Esse é o preocupante assunto de um relatório publicado no dia 16 de fevereiro, que alerta o que nós – pediatras, professores e outros profissionais que lidamos com crianças e adolescentes – já sabíamos. Evidentemente, o olhar do Banco Mundial está sob os aspectos econômicos, mas seu alerta é valido para a condição da infância como um todo. A pandemia de covid-19 causou uma enorme queda no capital humano em momentos críticos do ciclo de vida, prejudicando o desenvolvimento de milhões de crianças e jovens em países de baixa e média renda.
O novo relatório do Banco Mundial “Collapse and Recovery: How Covid-19 Eroded Human Capital and What to Do About It” (Colapso e Recuperação: como a pandemia de Covid-19 deteriorou o capital humano e o que fazer a respeito), analisa os impactos da pandemia nas crianças e nos jovens, nos principais estágios do desenvolvimento:
- Primeira infância (0 a 5 anos);
- Idade escolar (6 a 14 anos);
- Juventude (15 a 24 anos).
O relatório constata que os estudantes de hoje podem perder até 10% de seus ganhos futuros devido aos choques na educação provocados pela covid-19. Além disso, o déficit cognitivo nas crianças pequenas de hoje pode se traduzir em uma queda de 25% nos rendimentos em suas vidas adultas.
Essas quedas foram particularmente acentuadas no início da pandemia no Brasil e no México, com uma queda de 6% e 7%, respectivamente. O número de jovens que não estavam empregados nem matriculados em escolas ou em cursos de capacitação no Brasil aumentou substancialmente e chegou a 22% no último trimestre de 2021. Estar desempregado ou ter um emprego mal remunerado quando se entra no mercado de trabalho pode deixar marcas – estima-se que o impacto pode perdurar por até 10 anos. No final de 2021, o emprego jovem recuperou os níveis anteriores à pandemia, mas a tendência de médio e longo-prazo deste indicador continua a ser relativamente baixa (desde 2011, início do período de análise).
De 1º de abril de 2020 a 31 de março de 2022, as escolas no Brasil ficaram totalmente fechadas por 44% do tempo. Foram parciais ou totalmente fechadas por 90% do tempo no mesmo período. As matrículas no período pré-escolar diminuíram e mantiveram-se em baixa em mais de 13 pontos percentuais no final de 2021, face ao que teria sido previsto na ausência da pandemia. Além disso, os declínios nas matrículas escolares foram maiores entre crianças em famílias de menor nível socioeconômico.
Devido à pandemia, crianças em idade pré-escolar em vários países perderam mais de 34% da aprendizagem de linguagem e alfabetização e mais de 29% da aprendizagem em matemática, em comparação aos índices pré-pandemia. Em muitos países, mesmo após a reabertura das escolas, as matrículas na pré-escola não haviam se recuperado até o final de 2021; tendo caído mais de 10 pontos percentuais em diversos países. As crianças também enfrentaram maior insegurança alimentar durante a pandemia.
Evidências do Brasil, Etiópia, México, Paquistão, África do Sul e Vietnã mostraram que 25% de todos os jovens não estavam estudando, trabalhando nem fazendo cursos de capacitação em 2021.
As recomendações do Banco Mundial se dividem em ações imediatas e de longo prazo. No curto prazo, os países devem apoiar campanhas de vacinação e suplementação nutricional das crianças pequenas, duas das ações prioritárias da Fundação José Luiz Egydio Setúbal para essa década. Também devem aumentar o acesso à pré-escola e expandir a cobertura das transferências de renda para famílias vulneráveis, outras ações que estamos trabalhando por meio de pesquisas e projetos. Para crianças em idade escolar, os governos precisam manter as escolas abertas e aumentar o tempo de instrução, avaliar a aprendizagem e adequar o ensino ao nível de aprendizagem dos alunos, além de simplificar o currículo para se concentrar na aprendizagem básica. Para os jovens, é crucial oferecer apoio para a capacitação adaptada, a intermediação de empregos, programas de empreendedorismo e novas iniciativas voltadas para a força de trabalho.
Em longo prazo, os países precisam construir sistemas de saúde, educação e proteção social ágeis, resilientes e adaptáveis que possam se preparar melhor e responder aos choques atuais e futuros.
Como se vê, a pandemia ainda deixará seu rastro por muitas décadas. Cabe a nós, sociedade civil, juntamente com o governo, buscar soluções nas políticas públicas para amenizar o custo social imposto por esses três anos.
Fontes: