Li outro dia sobre crianças e adolescentes, de 5 a 17 anos, que estavam usando o vão livre do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp). Como patrono do museu, deveria ficar feliz, afinal, crianças e adolescentes estariam utilizando o museu como fonte de aprendizado, cultura e educação. Mas, infelizmente, não é nada disso. É mais um desses sinais da imensa desigualdade do nosso país e da nossa cidade. Essas crianças estavam usando o vão livre como moradia, sem o cuidado de responsáveis ou adultos para supervisioná-los.
No final de março, o Ministério Público de São Paulo abriu inquérito, a partir de um pedido do próprio Masp, para apurar a situação desses menores e cobrar medidas de proteção ao grupo. Pelo que foi apurado pelos assistentes sociais da Prefeitura de São Paulo que acompanham o caso, muitos desses menores têm moradia fixa e familiares, mas “preferem a liberdade da rua”. Alguns também teriam vindo de lares com alta vulnerabilidade social ou de contextos abusivos. A situação piorou durante a pandemia (como todo o país) e, claramente, as famílias mais vulneráveis foram as que mais sofreram.
A administração do museu alertou o Ministério Público de que ‘as ações do grupo parecem se tornar gradativamente violentas’. Com o uso de drogas, alguns menores têm praticado pequenos furtos e roubos na avenida, levando carteiras, bolsas e até bicicletas.
Eles estão acampados no vão livre do Masp em barracas e dormem no chão forrado com papelão. Pedem comida e dinheiro ao longo da Avenida Paulista e vendem caixas de bala ou chocolate para ganharem algum trocado.
Pelo que foi apurado, alguns viviam antes na zona leste da capital e outros vieram de cidades como Franco da Rocha e Praia Grande. Eles relatam que não querem sair porque ‘a Paulista dá dinheiro’ e não vão voltar para a área de onde vieram, segundo um conselheiro tutelar.
Segundo dados da Prefeitura de São Paulo divulgados em janeiro deste ano, a população em situação de rua na capital cresceu 31% entre 2019 e 2021. Ao todo, a administração municipal estima que cerca de 32 mil pessoas estão morando pelas ruas e viadutos da cidade.
No inquérito civil aberto pela Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Capital, o MP cita os direitos garantidos pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), dentre os quais estão a moradia, a segurança, a educação, a saúde e o convívio familiar. O Ministério Público deu 15 dias para que órgãos como a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, o Conselho Tutelar da Bela Vista, a Polícia Militar do Estado de São Paulo e a Guarda Civil Metropolitana informem quais medidas de proteção e cuidado estão sendo tomadas com o grupo.
A Prefeitura informa que orientadores socioeducativos do Serviço Especializado de Abordagem Social (Seas) realizam abordagens diárias às crianças e aos adolescentes em situação de vulnerabilidade em todas as regiões da cidade. Eles são encaminhados para serviços socioassistenciais como unidades do Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes (Saica), unidade do Família Acolhedora.
Não é um problema simples de solucionar, mas certamente não é um problema de polícia e não será resolvido em 15 dias. Problemas complexos exigem soluções complexas e demoradas e, nesse caso, envolvem mudanças estruturais no Brasil, com melhorias na nossa assistência social, distribuição de renda, educação, saúde, etc. Precisaríamos mudar, e muito, as cabeças dos nossos políticos dos três poderes e dar ênfase na diminuição das desigualdades sociais, regionais e aí iniciar a construção de uma nação da qual teríamos orgulho de viver.
Saiba mais:
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