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Esses dias, enquanto andava a pé pelas ruas perto de casa, olhando para baixo, deparei-me com um chão preto. Parei. Olhei para cima. Amoras.
Em julho do ano passado, quando a Ubá estava em reforma para abrir, um homem passou na frente da casa e disse: “Esse chão em outubro fica inteiro laranja”. Pitangas. Ontem uma criança pegou uma pinha e ficou se perguntando de onde tinha aparecido aquilo, olhamos para cima, um pinheiro alto, comprido. No Instagram, uma amiga posta uma foto de uma calçada roxa e amarela: “Eu amo quando entendem que flores não são sujeira! Parem de varrer as calçadas floridas!”. Há um tempo já, quando pegava uma estrada de atalho entre Caraguatatuba e Ubatuba, passei por um tapete rosa de flores. Segui. Voltei. Era impossível não voltar. Desci do carro, parei à frente do jardim da casa onde estava o tapete e fiquei alguns minutos só contemplando, era surreal, era um jambeiro (se você nunca viu, procure ver). A dona da casa saiu, começamos a conversar, eu entrei e conheci sua casa, ela era costureira. Essa semana uma mãe veio buscar seu filho e este lhe sorri, com a boca toda amarela: “Você comeu manga hoje?!” ela pergunta.
No convívio com as crianças, tenho passado algum tempo pensando sobre a “sujeira”. É cada vez mais comum nos espaços de socialização em que as crianças ficam sem os pais que elas não possam se “sujar”. Nas festas: “Cuidado para não sujar a roupa!”. Criança brinca, sua, se arrasta, pula, mexe na terra, na areia, na água, pega minhoca, tatu-bola, flor, pedra, pinta o corpo todo, sobe em árvore, come caroço de manga (do tamanho do seu rosto). Não se “sujar” é não explorar. É urgente que nos incomodemos menos com as marcas dessas experiências e consigamos ver nelas não sujeiras, mas sim histórias.
Quando vi as amoras vieram na minha memória minhas vivências de pequena no sítio, com irmãs e primos: todas as nossas roupas eram roseadas, e várias nunca deixaram de ser, mesmo após várias lavagens. Comíamos amora o dia inteiro. O menino, se não estivesse com a boca amarela, talvez não tivesse o gancho para contar à sua mãe na saída que naquele dia havia chupado um caroço de manga. A maior possibilidade de sabermos que há uma árvore frutífera pelo nosso caminho é a fruta madura caída no chão, é ela que faz olharmos para cima e comermos. Fica, então, o convite: permita-se ver na “sujeira” uma possibilidade de um outro olhar. No caso do chão preto, o olhar caminhou para baixo, para cima e para dentro.
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Atualizado em 27 de setembro de 2024