“Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!”
Certamente, as pessoas da minha geração recordarão desses versos de Casimiro de Abreu, que aprenderam nos bancos escolares dos anos 60. Nele, o poeta continua com suas recordações bucólicas de seus 8 anos. O poema retrata, talvez, o que deveria ser um dos períodos mais felizes da vida de uma pessoa.
Oficialmente, o Dia Mundial da Infância é celebrado em 21 de março, com o objetivo de promover uma reflexão sobre a defesa dos direitos das crianças. A data foi instituída pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Nós, como uma organização que trabalha para o bem-estar das crianças brasileiras, aproveitamos esse momento para reforçar a beleza da infância, lembrando de todo o potencial que uma criança tem em se tornar um cidadão útil, produtivo e melhorar a nossa sociedade, o nosso país, o nosso planeta.
Mas, como explicar que uma das dez maiores economias do mundo apresenta, pelo menos, 32 milhões de crianças vivendo na pobreza? Esse número representa 63% da população com idade até 17 anos no país, a maioria absoluta desta nova geração. Claro que parece que há algo de muito errado quando uma nação descuida de suas crianças e adolescentes e deixa atingir esse nível de descaso.
Tenho escrito, baseado na ciência, que os primeiros anos de vida são decisivos para o ser humano, seja em termos físicos, cognitivos ou emocionais. É na infância que o cérebro se forma, e as vivências nessa fase têm peso enorme na trajetória de cada indivíduo. A adolescência, por sua vez, marca a transição para a vida adulta, é quando deveríamos estar preparando nossos jovens para assumir as responsabilidades e, de alguma maneira, levar o país adiante.
Deixar milhões de crianças e adolescentes nessa situação de vulnerabilidade é tirar-lhes a possibilidade de um desenvolvimento pleno. Uma privação que não compromete apenas seu futuro pessoal, mas que impacta o destino do país. A pergunta é simples e a resposta para mim é, há muitos anos, angustiante: qual projeto de nação resiste a uma realidade em que mais da metade das crianças e dos adolescentes é negligenciada?
A pobreza tem múltiplas dimensões, e um levantamento do Unicef analisou dados sobre renda, alimentação, moradia, saneamento básico, educação, trabalho infantil e acesso à internet. Isso tudo muito de acordo com o que a agenda 227 propõe como atuação prioritária.
Em 2021, por exemplo, 14 milhões de crianças e adolescentes viviam em famílias cuja renda não era suficiente para garantir alimentação adequada. Já a falta de saneamento básico, grave risco para a saúde, era o problema mais abrangente, penalizando 21 milhões de meninos e meninas em 2020. Já na educação, 4 milhões de crianças e adolescentes estavam fora da escola, apresentavam atraso escolar ou ainda não tinham sido alfabetizados após os 7 anos, quadro que se agravou durante a pandemia de covid-19. Cerca de 5 milhões sofriam com moradias inadequadas: lares cujas paredes são feitas de material inapropriado ou que têm quatro ou mais pessoas por dormitório ou estão em áreas de risco, como vimos recentemente no litoral de São Paulo. Sem contar as nossas históricas desigualdades raciais e regionais do país, que continuam expondo parcelas da população a situações ainda mais preocupantes.
Nós temos como cultura achar que resolvemos os nossos problemas fazendo leis. O Brasil dispõe de legislação avançada, a começar pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nos quais é notória a proteção aos direitos da infância e da adolescência. Mas, entre a teoria e prática, porém, somos muito ruins. Não sabemos ou não conseguimos colocar as leis para funcionar.
Foi acertada e muito bem-vinda a intenção do atual governo de pagar um adicional do Bolsa Família a quem tem filhos de até 6 anos. O dinheiro público deve ir para quem mais precisa, e não resta dúvida de que as crianças, assim como os adolescentes, têm que estar no topo das prioridades.
Porém, cabe a nós, como sociedade, definirmos qual o futuro queremos para as nossas crianças e adolescentes e cobrar – dos nossos dirigentes, políticos, governantes e de todos – atitudes para que possamos mudar o nosso futuro como Nação.
Termino lembrando o propósito de nossa Fundação:
“UMA INFÂNCIA SAUDÁVEL PARA UMA SOCIEDADE MELHOR”
Uma infância saudável não é uma infância sem doenças, mas uma infância e adolescência com condições de bem-estar físico, social, emocional e espiritual para alcançar desenvolvimento e potencial plenos. Todos têm um papel a fazer e contribuir nessa melhora para assim comemorar UM FELIZ DIA DA INFÂNCIA!