Instituto PENSI – Estudos Clínicos em Pediatria e Saúde Infantil

CONGRESSO – Os destaques do primeiro dia

Começou poderoso o primeiro dia do 6º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil. Quem participou pôde conferir o vasto conteúdo que circulou nas nove salas do Centro de Convenções Rebouças. Das 8h às 18h, foram 99 palestras com grandes nomes da pediatria infantil, além de uma aula prática sobre ECMO (Oxigenação por Membrana Extracorpórea). “A ideia foi abordar os temas com um enfoque multiprofissional e multidisciplinar, envolvendo áreas como medicina, enfermagem, fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia, Child Life Specialist, farmácia, bioética, odontopediatria, gestão hospitalar, humanização e voluntariado”, conta Fátima Fernandes, diretora executiva do PENSI.

O congresso, um marco no calendário de saúde infantil, é realizado pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal (FJLES), mantenedora do Sabará Hospital Infantil e do Instituto PENSI. “Com mais essa iniciativa esperamos fortalecer a missão da FJLES, que consiste em promover a saúde infantil por meio da assistência, geração e disseminação de conhecimento”, diz o dr. José Luiz Egydio Setúbal. Confira a seguir os destaques de algumas palestras.

TEA ou tela?

Com essa comparação, o neurologista da infância e adolescência Erasmo Casella, chefe da unidade de neurologia infantil do Instituto da Criança, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, começou a aula sobre os malefícios do uso de telas na infância. O dr. Casella contou sobre um paciente de apenas um ano e sete meses que chegou ao consultório com atraso na fala, não obedecia a ordens simples, não batia palmas e tampouco dava tchau. Também não apontava partes do corpo. A mãe do garoto ficou com ele até os 12 meses e depois voltou ao trabalho, em julho de 2020. Admitiu que durante a pandemia o acesso às telas aumentou vertiginosamente. “Estou vendo dezenas de casos assim, que dá até para se perguntar: é TEA ou tela?”

Segundo ele, durante a pandemia foi comum os pais afastarem os avós para preservá-los de um possível contágio, assim como as babás e empregadas domésticas, figuras essenciais no estímulo das crianças. Diante do relato materno, o neurologista orientou a mãe a suspender todas as telas, aumentar a interação com o menino por quatro meses e fazer a terapia ABA, sigla que vem do inglês e significa Applied Behavior Analysis, ou seja, análise do comportamento aplicada. Consiste em uma intervenção multidisciplinar e individualizada, com foco em situações reais. O objetivo é ampliar os comportamentos desejáveis e úteis. Deu resultado. O garoto passou a fazer tudo o que descrevemos acima. O dr. Casella apresentou um estudo em que a visualização de TV e/ou vídeo aos 12 meses foi significativamente associada a maiores sintomas de TEA, mas não com risco de TEA. Conclusão: as vias neurais desenvolvidas por excesso de audiovisuais afetam negativamente o desenvolvimento cerebral e social, causando atraso no desenvolvimento global.

Colaboração faz o sucesso da triagem neonatal e do tratamento de SCID

O imunologista Antonio Condino Neto, consultor científico do PENSI, liderou a extensa pesquisa que levou ao Programa da Triagem Neonatal ampliado, sancionado como lei em maio de 2021. No Simpósio de Infectologia e Imunizações, ele dividiu a tarde de palestras com a Dra. Jolan Walter, chefe da divisão de alergia e imunologia pediátrica do Johns Hopkins All Children ‘s Hospital e professora associada da University of South Florida.

Ambos abordaram diferentes aspectos da imunodeficiência combinada grave (SCID), considerada mundialmente uma emergência pediátrica, com manifestação precoce na infância. Segundo o dr. Condino, a identificação dos erros inatos da imunidade (EII), quando precoce, não apenas salva vidas como traz economia para a saúde pública. “Um transplante precoce pode custar até 1 milhão de reais, mas se ele não for feito e essa mesma criança for tratada de forma tardia, a conta sobe para 4 milhões, ou seja, identificar esses bebês não é despesa para o Estado”, observa. “Nos Estados Unidos, é direta a relação entre o aumento da triagem neonatal e a queda das infecções, evitando muitas tragédias familiares.” A dra. Walter reforçou, em sua palestra, a gravidade de sintomas, que incluem infecções, alergias severas, distúrbios autoimunes, inflamações, proliferação de linfomas e malignidade. “A imunologia oferece uma avaliação do sistema imune adaptativo e inato em vários aspectos, incluindo a avaliação genética de imunodeficiências e a discussão sobre tratamentos”, explica. “Por isso mesmo, defendo que a abordagem deve ser multidisciplinar, como no time do St. Joseph’s Children’s Hospital, onde temos equipes de hematologia, pneumologia, reumatologia e oncologia, entre outras.”

Doenças respiratórias na mira

No Encontro Multidisciplinar de Doenças das Vias Aéreas, o dr. Emanuel Sarinho, presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) e professor titular e vice-coordenador da pós-graduação em saúde da criança e do adolescente da UFPE, palestrou sobre o meio ambiente e as doenças imunoalérgicas. Há uma missão urgente contra as doenças imunoalérgicas: precisamos reforçar a nossa conexão com a natureza! Existem estudos que mostram que três dias de contato com a natureza já alteram positivamente a respiração e o funcionamento gastrointestinal. A convivência com a luz natural e com animais também reduz o estresse. De acordo com o especialista, a poluição agride vários componentes celulares e desregula a tolerância imunológica. Também existe um ciclo vicioso entre a alergia e as mudanças climáticas, pois o calor extremo aumenta os ácaros, os fungos e o pólen. Para o tratamento das doenças alérgicas, os pediatras devem recomendar leite materno, alimentos naturais, vitamina D, atividade física, respeitar horários de sono e evitar o estresse tóxico, que é inimigo da imunidade. A conclusão em relação à situação atual nessa especialidade, segundo o dr. Sarinho, é que a elevada prevalência de alergias é o grito de um mundo em perigo.

Já o pneumologista pediátrico Carlos Rodriguez Martinez, professor assistente de epidemiologia clínica da Universidad El Bosque, em Bogotá (Colômbia), mostrou uma análise do que recomendam os guias de prática clínica de bronquiolites. Segundo ele, o da academia americana de pediatria não recomenda broncodilatadores, nem mesmo dão opção de prova terapêutica para seguir usando em quem apresentava resposta positiva. No guia de prática britânico, nem antibiótico, nem hipertônico salino, nem adrenalina ou outros tratamentos. Mas a prática, na realidade, é diferente, pois os broncodilatadores são administrados por 80% dos médicos. Assim como existem 32 escalas diferentes para avaliar a severidade da bronquiolite, o dr. Rodriguez Martinez defende que se use uma escala para saber se um paciente responde ou não aos broncodilatadores (uma foi desenvolvida na Colômbia em 2013). O importante é que o médico identificou que a “bronquiolite viral” é um guarda-chuva usado para diferentes fenótipos ou enótipos e não é uma única doença. Observou, em anos de prática, pelo menos dois grandes grupos de pacientes, um com doença respiratória obstrutiva e outro com sintomas similares aos da asma. O especialista falou com exclusividade ao Notícias da Saúde Infantil nesta entrevista.

Miriam Cardoso Neves Eller, pneumologista pediátrica do Sabará Hospital Infantil e do Hospital Infantil Menino Jesus, com mestrado em pediatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, abordou o diagnóstico e o tratamento da tosse crônica na infância. Ela fez um importante alerta para os pediatras: não é recomendado administrar antitussígenos, já que a tosse é um reflexo vital de proteção das vias aéreas. Crianças saudáveis tossem em média dez vezes por dia, influenciadas por vários fatores. É importante notar que, após quatro semanas, a tosse em crianças já pode ser considerada crônica. A tosse seca ou a produtiva acomete de 5% a 10% delas. Os tipos mais comuns são:

1 – Episódios recorrentes de tosse aguda por IVAs (infecções das vias aéreas superiores)

2 – Tosse crônica seca inespecífica

3 – Tosse crônica com sinais de alarme ou específica

Em geral, em três semanas a tosse por IVAs vai embora em 90% das crianças. Quando elas não passam, é preciso consultar uma lista de sinais de alerta para investigar qual seria a doença de base dessa tosse. A dra. Miriam nota que não dá para esquecer da síndrome de tosse somática, que pode ser tratada com psicoterapia ou até mesmo com hipnose. Para os pediatras, uma das grandes tarefas é tranquilizar e educar a família sobre a presença e o motivo da tosse e assegurar que a crônica e inespecífica deve passar e não é uma doença grave.

Desafios no Consultório Pediátrico + Saúde Mental

Distúrbios alimentares, disforia de gênero e saúde mental no pós-pandemia foram assuntos de destaque no Simpósio de Desafios no Consultório Pediátrico + Saúde Mental.

Transtornos alimentares

Em sua palestra, a dra. Bacy Fleitlich Bilyk, ex-chefe da enfermaria de crianças e adolescentes do IPq-FMUSP, apresentou diferentes transtornos alimentares que, como ela mesma ressaltou, não são o mesmo que transtornos da alimentação (feeding and eating, em inglês). No primeiro caso, estão os conhecidos e populares distúrbios como anorexia e bulimia, enquanto, no segundo, se trata da seleção e recusa de ingerir determinados alimentos sem nenhuma razão aparente.

Bilyk destaca que, em ambos os casos, é necessário estar atento aos sinais apresentados por crianças e adolescentes, como preocupação excessiva com o peso e a alimentação, a apresentação de desculpas para não comer (“falta de fome”, “barriga cheia”, entre outras), alimentação na ausência de outras pessoas, uso de laxantes etc. Além disso, segundo ela, é necessário dar acolhimento e evitar julgamentos, recorrendo à ajuda especializada quando necessário.

Disforia de gênero

O dr. Alexandre Saadeh, coordenador do Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual do IPq-HCFMUSP, abordou a temática da disforia de gênero, condição que, segundo ele, não é uma doença, mas um desvio da normalidade. Trata-se das crianças e adolescentes que não se reconhecem em seus gêneros biológicos e buscam adotar o sexo oposto (transexualidade) ou não adotar nenhuma definição preestabelecida de gênero (não binariedade).

Segundo ele, é ainda mais desafiador lidar com esse tipo de questão “em uma sociedade conservadora e, por vezes, retrógrada, como a brasileira”, que passou a tratar todas as questões relacionadas a esse universo sob o rótulo pejorativo de “ideologia de gênero”, que, segundo ele, só se aplicaria à chamada teoria queer, em relação à qual ele mesmo diz ter ressalvas. Além disso, é necessário lidar com a quebra de expectativas vivenciada pelos pais, “a população mais heterocisnormativa que existe”, e fazê-los compreender a situação de seus filhos para que eles mesmos possam se aceitar.

Hiperinformação e saúde mental

Por fim, Rodrigo Sinott Camargo, psiquiatra e pesquisador do Programa de Atendimento e Pesquisa em Violência da Universidade Federal do Estado de São Paulo (UNIFESP), tratou da saúde mental de crianças e adolescentes no pós-pandemia de covid-19, destacando, dentre outras coisas, como o uso excessivo de celular, a hiperinformação atual e até mesmo as fake news e a polarização política têm contribuído para a deterioração das condições psicológicas desse grupo.

Para tentar resolver isso, ele elencou um conjunto de dez medidas elaboradas pelo UNICEF para ajudar pais ou responsáveis a cuidar da saúde mental das pessoas nessa faixa etária. Dentre elas, destaca a necessidade de crianças e jovens dormirem mais do que outros grupos etários e de os pais demonstrarem afeto por eles sem condicionar isso ao seu desempenho escolar ou ao seu comportamento.

John Paul Lima, fundador da start-up V Company do Brasil e professor e pesquisador da PUC-SP: série de inovações a partir do uso do metaverso.

Do metaverso à bioimpressão de órgãos

Na Mesa 3 do Simpósio de Inovações em Pediatria, no primeiro dia (6/10) do 6º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil, foram discutidas técnicas e transformações vivenciadas pela área médica e pela tecnologia como um todo nos últimos anos e as perspectivas para o futuro.

O vice-presidente do Grupo Alliar Gustavo Meirelles abordou as inovações em educação em saúde, destacando como os processos de ensino e aprendizado estão defasados em relação à quantidade de transformações vivenciadas pela tecnologia e pela própria sociedade nas últimas décadas. Segundo ele, é preciso estar preparado para a cada vez maior introdução de novas técnicas e recursos na vida cotidiana.

“Nós seremos, sim, substituídos por novas tecnologias, como a inteligência artificial. Nenhum setor vai escapar”, afirma ele. A solução será não reagir como os luditas, na primeira Revolução Industrial, que destruíam as máquinas temendo que elas tomassem seus empregos. “Como bem ressaltou o Walter Isaacson, biógrafo de Albert Einstein e Steve Jobs, precisamos conciliar o humanismo com a inovação. Esse é o futuro”, concluiu.

A palestra de John Paul Lima, fundador da start-up V Company do Brasil e professor e pesquisador da PUC-SP, apresentou uma impressionante série de inovações a partir do uso do metaverso, a união entre as dimensões física, biológica e digital numa realidade aumentada. Um dos exemplos apresentados foi justamente o da dra. Giselle Coelho, mediadora de mesa e neurocirurgiã pediátrica do Sabará Hospital Infantil, que foi a primeira médica no mundo a realizar uma cirurgia no metaverso, por meio de um avatar, como ela contou ao Notícias da Saúde Infantil, do Instituto PENSI, nesta entrevista.

Outra experiência destacada foi a da rede de laboratórios Hermes Pardini, que, também se utilizando do metaverso, inseriu crianças numa realidade fantástica para convencê-las a perder o medo de tomar vacina. Lá, personagens infantis introduzem a substância nelas como se fosse uma espécie de poção mágica, tornando o processo no mundo real praticamente indolor.

Encerrando, o fundador da TissueLabs, Gabriel Ligouri  contou como sua experiência pessoal, vítima de uma cardiopatia congênita desde a infância, o levou a estudar medicina e, mais tarde, a empreender na busca pela bioimpressão de órgãos. Usando técnicas de impressão 3D, ele mostrou as últimas inovações do setor e as perspectivas para o futuro, dentre elas a sua própria: criar o primeiro coração bioartificial transplantável do mundo, com previsão para ser concluído até o final da década.

Por Rede Galápagos

Fotos: Agliberto Lima

 

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