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O Brasil está em uma fase de transição do ponto de vista nutricional, ainda apresentando altas taxas de sobrepeso e obesidade, declínio da desnutrição e do raquitismo, mas ainda com prevalências extremamente altas de todos os problemas. As carências de vitaminas e minerais ainda são uma realidade preocupante, sendo a anemia um problema permanente. Estabelecer hábitos alimentares adequados significa trabalhar para aumentar a educação, melhorar o acesso econômico, social e de saúde, desenvolver diretrizes adequadas para o país e incentivar a formação contínua de médicos e profissionais de saúde.
O Brasil tem apresentado números conflitantes nos últimos anos em relação à insegurança alimentar, que é definida como a impossibilidade de fazer uma refeição completa por dia. Enquanto na fase pré-pandemia tínhamos uma das taxas mais altas da América Latina, a recuperação econômica tirou as pessoas da pobreza. No entanto, nos últimos anos, a recessão aumentou o número de pessoas que sofrem de insegurança alimentar e nutricional. A covid só agravou a situação de insegurança nutricional no nosso país, matando quase 800 mil pessoas com todas as consequências.
Antes da pandemia, em 2019, o Brasil já enfrentava desafios significativos em termos de segurança alimentar. A taxa de pobreza e a desigualdade social eram altas, e a insegurança alimentar afetava uma parte considerável da população. O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu 1,1% em 2019, mas a recuperação econômica estava em uma fase frágil, com muitos brasileiros ainda lutando para satisfazer as suas necessidades básicas.
A pandemia de covid-19, que começou em 2020, agravou as condições já precárias. O encerramento de empresas e as restrições à mobilidade resultaram em uma queda histórica do Produto Interno Bruto em 2020. A crise sanitária teve um impacto direto na segurança alimentar, com um aumento significativo da insegurança alimentar aguda. Em 2021, o número de pessoas afetadas pela fome no mundo subiu para cerca de 828 milhões, refletindo uma tendência alarmante que também se manifestou no Brasil.
A pandemia não afetou apenas a saúde pública, mas também desestabilizou o mercado de trabalho, levando ao aumento do desemprego e à redução da renda familiar. Esta situação fez aumentar a inflação alimentar, que se tornou um problema crítico, afetando principalmente as populações mais vulneráveis.
Em 2021, o Brasil começou a mostrar sinais de recuperação, com o PIB a crescer novamente. No entanto, a recuperação foi desigual e só beneficiou igualmente alguns segmentos da população. A participação da força de trabalho ainda estava ligeiramente abaixo dos níveis pré-pandemia e a inflação dos alimentos continuava a ser uma preocupação significativa.
A recuperação econômica foi acompanhada de esforços governamentais para atenuar os efeitos da insegurança alimentar, mas subsistem desafios. A combinação de uma inflação elevada com a desigualdade social continua a ameaçar a segurança alimentar de milhões de brasileiros, sublinhando a necessidade de políticas eficazes e sustentáveis para resolver estes problemas.
Nos últimos anos, a situação da fome e da insegurança alimentar no Brasil tem apresentado um panorama complexo, com avanços e retrocessos significativos.
No entanto, em 2023, houve uma mudança positiva. Um estudo apontou que 24,4 milhões de pessoas deixaram de passar fome, reduzindo o número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave para 8,7 milhões. Além disso, 20 milhões de brasileiros deixaram de sofrer com a insegurança alimentar moderada, representando uma redução de 30% em relação ao ano anterior. Considerando apenas a insegurança alimentar grave – em que as pessoas passam efetivamente fome – os números são os seguintes: de 2021 a 2023, eram 6,6% dos brasileiros (14,3 milhões). Já no período de 2020 a 2022, eram 9,9% dos brasileiros (21,1milhões) em insegurança alimentar grave. Na prática, isso significa que o Brasil ainda está no chamado “Mapa da Fome” – do qual saiu em 2014 e retornou em 2019.
E para nós, pediatras, fome significa que temos de trabalhar com diferentes problemas – ainda temos desnutrição grave, baixa estatura nutricional como sequela da desnutrição e carências de vitaminas e minerais. Neste cenário, a presença de alimentos mais acessíveis, atividade física inadequada e condições urbanas favoráveis, determinam o aumento exponencial de crianças com excesso de peso e obesidade. A recuperação econômica sem um plano adequado de combate aos extremos nutricionais manterá o quadro de fome, insegurança alimentar e crianças que serão adultos com problemas nutricionais.
Declaração de interesses:
Honorários como conferencista – Abbott, CPW, Danone, ILSI, Nestle, RB.
Assessoria esporádica – Pandurata.