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O meio ambiente e o comportamento na cidade são desafios para a pediatria
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O meio ambiente e o comportamento na cidade são desafios para a pediatria

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06/10/2022
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O impacto da poluição e de condições do meio ambiente na saúde das crianças: o que fazer para minimizar os riscos? Na primeira conferência magna do 6º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil, o dr. Paulo Saldiva comenta sobre a evolução humana, as influências ambientais e as alterações de comportamento que levam a patologias infantis comuns e dá sugestões para minimizar os riscos do impacto dos hábitos alimentares e da poluição.

 

“A pediatria vai ser um grande vetor das mudanças necessárias; os pediatras serão os precursores da sociedade protetora do ser humano no contexto da urbanidade.” A habitual brincadeira com as palavras integrou uma das principais mensagens do dr. Paulo Saldiva, médico patologista e professor titular da FMUSP e membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina, em sua conferência magna nesta quinta-feira, 6 de outubro. Segundo ele, o Instituto PENSI tem um papel importante em políticas para a saúde, pois o Brasil é o quinto país na produção de artigos sobre pesquisas e análises na área de saúde infantil, mas pouco menos de 3% falam sobre a proposição de soluções. “E os gestores têm dificuldade de trabalhar com base em pesquisas, pois precisam propor soluções mais rápidas, ou seja, é um grande desafio.”

Saldiva explicou a evolução humana para, no final, sintetizar: “Fomos programados durante 350 mil anos para viver de um jeito e, nos últimos 50 anos, mudou tudo”. O patologista tinha acabado de sair de uma aula com autópsia na faculdade e aproveitou para comentar que infelizmente seus alunos testemunham placas de gordura nas artérias de cadáveres de crianças. A culpa é dos hábitos alimentares, do sedentarismo, pois a biologia do corpo humano previa a possibilidade de ausência de alimento (muito provável quando o homem vivia de caça e coleta) e se adaptou a isso para, até os seis anos de idade, o corpo fazer reservas de energia com eficiência. Ele relembra que o advento da agricultura mudou esse script e a reunião das pessoas nas cidades marcou o início do comércio, da riqueza e inaugurou desigualdades e a insalubridade sanitária.

Atualmente, assim que começa a substituir a alimentação láctea, a criança pequena vai ao supermercado com a família. “Ali ela vê um brinquedo dentro de uma porcaria e com isso ela é exposta a um repertório de sabores esquisito e aprende a comer errado.” Então a criança que antes sobrevivia porque seu corpo armazenava energia com eficiência agora é impactada pelo excesso. A primeira consequência é o sobrepeso, que aumenta o risco de ser um adulto obeso e com maior risco de diabetes tipo 2. Basta notar que atualmente há mais crianças acima dos dez anos com diabetes tipo 2 do que com o tipo 1. Além da dieta, o sedentarismo resulta de uma condição urbana violenta por causa do trânsito e do crime. Sem falar de outras alterações que resultam da qualidade de vida nas cidades.

As pressões contemporâneas geram patologias psiquiátricas, como a atual epidemia de TDAH. As crianças sofrem de hiperestimulação e todas as tecnologias a que estamos expostos levaram a uma mudança de circuitos cerebrais — o córtex visual é mais desenvolvido do que a memória. Um exemplo prático é que não sabemos mais números de telefones ou trajetos (pois delegamos aos contatos do celular ou do aplicativo), ou seja, os métodos de aprendizado e de raciocínio são muito diferentes. A infância não está apenas sujeita a um professor ou a uma escola rígida, mas a todas as pressões que se impõem pelas redes sociais, à competição, que gera uma necessidade interna. “A criança experimenta uma perda do sentido no mundo fluido, com valores mudando muito rápido. E se sente devedora, como todos os adultos com quem convive, com obrigação de ser feliz.” Segundo o dr. Saldiva, as taxas de suicídio infantil em São Paulo têm aumentado a uma velocidade de 10% ao ano na última década. Em cidades maiores, crescem a depressão, a ansiedade e o risco de esquizofrenia. Nas metrópoles, há o benefício da invisibilidade, mas escasseiam as relações entre as pessoas. E essa carência relacional torna tudo mais difícil para as crianças.

Cartografia das doenças

Em relação ao meio ambiente, a maior incidência de câncer infantil ocorre nas cidades. “Existe uma cartografia do benzeno, e o curioso é que onde há mais casos de leucemia em crianças também há entre os cachorros. A poluição é cancerígena.” A contaminação do ar, direta ou indiretamente, mata 600 mil crianças por ano no mundo. No Brasil, em consequência do aumento do preço do gás, aumentou em 25% o uso de combustível sólido, ou seja, a queima em fogões improvisados, e em geral as pessoas não queimam lenha, queimam lixo, aumentando a exposição da família a agentes químicos e poluentes. Seria imprescindível criar meios mais sustentáveis e sem riscos para a queima de biomassa que não afetassem tanto a saúde.

Em texto que escreveu especialmente para o capítulo 5 do livro A Saúde Infantil e o Desenvolvimento Sustentável da Sociedade Brasileira, publicado pelo PENSI, o dr. Saldiva atesta que a geografia da saúde também será uma área que os profissionais terão de conhecer melhor. O risco de adoecimento e de morte de crianças varia enormemente nas cidades brasileiras, a ponto de ser possível afirmar que o código de endereçamento postal (CEP) da residência disputa com o código genético o papel de maior determinante da relação entre saúde e doença. O CEP agrega uma série de características do ambiente físico (poluição do ar, estresse térmico, moradia), dos serviços básicos (saneamento, saúde, educação), da renda familiar e de aspectos culturais e de cidadania. Esse conjunto de variáveis influencia não somente o risco de adoecimento (fundamental para planejar a prevenção), como também a capacidade de adoção do tratamento preconizado pelos profissionais de saúde. Nesse contexto, a nova puericultura deverá incorporar outras dimensões de análise, de forma que a terapêutica leve em conta as características econômicas, sociais e culturais da família de uma criança. Da mesma forma, o campo das humanidades médicas deverá incluir conteúdos que vão além da ética médica e da humanização do tratamento dos pacientes.

Ao concluir sua conferência magna, o dr. Saldiva falou da importância de aproveitar a janela da infância, em que o ser humano se adapta ao mundo do ponto de vista físico, nutricional, de conhecimento, das relações e dos afetos. Em termos de política pública, considera imprescindível estruturar um programa de reeducação alimentar, baseado na escola, que permita uma alimentação saudável, onde a criança plante e coma o que plantar. E que seja um ambiente onde se refaçam as relações interpessoais e se estimule a colaboração entre as pessoas. Saindo da educação pública e voltando para a prática da medicina, a responsabilidade está com quem cuida da primeira infância e da infância. “Os pediatras enfrentam o desafio de lidar com a complexidade dessa criança que cresce no ambiente urbano contemporâneo, incerto e mutante.” Com certeza, não é tarefa simples, mas é uma aposta no futuro — e ela vale muito a pena.

Por Rede Galápagos

Foto: Agliberto Lima

 

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