Instituto PENSI – Estudos Clínicos em Pediatria e Saúde Infantil

Quando a rede social e os games viram uma dependência ou um vício?

Vivemos num mundo bastante curioso. Quando pergunto para meus netos o que eles querem ser quando forem adultos, não titubeiam um secundo em responder youtuber. Outro dia uma jovem candidata a influencer pediu para eu ver uma live no Instagram que ela fizera com uma psicóloga infantil, também influencer. Na entrevista de uma hora conversaram sobre vários assuntos, confesso que não tive paciência para ver tudo, mas zapeando por algumas partes vi que os conselhos da jovem psicóloga não eram os mais adequados do ponto de vista técnico/acadêmico, pelo menos na minha opinião. Fui ver a formação da Dra. e só encontrei um site onde oferecia cursos para pais, sem referência a suas qualificações profissionais.

Nesta semana, vi uma reportagem na revista Crescer que mostrava uma mãe que havia resolvido cortar as redes sociais da vida filha pois não achava que estava fazendo bem para ela. A menina era realmente uma influencer, com mais de 2 milhões de seguidores, mas que segundo a mãe havia deixado de ser uma pessoa normal, que tinha uma vida ao ar livre, que fazia atividades como observação de pássaros, trabalhos voluntários, entre outras coisas, e passara a se preocupar com futilidades e com quantos likes e views tinha tido no dia. Não largava mais do seu smartphone. Segundo a mãe, depois de dois dias de muita irritação a filha “baixou a dopamina” e pode conversar e compreender.

Situações como estas são raras. Poucos pais e mães têm coragem ou vontade de enfrentar seus jovens filhos adolescentes e até os menores. Muitas vezes nem eles próprios conseguem se controlar em relações às redes sociais, é só ver o filme ‘O Dilema das Redes’, que mostra como age o algoritmo na produção da dopamina no nosso cérebro e cria esta dependência. Também existe uma outra variante que são os games, um problema ainda mais sério.

No dia 18 de junho deste ano entrou oficialmente no rol de doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS), o gaming disorder (transtorno dos jogos eletrônicos, em português). Trata-se, segundo a OMS, de um padrão de comportamento que prejudica a capacidade de controlar a prática dos games, de modo a priorizá-los em detrimento de outras atividades e interesses. A nova Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, a CID-11, tem previsão para entrar em vigor em 2022. A décima primeira revisão traz mudanças como a inclusão do distúrbio de games como um problema de saúde mental.

Sintomas como o aumento da prioridade dada aos jogos, que passam a prevalecer sobre outras atividades e áreas de interesse da vida pessoal e social, caracterizam esse distúrbio. Além disso, podem ser identificados a perda de controle sobre aspectos relacionados aos jogos, como duração e frequência das sessões; e a continuidade do vínculo com jogos mesmo com consequências negativas como o impacto na vida profissional, educacional, social e familiar.

Em 2017, calcula-se que mais de dois bilhões de pessoas fizeram uso frequente de jogos eletrônicos, sendo 205 milhões delas latino-americanas. Entretanto, diferentes estudos apontam que apenas cerca de 3% dos jogadores podem ser considerados viciados. Como diferenciar, então, uma preferência saudável pelo hobby de um distúrbio?

A dependência costuma estar ligada a restrição e precarização de todos os aspectos da vida, como piora no desempenho escolar ou profissional, afastamento de familiares, amigos e cônjuges. O que não é normal é o jovem abandonar as atividades que ele fazia antes, começar a faltar às aulas, deixar de lado os grupos de amizades, não realizar atividades básicas do dia a dia como comer, dormir ou tomar banho, por exemplo. Como o comportamento de dependência dos games ou de qualquer outro jogo está associado ao prazer proporcionado por sua prática, o jogador dificilmente relatará sintomas de um possível problema. É preciso que as pessoas que convivem com ele fiquem atentas a certas características manifestadas por um jogador compulsivo. São elas:

Existem dois erros comuns cometidos na relação com o jogador ou usuário de rede social: fazer um julgamento moral ou compará-lo a pessoas que não tem o problema. Atitudes muito críticas não são efetivas. O caminho é trazer a maior quantidade possível de racionalidade buscando o acolhimento e mostrando os prejuízos, como o afastamento dos amigos, da família ou a queda nas notas escolares. E a partir daí promover a negociação para reduzir o tempo gasto no jogo.

Em São Paulo, temos alguns centros onde se pode procurar ajuda:

  1. Ambulatório de Dependências do Comportamento Proad/Unifesp (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo).

Telefone: (11) 5579-1543.

  1. Programa Ambulatorial do Jogo (PRO-AMJO) do IPq-HC-FMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Telefone: (11) 2661-7805.

  1. Jogadores Anônimos: jogadoresanonimos.org.br

Saiba mais:

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