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SUE ANN COSTA CLEMENS – Liderança e reconhecimento na corrida pela vacina
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SUE ANN COSTA CLEMENS – Liderança e reconhecimento na corrida pela vacina

SUE ANN COSTA CLEMENS – Liderança e reconhecimento na corrida pela vacina

26/09/2022
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Cientista e professora, a médica infectologista Sue Ann Costa Clemens é líder na área de testagem e na educação sobre vacinas. Atuou de forma decisiva na validação do imunizante da Oxford/AstraZeneca contra a covid-19, o que motivou a prestigiosa Universidade de Oxford a abrir no Rio de Janeiro sua primeira unidade fora da Inglaterra.

 

Médica infectologista e pediatra, a carioca Sue Ann Costa Clemens foi responsável por coordenar estudos clínicos com a vacina da Oxford/AstraZeneca no Brasil. A cientista chefia o comitê científico da Fundação Bill e Melinda Gates, é professora convidada da Universidade de Oxford e criadora do primeiro mestrado em vacinologia do mundo, na Universidade de Siena, na Itália. No 6º Congresso Sabará-PENSI de Saúde Infantil, a dra. Sue Ann participará da conferência magnaA importância do investimento em pesquisa no Brasil” e da aula “Experiência na construção e condução de pesquisas com vacinas” na mesa Aspectos Importantes no Desenvolvimento de Vacinas, dentro do Simpósio de Pesquisa Clínica e Ética em Pesquisa.

A atuação da cientista e professora para o sucesso do imunizante produzido no Brasil pela Fiocruz teve tantas facetas que rendeu um livro detalhando seus bastidores: História de uma Vacina (editora História Real, 2021). Além de acionar seus contatos para conseguir financiamento da iniciativa privada, Sue Ann montou equipes técnicas e coordenou a montagem de seis centros que testaram mais de 10 mil voluntários no país. Sua liderança, o talento e a garra dos cientistas brasileiros foram reconhecidos: o Rio de Janeiro recebeu este ano a primeira unidade da Universidade de Oxford fora da Inglaterra. Na entrevista a Notícias da Saúde Infantil ela conta sobre os maiores desafios e os passos dados no desenvolvimento de vacinas e o que espera para o futuro próximo da área, que só avança graças a colaboração científica, vontade política e financiamento público-privado.

“O pediatra, o médico de família, o gestor público, seja no consultório ou no hospital, sempre podem gerar evidências. Então, se você gosta do que faz e ainda colabora gerando evidências, essa atitude pode fazer a diferença, seja para seu hospital, sua comunidade, seu país ou para o mundo.”

Notícias da Saúde Infantil — Em que medida o sucesso na fase de teste da vacina da Oxford/AstraZeneca foi responsável por essa nova unidade da Universidade de Oxford no Brasil?

Sue Ann Costa Clemens — Pensando que é no Brasil que ela abre a primeira unidade fora de seu campus, vejo um reconhecimento do trabalho, da expertise na ciência, do desenvolvimento clínico e da qualidade dos dados gerados, que passaram por aprovação de agência regulatória, o que teve impacto global. A universidade reconheceu os esforços do país, em nível coletivo, o que eu acho maravilhoso. Sabemos que cerca de 20 milhões de vidas foram salvas com essas vacinas (existem atualmente nove vacinas contra covid recomendadas pela OMS). Cerca de um terço dessas vidas foram salvas pela vacina de Oxford. Então é uma responsabilidade muito grande em relação à vacina feita em parceria entre Oxford, AstraZeneca e Fiocruz, pois o Brasil contribuiu com 50% dos dados para conseguir aprová-la. Vale frisar que essa é a vacina mais barata em nível mundial, pois desde o início a ideia da Universidade de Oxford foi uma vacina de acesso global, que pudesse chegar a qualquer lugar do mundo e a qualquer pessoa. Enquanto houver pandemia, a AstraZeneca não ganha nada com isso, vende o produto a preço de custo. Acho louvável a ação de ambas as instituições.

“A ideia da Oxford no Brasil é capacitar profissionais com educação teórica, sim, mas também com foco na parte prática da criação de vacinas e de medicamentos — desde a identificação do antígeno até a inserção do produto no mercado.”

Notícias da Saúde Infantil — Você dirige essa unidade da Oxford no Brasil? Quais são os objetivos da universidade?

Sue Ann Costa Clemens — Sim, sou eu quem lidera essa unidade baseada no Rio de Janeiro, mas que tem atuação na América Latina. Nós temos dois objetivos: o primeiro é educação, pesquisa e desenvolvimento clínico, e o segundo é capacitação. As duas coisas estão interligadas. Eu uso dois chapéus, o da cientista e o da educadora. A ideia da Oxford no Brasil é capacitar profissionais com educação teórica, sim, mas também com foco na parte prática da criação de vacinas e de medicamentos — desde a identificação do antígeno até a inserção do produto no mercado —, ou seja, capitaneando, desenvolvendo, atraindo pesquisas clínicas em diferentes fases para o Brasil, principalmente, mas também para a América Latina. Vamos estimular cientistas e orientá-los no desenvolvimento de vacinas contra doenças endêmicas ou pandêmicas.

Notícias da Saúde Infantil — Qual foi o maior desafio enfrentado no desenvolvimento e testagem da vacina da Oxford/AstraZeneca?

Sue Ann Costa Clemens — Com certeza foi o financiamento. O Brasil tem muito de que se orgulhar, porque salvou muitas vidas no mundo, e isso tem muito a ver com dois Jorges, o Jorge Paulo Lemann e o Jorge Moll, da Rede D’Or. Bati na porta do primeiro com a seguinte vibração: estamos querendo fazer alguma coisa pelo mundo, o máximo que eu posso receber é um não. Ele foi fantástico: apresentei o projeto ao dr. Jorge Paulo pela manhã e no meio da tarde eu já tinha um ok para o financiamento. Falei: preciso do dinheiro na semana que vem, porque se eu não montar o centro em três ou quatro semanas, a gente perde a corrida por salvar vidas. E ele falou: “Sem problemas”. Em lugar nenhum, mesmo se eu conseguisse apoio de outras fundações, como a Fundação Gates, eu jamais teria o dinheiro em menos de uma semana para começar as obras e para adaptar os centros. O financiamento foi essencial para termos uma vacina registrada em menos de um ano. Os dois, o Lemann e o Moll, financiaram os 4 mil primeiros voluntários da pesquisa, além da montagem dos centros com pessoal, material, equipamento, compra de freezer e de tudo que uma pesquisa precisa para funcionar, inclusive a parte regulatória.

Notícias da Saúde Infantil — Houve mais desafios importantes a superar durante o processo?

Sue Ann Costa Clemens — Eu diria que o segundo desafio foi a parte de logística, porque entre março e maio de 2020 faltava de tudo, e nós tivemos que adaptar os centros já existentes por causa do distanciamento social. Não se encontravam no mercado agulhas, freezer a 80 graus Celsius negativos, geladeira para estoque de vacinas, faltava até máscara. O desafio logístico não foi fácil por causa da escassez de insumos no mundo. Havia questões diversas. Como receber a vacina de Oxford diante de um cenário de poucos voos? Como mandar amostras de sangue rapidamente de volta para os laboratórios na Inglaterra em voos esparsos, correndo risco de perder qualidade no caminho?

Notícias da Saúde Infantil — Em que aspectos o Brasil se destaca quando se trata de vacinar a população em comparação com outros países?

Sue Ann Costa Clemens — Tem quatro palavras que descrevem o país nesse assunto: Programa Nacional de Imunizações. O PNI é universal, tem uma capilaridade muito abrangente e cobre não só as estratégias de imunização, mas capacita e atualiza gestores e técnicos, tem programa de vigilância epidemiológica e de farmacovigilância. O país tem características muito fortes e focadas que devem ser um orgulho para o brasileiro, porque o PNI é política consolidada de Estado que independe de governos; ela permanece forte e evidente. Então por isso o Brasil desponta em imunização, em conscientização e coberturas. Desde 2016, as nossas coberturas caíram um pouco, mas ainda assim são excelentes se comparadas às de outros países. A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) foi criada antes da OMS e mostra a conscientização desses líderes de saúde, um dos motivos do sucesso da imunização no Brasil e na América Latina, com resultados superiores aos de outros continentes, incluindo o europeu.

“É preciso capacitar os fellows em todas as facetas da pesquisa clínica; alguns começaram a ser treinados em Oxford e agora estão no Brasil em diferentes instituições. A ideia é que eles tenham educação de qualidade e voltem para aplicar no país, evitando a fuga de cérebros.”

Notícias da Saúde Infantil — Qual é a sua opinião sobre o engajamento de voluntários no Brasil?

Sue Ann Costa Clemens — Por causa dessa conscientização que vem desde os idos de 1920, o engajamento do voluntário é muito generoso. No Brasil não é difícil recrutar as pessoas, pois elas acreditam em vacinas e querem contribuir para salvar vidas e melhorar a qualidade de vida da população mundial. Eu gosto de chamar de voluntário, porque alguns estudos e publicações chamam de participante e é diferente. Na Europa e nos Estados Unidos esses participantes recebem uma quantia significativa por pesquisa e no Brasil não, são apenas reembolsados custos com transporte e alimentação. Eticamente eu acho que isso é fantástico, pois mostra a generosidade e o interesse genuíno do povo brasileiro nessa contribuição à ciência.

Notícias da Saúde Infantil — Quais são os próximos passos no mundo agora, no desenvolvimento de vacinas?

Sue Ann Costa Clemens — Faço parte de vários comitês de vacinas, e estão sendo reservados fundos para investir em uma biblioteca de vacinas que nos permita estar preparados para qualquer epidemia. As etapas são, em linhas gerais: identificar o antígeno, viabilizar formas de produção e escalonamento da vacina e fazer testagem com qualidade para gerar um dossiê regulamentário. A parte laboratorial é muito importante, mas até agora, em todas as pesquisas com dossiês apresentados no Brasil, a parte laboratorial foi feita fora. Por isso é preciso capacitar os fellows em todas as facetas da pesquisa clínica; alguns começaram a ser treinados em Oxford e agora estão no Brasil em diferentes instituições. A ideia é que eles tenham educação de qualidade e voltem para aplicar no país, evitando a fuga de cérebros. Temos cerca de oito estudos em andamento, alguns em colaboração com o Ministério da Saúde.

“A covid deu essa injeção de visibilidade, de desbravamento e de reconhecimento das mulheres. As primeiras vacinas que foram registradas no mundo tiveram participação crucial de mulheres.”

Notícias da Saúde Infantil — O Brasil tem condições de se tornar competitivo nesse cenário global?

Sue Ann Costa Clemens — Se houver um investimento da indústria privada, acredito que sim. O Brasil tem vários parques industriais e acho que essas parcerias podem levar o país a um cenário internacional de sucesso em termos de inovação, produção e industrialização, mas isso tem de ser casado com a área regulamentária e ética. O Brasil precisa gerar dossiês que passem por agências regulatórias e possam ser aprovados em um tempo adequado para ter competitividade internacional, tanto em termos de pesquisa como de registro.

Notícias da Saúde Infantil — Como o investimento em pesquisa pode beneficiar a saúde e o desenvolvimento do país como um  todo?

Sue Ann Costa Clemens — Vimos que o investimento público-privado gerou o que temos hoje com a vacina de covid-19 e, se isso continuar, o Brasil só tem a ganhar; em se tratando de pesquisa e desenvolvimento, será reconhecido globalmente e poderá exportar produtos, pois temos qualidade para isso. Cuba tem duas vacinas registradas desde o ano passado… por que é que o Brasil, com todo o seu talento, não tem? Acho que nos falta um pouco de iniciativa — não devemos contar só com fomentos dentro de casa; vale a pena buscar recursos internacionais. É possível desenvolver mais projetos completos, que envolvam desde a identificação do antígeno até a fase de regulamentação internacional.

Notícias da Saúde Infantil — Dos seis centros de testagem brasileiros, quatro tiveram liderança feminina. Quais foram os papéis das cientistas mulheres, profissionais da área da saúde no sucesso da vacina da Oxford/AstraZeneca? Existe uma tendência ao reconhecimento das mulheres na ciência no período pós-pandêmico?

Sue Ann Costa Clemens — O governo britânico tem me chamado para dar palestras sobre liderança feminina em diferentes países. Estima-se que 70% da mão de obra em saúde seja feminina. Entre esses 70%, diria que 25% têm função de liderança ou ocupam posições sênior. Essa presença sempre foi forte, mas não era visível. A covid deu essa injeção de visibilidade, de desbravamento e de reconhecimento das mulheres. As primeiras vacinas que foram registradas no mundo tiveram participação crucial de mulheres. Özlem Türeci, diretora médica da BioNTech [empresa alemã, parceira da Pfizer na fabricação de vacinas contra a covid-19] e parte do casal que fundou a empresa, foi uma das cientistas no desenvolvimento do RNA mensageiro. No caso da vacina da Oxford, a professora Sarah Gilbert pilotou o projeto na parte da plataforma, a Teresa Lambe na de identificação genética e eu na parte de testagem. Vejo que, além do legado que a covid-19 deixou em nível de pesquisa clínica, científica e na produção, a exposição na mídia também deu visibilidade às mulheres. Na Fundação Bill e Melinda Gates, o departamento de gender equality virou uma divisão, presidida pela dra. Anita Zaidi. Eu diria que esses são os frutos positivos da pandemia.

Notícias da Saúde Infantil — Como pediatra com especialização em doenças infecciosas, o que você deixaria como mensagem relevante para os profissionais da área médica no Brasil?

Sue Ann Costa Clemens — Há muitas formas de responder a essa pergunta, mas não adianta, minha veia de professora acadêmica é mais forte. Eu acho que tanto na vida pessoal como na vida profissional a gente tem que fazer o que gosta, e isso leva a dedicação, inspiração e superação. É isso que faz a diferença no profissional. O pediatra, o médico de família, o gestor público, seja no consultório ou no hospital, sempre podem gerar evidências. Incentivo todos a buscar financiamento para suas ideias, levantar hipóteses e testá-las para, depois, comunicar seus achados. As descobertas devem ser comunicadas com qualidade e seguindo regras internacionais. Então, se você gosta do que faz e ainda colabora gerando evidências, essa atitude pode fazer a diferença, seja para seu hospital, sua comunidade, seu país ou para o mundo.

Notícias da Saúde Infantil — Como você enxerga a área de vacinas daqui a alguns anos?

Sue Ann Costa Clemens — O futuro imediato é o aumento do número de vacinas no mundo e da produção regional, pois hoje elas não são produzidas na África, por exemplo. A produção de qualidade precisa ser mais equânime nas diferentes regiões do globo. A Fundação Gates investe milhões em uma fábrica inovadora totalmente automatizada, o que significa custo menor para a vacina. Isso é maravilhoso para os países com poucos recursos, pois permite que uma população inteira seja vacinada a um custo mínimo. Nessa pandemia nós tivemos uma nova plataforma registrada, que é de RNA mensageiro, então acredito que devem surgir novas e as atuais serão aprimoradas. Em relação a pesquisas clínicas, vamos ter uma rede de centros de qualidade para que possamos iniciar pesquisas imediatamente de acordo com a demanda. Para evitar que uma epidemia vire uma pandemia, também é preciso investir em vigilância epidemiológica de qualidade, com coleta e divulgação de dados padronizados, em âmbito mundial.

Por Rede Galápagos

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