org.br/blog-saude-infantil/cuidando-da-crianca-na-pobreza/
https://institutopensi.org.br/blog-saude-infantil/pobreza-e-saude-da-crianca-2/