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Em tempos de pandemia, de isolamento social, de crises políticas e econômicas, falamos praticamente de tudo, em todas as redes sociais, em todos os canais de comunicação, e temos opinião sobre tudo. Falamos de vírus, de medo, de pânico, das vantagens e desvantagens do isolamento. Vemos menos trânsito, menos barulho, menos poluição, mares e rios limpos. E vemos hospitais lotados, pacientes falecendo e cemitérios lotados de mortos e vazios de parentes. E por que falar de obesidade infantil hoje?
Inicialmente, porque existem fatores associados à mortalidade e aumento de risco de agravamento das complicações da Covid-19 em pessoas com diabetes, obesidade, hipertensão, doenças crônicas e alterações da imunidade anteriores. Segundo, porque os adultos jovens que têm tido maiores complicações respiratórias com o novo vírus apresentam obesidade.
Mas a obesidade não é uma doença que começa no adulto. Ela se inicia na infância, e temos diferentes caminhos para o excesso de peso. Há muitos anos, sabíamos que a obesidade infantil usualmente caminhava para um quadro de normalização com o crescimento e a puberdade. Os que apresentavam excesso de peso, com o aumento do tamanho, com as mudanças da puberdade, perdiam o excesso de massa gordurosa, cresciam e ficavam mais proporcionados.
Hoje, sabemos que desde o início da gestação, estamos determinando qual será o risco de apresentarmos excesso de peso ao nascimento e no futuro. O peso materno antes da gestação, o ganho de peso excessivo durante a gravidez, a falta de controle pré-natal, com possibilidades de problemas metabólicos como hipertensão e diabetes, pode levar a risco de obesidade no bebê. Assim como hoje sabemos que o quadro alimentar e metabólico do período pré-natal e o pós-natal até o segundo ano de vida, os chamados 1000 dias, determinarão um caminho possível para o excesso de peso e a presença de doenças crônicas do futuro.
Daí a necessidade de uma campanha maciça para conscientizar inicialmente os pediatras brasileiros, e a partir daí a expansão para as famílias sobre o problema da obesidade infantil. A famosa crença de que criança robusta é criança saudável ainda é uma realidade para muitos pais e mesmo profissionais de saúde. A criança com excesso de peso tem grandes chances de ser um adolescente e um adulto obeso.
A obesidade infantil ainda é um tabu e choca. No entanto, uma foto de uma criança rechonchuda, cheia de dobrinhas, e risonha, é o sonho de todas as mães. Muitos pediatras ainda observam por períodos longos sem intervir ao ver uma criança robusta e que não apresenta problemas de saúde.
Um trabalho antigo de nosso grupo mostrava que somente muitos anos após a chamada de atenção para o excesso de peso por um familiar, por bullying ou por um pediatra, as famílias iam buscar apoio especializado.
Em tempos de isolamento, com as crianças em casa o tempo todo, as dificuldades econômicas e a pressão das notícias, o aumento do consumo de alimentos com excesso de gorduras, açúcar e sal é observado. Há um menor consumo de folhas, vegetais e frutas, pela dificuldade de acesso contínuo. Famílias de mais baixa renda buscam alimentos de sobrevivência, e menos os perecíveis não tão essenciais para a sobrevivência.
A falta de atividade física, com o confinamento, leva a uma quase que total ausência do gasto energético, e ao cansaço e irritação das crianças. O uso de telas o dia inteiro diminui a chance de movimentação física em um ambiente já não adequado. A impossibilidade de estar ao ar livre, os ambientes pequenos e apertados e a falta de rotina aumentam a ingestão alimentar compensatória.
A conscientização de que podemos prevenir o excesso de peso e a obesidade tem tudo a ver com a possibilidade de manter um ambiente mais saudável nestes tempos de crise, mas especialmente no futuro. É importante entender que as doenças crônicas estão associadas entre si, começam cedo e podem ser prevenidas.
Assim, quando sairmos de nosso isolamento, de nossas quarentenas, de nossa nova rotina, possamos restabelecer hábitos mais saudáveis que nos protejam para o futuro, com uma alimentação mais adequada, mais consciente, mais equilibrada, com qualidade, quantidade e variedade.
Aprendamos o exemplo do compartilhamento das refeições que foi obrigatório, para um novo aprendizado do comer em comum. O preparo dos alimentos, a incorporação da criança na cozinha, o cuidado com a higiene, a falta que nos faz a atividade física, a rotina e os horários podem fazer com que tenhamos mais cuidados também com o excesso de peso. E vamos nos conscientizar que as epidemias de doenças crônicas também levam a doenças no futuro, nos fragilizam e devem ser combatidas como qualquer outra pandemia.
Milhões de dólares têm sido gastos em todo o mundo para pesquisas sobre a origem genética, programação metabólica (ou por que somos programados para ter doenças crônicas desde a infância ou do período perinatal), fatores de risco para o ganho de peso, e também para avaliar medicamentos, programas de mudanças de estilo de vida, com escolhas mais saudáveis, alimentares, físicas e emocionais. E as respostas são escassas. Mas todas levam a uma clara decisão: se não prevenirmos, não temos como combater…
Há algum tempo escrevi para a Veja Online, no blog Letra de Médico: “Se 61% da população brasileira está acima do peso, o normal como aprendemos na estatística é a maioria… O bullying começa nas casas, vai aprender na escola e tem pós-graduação na mídia. Não teremos uma resposta rápida para o problema, não existirá um único medicamento para tratar doenças tão diferentes que somente tem como característica comum o excesso de peso. Não existirá um único programa efetivo e eficaz para manter as medidas dentro de menores riscos”.
A obesidade é um problema do dia a dia e que não merece um único dia de conscientização. Ela merece ser avaliada, observada e respeitada todos os dias de nossa vida.
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Atualizado em 30 de janeiro de 2025
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